Cap 115 Terceiro dia de greve
Cap 115 Terceiro dia de greve

 

                Vem o dia 11. Eu me preparava para ir ao quartel, quando fui procurado em minha residência por um sargento, o qual me comunicou que um capitão, ganhando também uma merreca, cujo contracheque não comprava a crédito no comércio nem um televisor portátil, havia se oferecido ao comandante geral para me pegar “pelo fundo” da calça, dar uma surra e jogar-me no xadrez. Enquanto nós, infelizmente, lutávamos também pelos seus esfomeados filhos, que, iguais aos demais membros da família policial militar, ansiavam por uma vida condigna.

Com o sargento, seguimos para o quartel, às 9 horas, quando já estariam reunidos todos os policiais militares, e tornar-se-ia mais difícil o tal oficial me prender. O meu companheiro, também preocupado, orientou-me para chegarmos ao quartel pelo portão do hospital, que se ligava ao Quartel do Comando Geral. E assim procedemos.

A quadra de esportes estava lotada!

O comportamento do dito oficial chegou ao conhecimento da tropa, naquela manhã. Um grupo de policiais passou a cuidar da minha segurança e outros mais exaltados queriam pegar o capitão, mas eu os desaconselhei.

Minha grande decepção ao chegar à quadra de esportes foi verificar que os policiais não haviam levado as famílias, conforme ficara decidido em assembléia. Comecei a perceber que aquela tropa não era obediente como o foi a tropa de 1963, e que dificilmente teríamos um movimento com sucesso, isto porque dentre os policiais existia gente insuflando-os à baderna, com instinto de violência.

Quem sabe!... Até orientados por poderosos do alto comando, a exemplo de induzirem os policiais para a deflagração da greve.

Compareceram policiais de todas as companhias, inclusive das operacionais - Choque, Rádiopatrulha e Corpo de Bombeiros.

Com a tropa rebelada e concentrada na quadra de esportes, lá se ia chegando o capitão comandante da Rádiopatrulha, que se aproximou à tropa e gritou:

“O pessoal da Rádiopatrulha, coluna por três, comigo!!..."

Foram poucos os que obedeceram ao comando. Como a sua ordem não foi cumprida, o mesmo mandou que um tenente anotasse os nomes dos policiais desobedientes. O tenente, todo cheio de desalento, anotava os nomes, mas eles não davam a mínima!... Os PMs queriam mesmo era uma solução para o problema.

Foi naquele momento, que o coronel Altamiro Galvão de Paiva, Subcomandante da Polícia Militar, mandou me chamar com o cabo Raimundo Sobrinho de Medeiros, presidente da Associação de Cabos e Soldados.

Com o nosso afastamento, os policiais fizeram silêncio, e com suas vistas acompanhavam-nos. E ficaram fixando os seus olhares na direção do gabinete do subcomandante.

À porta do gabinete do subcomandante estava um capitão, que era o seu secretário. Com o coronel se encontrava um oficial que foi convidado a nos deixar a sós. O coronel Altamiro levantou-se e fechou à chave a porta do seu gabinete. Ele iniciou a conversa dizendo:

“A manifestação feita ontem, quarta-feira, foi bonita e sensibilizou a opinião pública. Não sou contra as tais manifestações, contudo, desejaria que os policiais trabalhassem durante o carnatal, e após este, retornariam às reivindicações”.

Mandou o subcomandante que nós retornássemos à tropa, a fim de controlar as suas emoções, que em seguida ele desceria para conversar com os policiais.

Ao deixarmos o gabinete do subcomandante, o coronel Afonso(Nome fictício), que estava ambiciosamente doido, doidinho da “Silva” para assumir o comando da Polícia Militar, chamou-me reservadamente, e disse-me:

“Olhe, o que eu vou dizer aqui, morre aqui. Esse comandante é um incompetente. Eu vou lhe dar uma orientação. Você prepara um documento em nome das duas associações; você assina com o cabo Sobrinho e através desse documento,  peçam ao Governador do Estado a queda desse comandante. Esse incompetente. Olhe, o que eu estou dizendo é segredo!!!...”

Finda a conversa daquele mui esperto, eu e o cabo Sobrinho nos dirigimos à tropa, que inquieta, recebeu-nos com calorosos aplausos. Repórteres de rádios, jornais e televisões estavam presentes. Todos nos centralizaram seus olhares. Informados sobre a presença de Altamiro, os policiais se agitaram, aos quais solicitamos calma e respeito à autoridade do subcomandante, que já se aproximava do local.

O coronel Altamiro repetiu as mesmas palavras que nos havia dito no seu gabinete, acrescentando mais alguma coisa. E começou enfático e demagogicamente:

“Movimento bonito!... Mais do que justo!... Vocês em passeata pacificamente lutando pelos seus direitos. Asseguro-lhes que não haverá punição para ninguém. Mas eu queria lhes fazer um pedido: Hoje começa o carnatal. Vocês suspendem este movimento hoje, vão preservar a ordem pública do carnatal, e na segunda-feira, retomam o movimento...”

E foi interrompido:

“Ah!!!...”

Ele continuou e concluiu:

“Vou deixar o cabo Sobrinho e o subtenente Júlio para decidirem com vocês sobre suspender ou não a manifestação e retornarem na segunda-feira”.

Muita gente tentou se manifestar quando o coronel Altamiro falou sobre o retorno ao trabalho, mas eu fiz sinal reprovando qualquer manifestação com a finalidade de evitar possíveis perseguições posteriores, pois esse era o comportamento mesquinho da maioria das grandes estrelas, que, sem remorso, ficava até provocando moralmente os seus comandados.

A tropa não aprovou a idéia de Altamiro. Cada vez mais temeroso, eu não acreditava num movimento pacífico, pois, na manhã daquela sexta-feira, um  grupo de policiais havia feito piquete em frente ao portão principal do quartel, gerando um desentendimento com o major Leonardo, o qual, já recebendo gratificação, mudara o seu comportamento, vez que antes apoiava as nossas reivindicações.

Foi começada a marcha para o Palácio Potengi. Porém, antes de ultrapassar o portão, o comandante geral mandou chamar os dois presidentes das entidades de classe - eu e o cabo Sobrinho. Os policiais ficaram espantados e achavam que seria uma armadilha para nos prender. O comandante nos informou de que o governador José Agripino não se encontrava no estado. Porém, falava sem firmeza, entrecortando a voz. Inseguro, apertava as suas pálpebras. Parecia estar com a vista ofuscada. Engasgou-se todo!... Ou não foi nadica bobo para falar mais!

Tomei a palavra:

“Comandante, fique do nosso lado. O senhor é o nosso líder. O senhor está vendo, no dia-a-dia, o drama que envolve os seus comandados”.

O comandante não se desentalou direito e ficou:

“Mas... mas... você sabe, né!... Você sabe, né!...”

E continuando, insisti:

“Comandante!!... Fique do nosso lado, comandante!”

Não encontrando saída, adiantou que ele e o subcomandante iriam ao Gabinete Civil, a fim de conseguir que o doutor Leônidas nos recebesse.

Naquela manhã, o movimento contava com mais de 600 policiais.

Deixamos o gabinete do comandante e seguimos com destino ao Polácio Potengi – Sede do Executivo Potiguar. Durante o percurso alguns policiais adotaram um comportamento que comprometia seriamente a ética policial militar. Compraram garrafas da cachaça e beberam em plena passeata. Pintaram as caras. De gaiatice, desmaiavam diante das câmaras das televisões. Passavam além dos limites. Eles chegaram à baderna, pois, não obedeciam à orientação da comissão.

E deram início ao cântico:

“Eu não vou pro carnatal

Porque tô passando mal.

“Ê...Ô...Ê...Ô o governo é um terror”.

Para aquele comportamento havia uma razão bastante lógica. É que sendo vítimas de opressões e injustiças, eles encontraram uma maneira de jogar para fora o monstro que latentemente vivia no seu interior.

De cima dos edifícios, o povo jogava papel picado e os aplaudia fervorosamente.

Finalmente, a passeata chegou ao Palácio do Governo. A nossa grande surpresa foi o número de familiares dos policiais que aguardava a passeata para a ela se juntar.

 Eu e Sobrinho fomos ao gabinete de Leônidas, onde estavam o coronel Luiz Pereira, o coronel Altamiro, e o Secretário-Chefe do Gabinete Militar - Coronel Paiva. A nossa grande surpresa foi o número de familiares dos policiais que aguardava a passeata para a ela se juntar.

Eu e Sobrinho nos dirigimos ao gabinete do doutor Leônidas, enquanto a tropa, ansiosamente, aguardava o nosso retorno. Conosco foram também os deputados Antônio Capistrano, Júnior Souto, Carlos Eduardo Alves e Getúlio Rego. O secretário informou de que o doutor José Agripino estaria na capital pernambucana, de  onde tomaria destino a Milão - Itália. Disse-nos o secretário que o governador iria conceder um reajuste ao servidor público, e para a Polícia Militar seria diferenciado. Perguntei-lhe para quando seria o reajuste, e qual seria o percentual para os policiais militares, ele, todavia, não soube responder. Fui mais claro com o secretário:

“Secretário, e que resposta vamos levar para a tropa que está aqui, em frente ao palácio”?

O coronel Paiva, Secretário Chefe do Gabinete Militar, com suas mãos geladas e soadas mais do que tampa de chaleira, pediu-me  calma, mas não interferiu no assunto em  nossa defesa.

O comandante e o seu auxiliar - coronel Altamiro - não dirigiram uma só palavra em defesa de sua tropa rebelada. Perderam a língua! Foram totalmente omissos. Os deputados tentaram uma conciliação, o que levou o  doutor  Leônidas a esclarecer que o governador iria convocar, extraordinariamente, a Assembléia Legislativa, para o dia 10 de janeiro de 1993, quando seria enviada a mensagem de reajuste salarial.

A resposta do secretário não agradou aos policiais, que decidiram continuar  com  a  passeata  tomando destino ao Alecrim para chegar ao Clube Tiradentes, onde seria realizada nova assembléia.

Os policiais contaram com o apoio de diversas entidades de classe, dentre elas o Sindicato dos Trabalhadores na Saúde, e os Sindicatos dos Rodoviários, este último, colocou um carro de som a disposição do movimento. Quem ficou fazendo a locução foi o PM Gonzaga, que saiu puxando a passeata.

Antes de deixarem o palácio, os policiais receberam a solidariedade do  capitão  José  Walterler  dos  Santos,  que  indignado  com  os baixos salários recebidos, e sendo bacharel em direito, mostrou o seu contracheque aos meios de comunicação, com o qual não se cadastraria no comércio.

Seguiu a multidão tomando ruas e avenidas interrompendo o tráfego dos coletivos e demais veículos, provocando um grande congestionamento no trânsito.

Em frente ao cemitério do Alecrim, uns policiais exaltados e apoiados pelo PM Gonzaga se dirigiram a um veículo policial comandado por um tenente, os quais desrespeitaram o oficial tentando levar, à força, os seus companheiros que estavam na viatura.

Fui correndo ao local, e reclamei a atitude dos policiais, mandando-os retornar à passeata, e pedi desculpas ao oficial que se manteve calmo. Naquele momento, peguei o microfone do carro e orientei aos policiais a não procederem  de tal maneira.

Eles passavam em frente a Companhia de Trânsito, quando alguns policiais tentaram convencer aos seus companheiros que se encontravam de serviço a acompanhá-los, mas foram impedidos pelo tenente Klecius, havendo o PM Gonzaga, mais uma vez, dirigido palavras agressivas ao dito oficial. Incontinenti, peguei o microfone e pedi desculpas ao tenente. A passeata seguiu pelo centro do Alecrim, deixando as principais ruas engarrafadas durante horas. O comércio parou. O povo corria para ver, de perto, a manifestação dos policiais. E muitos aplausos!!

No Clube Tiradentes, já estavam aguardando a tropa os deputados Antônio  Capistrano,  Júnior Souto e Carlos Eduardo  Alves. Foram logo tomadas  decisões para ir todo mundo embora, a fim de evitar qualquer repressão. Reafirmaram, mais uma vez, que não iriam para o policiamento do carnatal. O telefone do clube não parava  com  os  policiais  que não puderam ir à reunião pedindo informação sobre as decisões adotadas. Os que lá não  compareceram  seguiram  a vontade da maioria.  Ficou  decidido que sábado e domingo, eles se ausentassem de suas  residências e fosse para as residências de parentes para não serem localizados e presos.

O capitão Walterler que para lá também foi, fez uso da palavra dizendo que os policiais militares deviam trabalhar durante o carnatal, a fim de conquistar a credibilidade da sociedade, cuja sugestão não foi aceita. Eles estavam irredutíveis e não atendiam à voz dos líderes.

A última deliberação foi uma nova assembléia para às 7 horas, da segunda-feira - dia 14 de dezembro. Finalmente, estava encerrada a reunião, e os policiais saíram apressados temendo alguma manobra de prisões.

Eu também ia saindo, quando me chamaram ao telefone. Era o comandante geral - coronel Luiz Pereira, o qual queria que eu convencesse os policiais a trabalharem no carnatal. Informei para o comandante que seria impossível, posto que, oitenta por cento da tropa não se encontrava mais no clube, e os policiais não aceitariam. Ele insistiu, dizendo:

“Mas!... Mas, você pode convencê-los. Eu mandarei pagar diárias para eles. É um ganho extra.  Você pode fazer isto. Você é líder deles”.

Respondi ao comandante que eu não era líder de nada, e não haveria mais possibilidade para reuni-los. Desculpei-me e desliguei o telefone.

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