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LIVRO: LUTA, SOFRIMENTO E GLÓRIA
LIVRO: LUTA, SOFRIMENTO E GLÓRIA


                                  P r e f á c i o

 

        A década de 60 foi sobremaneira difícil para o funcionalismo estadual do Rio Grande do Norte e em especial para a Polícia Militar

O governador, aliado a um bando de sádicos, que integrava seu staff, perseguia, maltratavam e humilhavam a todos, pelo simples prazer de mostrar força.

Exatamente nesse período, e dentro desse quadro, é que o autor desse livro, Júlio Ribeiro (não o de “A carne”), vindo como eu das quebradas de Serra de São Bento, mal saído de uma infância dolorosa e de uma adolescência extremamente sofrida, vem “sentar praça” na Polícia Militar, da qual fez sua casa e única família, que conhecera até então.

Dotado de personalidade muito forte e intimamente revoltado com as injustiças que a vida lhe reservara desde seu nascimento, não suportava injustiça e não se calava por medo de nada, razão que o levou a fazer parte de alguns movimentos na corporação, mal começara a rabiscar as primeiras frases.

É narrando os fatos e circunstâncias de sua vida que Júlio Ribeiro centa o tema de “Luta, Sofrimento e Glória”, seu mais recente livro, mostrando detalhes e situações passados a partir da sua infância, até os dias atuais, entrando em pormenores que chocam, ferem e até revoltam que lê esta obra.

Ao entrar para PM, conheci o Júlio já sargento e nos tornamos bons amigos, apesar de nem sempre termos as mesmas idéias sobre determinados assuntos. Essa amizade foi o que certamente o levou a escalar-me para prefaciar sua última criação (não a derradeira), o que faço com imenso orgulho, conhecedor que sou da luta leal, desinteressada e honesta deste ilustre amigo e colega de profissão.

Seu livro deve ser lido e meditado não só por todos os policiais militares, mas por todos aqueles que amam a verdade e apreciam saber as nuances escondidas da história. Sem sobra de

dúvidas posso afirmar que a saga do Sub Júlio e seu mais recente trabalho farão parte do acervo cultural da História da Polícia Militar e do Rio Grande do Norte.

Espero que os prezados leitores tenham bom proveito do livro e analisem, no seu linguajar forte e direto, os fatos como se passaram e a visão do autor sobre eles, visão esta de que algumas vezes discordo, por motivos óbvios.

Agradeço e desejo a todos uma boa leitura.

 

Antônio de Pádua Crizanto.

Coronel da Reserva Remunerada

 

A p r e s e n t a ç ã o

     No final dos anos setenta, Natal foi abalada com a notícia de homicídios praticados por um caseiro contra estrangeiros residentes no bairro de Capim Macio.

Os detalhes do evento criminoso causaram forte impacto em todos os segmentos sociais aqui e alhures.

A imprensa registrou o episódio em seguidas reportagens. O mais suave relato dos acontecimentos não teria força para interpretar a dor que tomou conta das famílias potiguares

Promotor de Justiça em Natal, com atuação na Vara dos Homicídios – Júri Popular, fui designado para acompanhar o Inquérito Policial que foi presidido pelo Oficial da PM Antônio de Pádua Crizanto, que assina o Prefácio deste livro. Como Escrivão atuou Júlio Ribeiro da Rocha, o Autor desta obra.

Passados esses anos, os três deram destinos diferentes às suas vidas. Pádua é Coronel da Reserva Remunerada da PM/RN. Júlio é político e escritor. Sou ou pretendo ser um advogado provinciano, agora investido na missão de Apresentador.

Júlio, em linguagem romanceada, narra episódios que marcaram sua vida, notadamente na atividade castrense. E o faz bem, com estilo forte e corajoso.

Quando necessário, aponta nomes e assume responsabilidade. Escreve sem conter os gemidos pelas dores de injustiças sofridas.

Convivem no livro emoções, denúncias, projetos, esperanças e vitórias. Estas após anos de provação e tenacidade.

Desconheço muitas das personagens citadas. Não posso, portanto, emitir juízo de valor sobre a atuação de algumas pessoas nominadas ou referidas. Essa responsabilidade é do Autor.

Posso, sim, dizer que Júlio não é omisso, silente ou submetido às intempérias da vida.

Pelo contrário, exerce a cidadania como poucos. Luta. Sofre. Perde. Vence. Continua.

Recentemente, dele recebi os subsídios para a causa que patrocinei perante o egrégio Tribunal Eleitoral do RGNorte, voltada ao restabelecimento da verdade das urnas no tocante à definição da  posição da Assembléia Legislaltiva. Teoricamente, a causa é vitoriosa. Seguramente, coube a Júlio a estruturação da documentação levada a Juízo.

Por todos esses motivos, apresentar “Luta, sofrimento e glória” é um privilégio.

Armando Holanda

 

Capítulo 1

Na casa de tio Francisco

     Tio Francisco morava no sítio Beija-Flor, numa casa de taipa, sem reboco, suja, de chão batido e cheia de teia de arranha. Ele e dona Zefa, sua mulher, eram rudes. O casal tinha quatro filhas menores – Lúcia, Maria, Vera e Tereza, as quais não gostavam de mim.

Na residência de tio Francisco não existia cama, nem rede para mim. Eu dormia no piso de barro batido, sem nenhum forro ou agasalho.

Chequei àquela casa no período  do inverno e fazia muito frio. À noite, eu procurava me aquecer deitando-me junto às trempes onde era feito o fogo no chão para cozinhar a alimentação, porém, eu disputava o espaço com dois cachorros sarnentos e fedorentos, que passavam a noite grunhindo e se coçando.

Dona Zefa tratava-me mal. Não tinha qualquer afeição por mim. Para ela eu não passaria de um ser inanimado. Ela e meu tio só me davam desprezo e sem motivo batiam-me com uma peça de corda, deixando minhas costas lapeadas.

Os vizinhos de tio Francisco logo tomaram conhecimento sobre a minha presença naquela casa. Os maus-tratos que tio Francisco e dona Zefa me dedicavam chamaram à atenção dos vizinhos da redondeza, que  indignados protestavam.

Sem entender a razão pela qual não via mais meus pais. Sem seus carinhos. Sem o calor do seio materno, levava-me a passar chorando o dia inteiro.

A ausência de minha mãe abria uma ferida na minha vida...!

Capítulo 2

Minha primeira  fuga

        Amanheceu o dia. Quase não dormi. Levantei-me mais cedo do que nos outros dias. Dona Zefa, como dona de casa, enfiava-se nos seus afazeres domésticos. Era uma sexta-feira. Tomei café. E no meu peito pulsava um forte desejo de encontrar os meus pais. Tal vida miserável não me agradava. Fazia-me sofrer muito.

Aquela força dentro de mim a fim de procurar meus pais, não se cansava. Agora, com mais veemência,  ordenava-me procurá-los.  

Decidir agir. Peguei um caminho estreitinho que saiu numa estrada de barro, que anos depois tomei conhecimento ir à cidade de São José de Campestre, e era justamente no  dia de feira. Fiquei às margens da estrada, e não tardou chegarem outras pessoas, entre elas um cidadão me perguntou:

  • Para onde você vai, menino?
  • Eu vou procurar minha mãe...
  • Ah! Eu conheço sua mãe e seu pai.
  • Você quer mesmo sua mãe e seu pai?
  • ..
  • Seu pai está na feira de Campestre. Eu vou lhe entregar a ele.

O homem continuou dizendo que iria me entregar a meu pai,  segurou-me pela mão e alisou meus cabelos.

Vem chegando o carro dos feirantes. Era um caminhão grande cheio de bancadas. Parou, e nós subimos. O estranho sentou-se ao meu lado.

O carro velho fazia um barulho terrível e parava durante todo o percurso para apanhar os feirantes que o esperavam ao longo da estrada.

Finalmente, chegamos à cidade de Campestre. O homem, desta vez  me segurando pelo braço,  desceu do veículo. E não me largava. Ganhamos à feira. Ele me deu lanche, comprou um chapéu de palha de carnaúba, colocando-o na minha cabeça. Comprou um par de alpargatas de couro cru, colocou-as nos meus pés. De velho, só a roupa que me vestia.

 Sem soltar o meu braço, dizia que estava procurando o meu pai, mas nada de encontrá-lo!

A tarde chegou e nada!...

O desconhecido sem soltar o meu braço, levou-me a um carro, no qual embarcamos. Querendo chorar, perguntei:

  • Cadê meu pai?
  • Não chore, menino - disse ele - que eu vou lhe deixar na casa de seu pai.

Lá se vai bem lento o veículo numa estrada empoeirada, pára aqui, pára acolá. Já era escuro quando o veículo parou mais uma vez. O homem desceu comigo, sem largar o meu braço. Seguiu numa vereda. E eu não sabia para onde estávamos indo. Ele era vizinho de tio Francisco. Devido a minha idade, eu não o conhecia. Só entendi que lugar era aquele quando vi tio Francisco. Comecei a chorar com medo de ser castigado com algumas lapadas de cordas. Eu gritava não quero ficar!!... Não quero!!...

Não! Não! Não chore, que eu vou pedir a seu tio para não bater em você - adiantou o estranho.

Realmente pediu, acrescentando:

  • Seu Francisco, este menino ia fugindo a procura do pai dele. Eu resolvi trazer ele de volta, mas o senhor vai me prometer que não baterá nele. O senhor me promete?
  • Prometo - respondeu friamente.
  • Então, está aí o menino! Não bata nele! Boa noite, seu Francisco.
  • Boa noite.

Tio Francisco olhava-me de cima-a-baixo com aquela monstruosa cara, e só deu tempo para o seu vizinho se afastar. Ele  segurou-me pelo braço,  apanhou   uma   peça   de  corda de agave. Deu-me uma brutal surra. Foi cruel!!!...

 

Capítulo 3

Fui morar com meus padrinhos

A situação na casa de tio Francisco continuava cada vez pior. E eu não parava de chorar.

Naquela repudiável vida, eu não podia continuar, especialmente, depois da minha má sucedida fuga.

Numa determinada sexta-feira, bem cedo, tio Francisco mandou a sua mulher me dar um banho de sabão comum, o qual assanhou as sarnas herdadas dos cachorros sarnentos que dormiam comigo junto às trempes.

Dona Zefa enxugou-me com um pedaço de lençol sujo que só fedia a urina das meninas.

Vestiu-me a mesma roupa, aliás,  a única. Meu tio pegou uma bolsa velha de feirantes, colocou-a nas suas costas. Indiferente, olhou-me e disse:

“Vamos! Eu vou lhe entregar ao seu padrinho, que mandou lhe buscar”.

Seguimos percorrendo o mesmo caminho, o qual eu o havia trilhado, quando da minha fuga. Meu  tio  apanhou o mesmo carro. O veículo superlotado, lento, parava daqui pra li. Vez por outra, estancava. E só pegava na manivela.

Chegamos à cidade. Era a mesma cidade de antes - São José de Campestre. Tio  Francisco  desceu  do  ônibus, e não fez como aquele homem que me segurava pelo braço. Ao contrário, ele me arrastava. Logo, chegamos a uma barraca grande de mangalhos. Lá estava aquele homem bem simpático dos seus 50 anos de idade, de olhos azuis e pele  vermelha. E diversos empregados tomavam conta de várias barracas grandes, também de mangalhos.

  • Este é o seu afilhado - disse meu tio ao homem de olhos azuis.
  • Coitadinho! Como está magro e sarnento!? Deus te abençoe, meu filho. Você vai morar comigo e será criado como o meu próprio filho – disse ele.

Meu padrinho olhou-me demoradamente e em seguida,  tomou-me nos seus braços. Tio Francisco, sem pronunciar uma só palavra, desapareceu sutilmente, com uma rapidez incrível, sem, contudo, um adeus me dar. De cujo coração nunca me dera sombra.

Meu padrinho chamou um dos seus empregados, ao qual determinou que me levasse para tomar café em uma banca da feira. Serviram-me leite, queijo, pão, biscoitos e manteiga. Comi e matei a fome. Suspirei profundamente. O suor corria-me na testa.

Passava do meio-dia, quando padrinho João mandou que uma senhora de uma barraca de comida bem perto dele me servisse almoço. Eu não estava com fome e não quis comer. O tempo foi passando. Era grande o movimento naquelas barracas. O sol estava baixinho. Padrinho João mandou juntar aquela troçada inteira, recolhendo-a em vários caixões, que foram colocados num comboio de burros mulos e cavalos. 

Padrinho  João  botou-me  no  meio de uma das cargas, enquanto ele ia montado num cavalo  bonito  cheio   de  arreios,  caminhando  à  frente  da   tropa.

Foi uma longa caminhada e já era tarde da noite quando meu padrinho encurtou as rédeas do seu cavalo, parando-o em frente a uma casa grande rodeada de alpendres. Ao lado da qual existia um curral enorme cheio de gado.

Do interior da casa surgiu um grito:

  • João, Júlio veio?
  • Veio!!... - respondeu meu padrinho arrastando a voz.

Aproximou-se de nós uma senhora de estatura média, e foi ao encontro de padrinho João, que estava me retirando do meio da carga, e disse:

“Guilhermina!... Leva ele e lhe dê um banho de água morna com enxofre porque ele está empestado de sarna”.

Sem demora,  madrinha Guilhermina me levou para cima de uma pedra chata semelhante a um tapete e deu-me um banho com água bem morna com enxofre para eliminar as sarnas do meu corpo. Minha madrinha rompeu o silêncio, exclamando:

“Ah, diacho!! Que danado fedorento!!?"

Terminou o banho. Enxugou-me com uma toalha bem perfumada.  Vestiu-me uma roupa cheirando a nova. Colocou um par de alpargatas novas nos meus pés. Levou-me à mesa e sentou-me num tamborete, e lá ela também se sentou com padrinho João e os demais empregados. Foi servido o jantar. Era a primeira vez - na minha vida - que eu comia numa mesa junto com gente grande.

Findo o jantar, madrinha Guilhermina perguntou se eu queria dormir. De olhar baixo, respondi negativamente balançando a cabeça. Pouco depois chegou um rapaz alto e forte que me olhou com desdém. Era  André, o filho mais novo da casa. O qual travou uma conversa grosseira com padrinho João.

Ele não estava gostando da minha presença na família. Padrinho João, contudo, foi bem severo, dizendo-lhe:

  • André, meu filho, eu tenho cinco filhos. De solteiro só você, que não tem praticamente me ajudado em nada. Mas tarde você se casa e ficarei sem ninguém dentro de casa.
  • É!... O senhor tem razão, papai! - reconheceu.

Naquela ocasião,  chegou  Zezinho, o filho mais velho da família, com sua esposa Nancy e seus dois filhos - Antônio e Arnaldo -, que moravam pertinho dali.

Nancy era alva e bem simpática. De maneira meiga, perguntou:

  • Comadre Guilhermina, este é o seu afilhado?
  • É, sim.
  • Tão magrinho! - exclamou Nancy com um sorriso franco!

Zezinho me olhou. Riu e fechou a cara. Aquele era o seu jeito, mas de  bom  coração. Entre todos,  Nancy  aproximou-se  de mim.  Agachada, beijou-me à testa fedida de enxofre.

Após conversarem longo tempo, Zezinho e sua família foram para casa. Meu padrinho armou uma rede num dos quartos do casarão e disse:

“Vamos dormir, Júlio!"

Fui correndo pegar um tamborete para subir porque era assim que as filhas de Tio Francisco faziam, mas, ele  interrompeu:

“Não! Não! Deixe que eu lhe boto na rede".

E, em seguida deu-me a benção:

“Deus te abençoe, meu filho”.

Meu coração bateu de alegria!

Abençoar-me era uma coisa que tio Francisco jamais o fizera. Eu estava caindo de sono. E adormeci logo.

Naquela nova morada tudo era cheiroso - a rede, o lençol e a casa.

Na manhã seguinte, acordei cedo, como acontecia na casa de tio Francisco. E era escuro. No curral, Zezinho já tirava o leite das vacas. Àquela hora, ninguém estava mais deitado. Todos seguiam os costumes e o pique de trabalho de João Horácio, que já havia saído para a feira de Serra Caiada, com a metade do comboio, a fim de vender mangalhos.

Nancy ia chegando com os seus dois filhos. Ela conduzia quatro canecas de alumínio, das quais me deu uma. Chamou-me com os seus filhos para a entrada do curral feito com varas de aroeira e mourão de mororó. Levou-nos para junto de Zezinho, este pegou as canecas levando-as à xiringa do leite que caia direto do peito da vaca. Eu nunca havia tomado leite no curral. Era muito gostoso! Eu estava mesmo no paraíso! Ah, coisa boa!

Antônio e Arnaldo foram para o alpendre, onde ficaram brincando com carrinhos de plástico. Eu,  que  não os tinha, fui ao monturo procurar ossinhos de animais domésticos, que eu, costumeiramente, brincava na casa do tio Francisco. Os dois deixaram os carrinhos e também foram procurar ossinhos para brincar.

 

 

Capítulo 4

Os trabalhadores do eito

     Meu padrinho tinha grandes plantações de algodão. Sua propriedade ficava vizinha à Fazenda Uirapuru, de propriedade do major de patente comprada Theodorico Bezerra.

Pela manhã, bem cedo, chegaram os homens do eito da mão-de-obra alugada, que trabalhavam limpando o mato.  Padrinho João era homem de barriga cheia. Os trabalhadores tomavam café, lanchavam, almoçavam e jantavam por conta dele.

Ao meio-dia, após o almoço, eles, durante uns 10 minutos, se deitavam no chão debaixo do alpendre ou repousavam na sombra das quixabeiras. E recomeçavam no eito.

Os filhos de meu padrinho não trabalhavam com ele. André vivia mais em São José de Campestre, onde namorava a Isaura, sua noiva, com a qual se casou. O casamento, entretanto, não durou muito. Zezinho, que era casado, tinha a sua vida independente. Rosemiro servia na Guarda Civil do Estado de Pernambuco. Cristiano - o segundo filho casado - era funileiro num lugarejo chamado Riacho, que depois mudou para Tangará. Maria e Severina moravam em Natal, Capital do Rio Grande do Norte.

Todo fim de ano, a família se reunia. Era muita alegria floreada com vinho;  com queijo feito pelas delicadas mãos de madrinha Guilhermina; e muito peru cevado  caprichosamente  no quintal da casa grande.

No final da safra daquele meu primeiro ano, os 8 quartos da casa grande ficaram superlotados com sacas de feijão, milho e amontoados de algodão. Foi uma supersafra cheia de alegria para o agricultor. Contudo, devido a grande safra o produto  caíra  de preço, e quem vendeu algodão na folha, não fizera bom negócio. Assim, alguns produtores apenas liquidaram o débito. E estocaram feijão e milho para o consumo da família, porém, só chegaria até o início do próximo inverno.

Meu padrinho, que não tinha nenhum débito, armazenou toda a produção e só vendeu na alta.

André, que no final daquele ano queria se casar, resolvera cuidar de um bom pedaço de terra; plantou milho, feijão e algodão, e fez boa colheita. No final do ano, vendeu o produto que estava com ótimo preço.

 

Capítulo 5

Os primeiros anos

       Durante dois anos, minha vida foi de uma boa convivência com os meninos. Mas, eu já estava entendendo todo o dia-a-dia naquela fazenda. Meu padrinho me botou para trabalhar. E fui realizando tarefas de pouco empenho físico.

Desta feita, Comecei dando recados, e cumprindo pequenas  tarefas que ele me dava. Passava  o dia inteiro, e às vezes entrava pela noite. E eu não fazia nem cara feia. Tudo com muito zelo. Aquilo era uma dávida de Deus!

 Meu padrinho não parava de me dar ordem:

“Júlio, vá chamar compadre Zeca. Vá amarrar aquele jumento ali. Faça isso. Faça aquilo”.

E eu saia assobiando ou cantando:

“Minha burrinha come milho, come paralha de arroz, o mal desta burrinha é que não pode com nós dois.”

Fui crescendo e adquirindo responsabilidade. E tudo saía perfeito. E eu cativava meu padrinmho, que não perdia oportunidade para me elogiar, tendo-me, inclusive, como o seu preferido em presença de André; o qual – André -, toda vez que tomava cachaça, dava algumas dores de cabeça ao velho mangalheiro.

Vendo minha esperteza, ele foi mudando as minhas tarefas diárias. Ensinou-me a montar nos animais. Com maior responsabilidade, perdi o contato diuturno com os meninos de Zezinho Horácio.

Eu estava fazendo quase todos os trabalhos de gente grande. E dava conta. Entre as tarefas,  fiquei  responsável para ir deixar e buscar o gado no pasto; ir deixar o lanche dos trabalhadores no roçado; transportar nos jumentos a ração dos animais; buscar água no açude, utilizando barris nos lombos dos jumentos. Aonde eu chegava, os adultos me ajudavam a colocar a carga.

Minha madrinha me considerava, meramente, como mais um trabalhador e não dedicava os mesmos cuidados que me tinha padrinho João. Ele não escondia a satisfação que sentia pelo trabalho que abracei sem nenhuma rejeição. Fazendo-o com amor. Sem tristeza no meu coração, pois eu já estava me esquecendo da pouquíssima convivência na desarmoniosa casa de meus pais.

Passei dos pequenos aos pesados trabalhos, em igualdade com os trabalhadores, inclusive, no eito. Sem, contudo, atrasar nenhuma tarefa. Se fosse a pé e o tempo curto, eu saia correndo; se montado, o animal seguia galopeando. E era gostoso!

No eito ou noutras atividades, todos se admiravam da minha disposição.

Hoje eu fico imaginando de onde vinha tanta energia.

A resposta à minha pergunta não vem de outro, senão de Deus.

Meu padrinho - apesar da idade - gozava de perfeita saúde e muita energia para o trabalho. Ele não ficava parado um minuto.

Mesmo casado e morando com o sogro em São José de Campestre, André ia toda a semana à residência do pai. Desde a minha chegada que ele mantinha uma rixa comigo. E  vivia sempre  procurando  uma desculpa para me bater, o qual tinha ciúmes do tratamento que o seu pai me dava. Certo dia, ele bebeu descontroladamente, e brigou com a sogra. Depois da briga o mesmo e sua mulher foram morar conosco.

Isaura, sua esposa, era uma ótima pessoa, mas ele continuava maltratando-a e tomando cachaça como se fosse uma obrigação diária. Não ajudava nos trabalhos do pai. Quando padrinho João não estava em casa, ele brigava comigo ou com Isaura. E cada dia se tornava mais violento, partindo logo para espancamento, deixando-nos cheios de hematomas. Nossas vidas viraram um verdadeiro inferno. Isaura não o suportou e foi embora para a casa de seus pais, deixando-o  definitivamente. Separado, ele foi morar com Rosemiro na Capital do Recife.

Capítulo 6

Grande seca

      Fazia três anos que eu estava morando com padrinho João. Chegamos ao mês de junho e  nenhum sinal de chuvas. Os barreiros e açudes - principais reservatórios d’água - só tinham lama torrada.

Sem previsões de chuvas, aquela foi a pior seca da década de 40. Daquele capinzal  verde do ano anterior, não existia mais nem os troncos. O verde das matas se  transformara em garranchos secos. O gado estava morrendo de fome e sede. A maioria dos fazendeiros vendera suas rezes, evitando maiores prejuízos. Sem sinal de chuva, a seca chegava ao seu ponto crítico. Os animais de meu padrinho bebiam no açude da fazenda Uirapuru, do major Theodorico Bezerra, de quem o velho João era amigo pessoal. 

Padrinho  João  havia  armazenado bastante capim seco, pois pelo prenúncio dos antigos aquele  ano  seria  de horrível seca. Não obstante, muitos fazendeiros não se cuidaram tanto...

A ração normal do gado não durou muito, inclusive a palmatória.  Meu padrinho recorreu ao seu estoque de capim seco. Foi retirando para alimentar os animais,  mas  com  certo  tempo o rejeitaram. Ele agiu rápido. Mandou buscar comboios de cargas de mel de furo nos engenhos do agreste. O capim seco, depois de cortado miúdo, era molhado com garapa do mel. A experiência foi válida, salvando os animais. O gado camia chega ficava lambendo os beiços. Até o leite aumentou. Até eu tomava a carapa do mel de furo. Era gostosa!

Passavam-se oito meses de seca, a reserva da ração estava chegando ao fim. A fome devastou os animais dos fazendeiros  que não se preveniram, e inutilmente tentaram resistir à seca com poucos meios, e, desenganados, viram os animais morrerem de fome e sede.

Sem pastos, a terra era varrida pelo vento que formava  temíveis nuvens de poeira, com redemoinho fazendo ziguezague chega rodopiava. E arrastava o que o vento menos bravo não conseguira levar.

Madrinha Guilhermina, à véspera do dia de São José – o santo da chuva -, 19 do mês de março,  reuniu os vizinhos da redondeza e fez uma grande procissão com uma imagem de São José.

Lá se ia a procissão com muita gente, durante o dia ou à noite. Homens, mulheres e crianças. De noite, uns com lampiões para iluminar o caminho, outros tentavam acender velhas, porém, o vento as apagava, o qual parecia não gostar do santo.  Os fiéis rezavam e contavam hinos de louvor ao santo. Pediam ao santo – aquela imagem de gesso – que intercedesse  junto a Deus  que mandasse chuva para o sertão.

Passou o dia do santo, que na cabeça daquele povo, conseguiria chuva. Rezaram... Pediram...! Cantaram hinos de louvor ao santo,  porém, um pingo de chuva não chegou. Santo...! Santo...!! Cadê o teu poder?!!!  

O sertajeno cheio de esperança e crença, quanto mais pedia chuva, mais o santo não atendia.

Capítulo 7

Minha segunda fuga

      Na casa de padrinho João o clima não andava bom para mim.  André,  que  chegara do Recife onde havia conseguido um emprego, mas com data marcada  para retornar, dera-me uma surra que causava dó. Minha madrinha vivia insatisfeita e culpava-me pela saída de André para longe. Ela me maltratava quase que diariamente. Minha vida foi transformada, verdadeiramente, num inferno.

Aquela triste situação, que eu estava enfrentando, fez-me pensar em procurar novo rumo na vida.

Naquele tempo, o Presidente da República, atendendo ao clamor do povo nordestino, mandou executar várias obras contra a seca através da construção de açudes nos estados castigados pela seca.

Uma das obras em construção era o gigantesco açude da Guarita, que ficava a  poucos quilômetros da fazenda  Uirapuru. Aquela obra foi a salvação do povo, que estava morrendo de fome. Surgiram, então, os donos de comboios - os tropeiros -, que faziam o carregamento do barro para a obra, no lugar de caminhões ou caçambas que à época não existiam.

Sabedor da construção do açude, que mal tinha começado, e recordando-me da maneira como me tratavam na casa do meu tio, peguei um saco velho, no qual coloquei rede, lençol e roupa. Deixei a casa do meu padrinho. Sai com destino ao açude, a fim de conseguir trabalho e dar início à nova vida. Sozinho. Sem pais, parentes e, padrinhos.

Sem conhecer o itinerário certo, cheguei a um lugar chamado Riacho, que depois mudou para Tangará. Lá,  fiz amizade com um  tropeiro dono de um comboio que ia se alistar na obra do dito açude, o qual me levou para trabalhar com ele. Chamava-se Sebastião - ou chamavam-no de Bastião. E foi com minha cara. Durante a viagem me fez várias perguntas, mas nada que me deixasse embaraçado.

Antes do anoitecer, chegamos à construção do açude. Eu nunca tinha visto tanta gente! Era um grande formigueiro humano, cheio de homens, mulheres e crianças, que circundavam quilômetros, juntos com os animais dos comboios, provocando nuvens horrorosas de poeira.

Chegavam trabalhadores braçais e tropeiros de longe. Existia serviço para quem chegava e queria trabalhar. O pagamento da mão-de-obra era feito com o fornecimento de feijão branco,  rapadura  e  carne  de  charque ou dinheiro. Diariamente,  as pessoas faziam filas intermináveis  ao redor do  barracão de alistamento.

Todo o carregamento do barro se fazia nos comboios  de jumentos e burros mulos. O barracão fornecia milho e farelo para os animais dos comboios.

Numa barraca imensa feita de lona, chamada de barracão que se parecia mais com um circo, ficava um grupo de pessoas letradas, que era responsável pelo alistamento e distribuição dos alimentos para os trabalhadores, além da  ração para os animais.

Bastião alistou-se comigo e seu ajudante Pedro. Recebeu ração à vontade para os animais, que estavam famintos. Colocou milho nos seus bornais. E os alimentou até matarem a fome.

Com lonas, que trazia consigo, ele, com a nossa ajuda, também armou a sua barraca. Foi rápido. Fomos jantar no barracão.  Feijão, rapadura, carne de charque e farinha, eis a refeição dos cossacos(*) e dos tropeiros.

Dormimos dentro da barraca de Bastião. Não era noite de lua, mas os lampiões que circulavam o barracão e os incontáveis candeeiros das barracas, deixavam-na clara que parecia a luz do dia.

No dia seguinte, todos de pé, bem cedinho. Um dos funcionários do barracão chamou um certo cidadão de cor morena, ao qual nos apresentou, dizendo:

 “Este rapaz  se chama Alfredo. Ele vai tomar conta de vocês, como cabo-de-turma. Façam o que ele mandar.

Alfredo reuniu rapidamente o seu grupo de cinqüenta pessoas. Todas de pás e picaretas nas mãos,  com ele seguindo à frente, andamos alguns  minutos  e paramos  junto  a um grande monte de barro. Os cossacos  com as pás em punho enchiam as caçambas dos animais. Só no grupo de Alfredo existiam três comboios de 20.

O tropeiro Bastião foi quem levou o primeiro carregamento daquele dia, contando com o meu auxilio e de seu ajudante.

Pertinho daquela turma, ao ar livre, duas mulheres em grandes tachos, cozinhavam à lenha a comida dos cossacos.

        Alfredo - responsável pelas turmas 105 a 106 - retirou do bolso do cós da calça um relógio grande e liso, que se parecia com uma bússola, que era chamado relógio de algibeira. Olhou a hora e gritou:

“Olha aí cambada da turma 105, suspendam o trabalho e vão almoçar. É só meia hora. Rápido!"

Deu meia hora e retornou a primeira turma. Alfredo aos berros, determinou:

“Vá a turma 106. Rápido!"

Nós almoçamos com esta turma. A comida, bem cheirosa, era servida em prato de barro. Os tachos ferviam com o caldo borbulhando. Chegou a minha vez. Dona Nem, que era a cozinheira, com uma concha feita de quenga de coco, retirava a  comida do tacho e colocava nos pratos. Feijão branco, carne de charque, farinha de mandioca e rapadura. Pronto! Eis, a refeição. Mas, que comida gostosa!? Dona  Nem  sabia  temperar ao gosto da região. Ela, de vez enquanto pegava a concha tamanho família e ia aos tachos; retirava um pouquinho do seu caldo, levava-o à boca para sentir o gosto e o resto despejava dentro do tacho. E assim ela ia temperando. E todo mundo ai comendo e gostando!

Almoçamos. Dez minutos de descanso ali mesmo ao sol quente de pelar. De volta ao trabalho. Ninguém parava um instante. A ordem era desligar quem embromasse. Mas, quem se atreveria? Todos precisavam do trabalho.

Às 17 horas e 30 minutos, Alfredo mandou o pessoal encerrar o trabalho daquele dia. Fomos jantar. Carne de charque assada na brasa da aroeira, farinha de mandioca e café, fora este o jantar.

Os cossacos não tinham lugar para se abrigar e naquele descampado dormiam mesmo no chão, tomados pela fadiga. Nem se banhavam, pois a água era escassa; só dava para beber  e cozinhar; assim mesmo era salobra.

No dia seguinte, os cossacos foram acordados com os gritos do cabo-de-turma Alfredo, que dizia:

“A barra já quebrou, cambada! É sinal de novo dia. Levantem-se! Vamos tomar café".

O tropeiro Bastião, que acordara há tempo, chamou-nos para ajudá-lo a colocar farelo para a sua tropa de burros, a qual também pegava três refeições: pela manhã, ao meio-dia e à noite.

O vento forte trazendo ainda a frieza da madrugada  zunia aos nossos ouvidos. Chegou a hora da refeição matinal. Quão cheiroso era o café de dona Nem. Tudo pronto. Não precisava dar ordem para os cossacos pegarem o café, pois às 7 horas era servida a refeição matinal. Logo, formou-se uma grande fila.  A  alimentação  era fraca: brote seco e café. Só! Os que iam terminando, corriam ao  barracão, em busca do seu material de trabalho que lá o guardara por determinação dos cabos de turmas.

Com a lista de suas turmas nas mãos, Alfredo iniciou  a chamada do pessoal:

  • Turma 105:
  • Número um!...
  • Pronto!!
  • Número dois!...
  • Pronto!!

E assim continuava, até que chegou ao último da turma número 106. Não faltou ninguém.  Este foi o nosso segundo dia e não houve mudança para os demais.

Capítulo 8

Volta para casa

     Decorria uma semana que eu estava trabalhando na  construção do açude. Eis que chegou um novo tropeiro. Era Antônio Zuza, que morava nos arrebaldes da fazenda de padrinho  João Horácio. Sabendo que eu havia fugido, mandou avisar ao meu padrinho.

Passaram-se poucos dias. E, numa manhã, ainda, na hora do café, em frente ao barracão, parou um carro de passeio Ford 29, do qual desceu aquela senhora bem simpática. Era Maria, filha de João Horácio, que fora me buscar.

Carro naquela época causava novidade. Curiosos, os cossacos pararam. Até Alfredo - o cabo de turma - parou. Eu  procurei  fugir, porém, sem sucesso. Alguns cossacos, que  já  desconfiavam  de  que  eu   teria fugido de casa, seguraram-me e conduziram-me à presença de Maria, que me pegou pelo braço e não resisti, pois ela sempre me dedicara muito carinho. Levou-me de volta à casa de padrinho João.

Meu padrinho esperava-me no terreiro da casa, e ficou parado ao perceber a chegada do veículo, esperando que eu descesse. Ele, ao me vê, suspirou aliviado e  exclamou para madrinha Guilhermina que o acompanhava:

“Guilhermina, é ele!”

Maria desceu segurando no meu braço. Comigo estavam meus pertences - rede e roupas - empoeirados.

O velho aproximou-se de mim. Abraçou-me. Passou sua mão cheia de calos na minha cabeça, dizendo:

“Júlio, meu filho, não fuja mais de casa. Sua madrinha chorou de preocupação. Nancy chorou. Todos nós ficamos preocupados”.

 

Capítulo 9

Nova propriedade

     Não se completavam oito dias do meu retorno à casa grande, quando numa manhã, antes que Zezinho terminasse a tiragem do leite, padrinho João desesperado com a seca, e a ração estocada se acabando, chamou madrinha Guilhermina.

  • Guilhermina - disse ele - eu vou trocar de roupas. Vou apanhar o misto (caminhão de cabina dupla) que passará daqui a pouco na estrada de Campestre à Natal, e salto em Macaíba, onde eu tenho um amigo dono de terras com quem arranjarei um cavalo e irei a um povoado chamado Vera Cruz, a fim de comprar um sítio que estar para vender. Temos aquelas economias guardadas no fundo do baú que darão para comprá-lo. É uma região de agreste com água e pasto para os animais. Você coloque duas parelhas de roupa, escova de dente, pasta dental, sabonete e meu par de alpargatas dentro daquela minha mala grande de viagem.
  • E você vai tão ligeiro assim, João? - perguntou espantada madrinha Guilhermina.
  • Eu vou agora mesmo, Guilhermina, antes que seja tarde demais - respondeu.

Padriho João tinha aquela mania de anunciar uma viagem  nos últimos instantes.

Pela altura do sol, não passava das 7 horas. Vindo de bem distante, ouvia-se a gaiata do caminhão misto, a qual soltava algumas notas musicais da canção Asa Branca, do cantor e compositor Luiz Gonzaga.

Ao ouvir o cantar da gaiata, padrinho João Horácio apavorou-se,  gritando:

“Guilhermina, me dê logo essa mala, senão eu vou perder o carro!! Ele já vem cantando”.

Madrinha Guilhermina correu levando a mala. Ele montou-se no cavalo relâmpago, de sua monta  preferida, saindo galopando até à estrada, comigo na garupa para  levar o animal de volta. Foram dois quilômetros vencidos velozmente. Relâmpago não dava trégua à moleza. O carro já era visto numa reta da estrada de barro vermelho, deixando  um imenso corredor de poeira.

Chegou o veículo. Apanhou-o.

Estava lotado!

E   eu retornei à  casa grande.

Agora, o cavalo caminhava lento. Não o fiz galopear.

Eu olhava aquele deserto desolado, que assustava um povo desvalido e  sem nenhuma esperança de chuva. Ou nenhum sinal dela. Caminhei devagar. Parecia que eu estava num mundo desconhecido distante de tudo e de todos. Parecia estar divagando. Fui observando as queimadas feitas com rumas de  xiquexique  para alimentar  o  gado  faminto; e dele, porém, até o povo comia aquele talo duro,  seco e sem gosto, para saciar a fome dos adultos e crianças cadavéricos que temiam que a morrinha do gado lhes atingisse também.

Dezenas de ossadas de animais formavam uma ornamentação horrorosa no chão varrido pelo vento, deixando a população desvairada. Era um contraste que deixava em pavorosa a propria natureza.

Continuei observando!...

Fui observando e lá se vinha o vento forte formando redemoinhos tempestuosos, que passavam se contorcendo e fazendo ziguezague, feitos uma minhoca na areia quente, levando consigo o resto que a seca  havia destruído.   

Parecia que tudo aquilo era puro e simplesmente um devaneio, se não fosse tão real.

Tão real quanto o era a fé daquele povo na imagem de São José. Que não deu ouvidos ao clamor do povo.

Capítulo 10

Retorno de padrinho João

       Padrinho João retornara na tarde do quarto dia, mas, como não era esperado, caminhou a pé os dois quilômetros. Cheio de alegria, ao chegar à porta da casa grande, gritou para madrinha Guilhermina:

  • Guilhermina!!!... Eu comprei um terreno que tem arisco para plantar feijão, mandioca, batata doce e inglesa, inhame e macaxeira. Tem muitos pés de caju, manga, côco e jaca.
  • E água?!... Tem? - perguntou madrinha Guilhermina pulando de alegria.
  • Água!? Sim, a água de beber é de Vera Cruz, e de gasto é do barreiro local, mas, está quase seco. Mas, Vera Cruz é bem pertinho.
  • E como é o nome do lugar?
  • É Pitombeira.
  • Quando a água do barreiro secar, onde o gado vai beber?
  • Em Vera Cruz.
  • Quanto custou o terreno?
  • Vinte mil contos de réis.
  • Quando é que nós vamos para lá?
  • Se Deus quiser, ainda este mês.

Naquela mesma semana, reunido com os seus filhos, padrinho João lhes comunicou haver comprado a propriedade, e como Zezinho era o mais velho ficaria tomando conta da fazenda do Uirapuru.

 

Capítulo 11

A mudança

        Pela madrugada de uma quarta-feira chegou o misto que fazia a linha Campestre à Natal. Estacionou no terreiro da casa grande. Meu padrinho chamou alguns moradores, a fim de ajudarem colocar os móveis em cima da carroceria do veículo e em seguida, chamou Osório e Zeca - seus  empregados de confiança - aos quais determinou:

“Osório e Compadre Zeca dêem ração bastante ao gado, às criações miúdas e aos demais animais. Amanhã, bem cedo, selem quatro cavalos para vocês, Júlio e Antônio. Compadre Zeca conhece todo o caminho até Pitombeira. Vocês não terão dificuldades. Levem bastante alimentação para vocês. Dêem ração ao rabenho na fazenda do meu velho amigo Apolinário, que você conhece, compadre Zeca. E fica às margens da estrada que vai para Pitombeira”.

Às 8 horas da manhã, o pessoal terminara de arrumar a troçada em cima do caminhão. Madrinha Guilhermina,  Sulina de compadre Zeca e suas duas filhas e seu filho Luiz embarcaram na cabine do veículo e partiram com destino à nova morada.

Iniciamos a caminhada. Zeca - como o fora determinado - seguia à frente como  guia. E, segundo ele, seriam dois ou três dias de viagem, sem alimentação para os animais. Nos cabaços levávamos água necessária para o nosso consumo. Os filhotes das criações miúdas  ficaram à espera da segunda carrada do misto para levá-los.

Deu meio-dia. Os animais estavam esbaforidos com o sol que torrava tudo.  Não existia nenhuma sombra para descansar por alguns minutos com os animais. Zeca, porém, que continuava seguindo à frente, reduziu um pouco as passadas do seu cavalo.

Sem desmontar, comemos alguns pedaços de carne com farinha e rapadura. Tomamos água quente dos cabaços. Apressamos os passos porque os animais não podiam passar mais de dois ou três dias sem comer e beber.

Anoiteceu e logo chegou a lua bem clara, que permitiu tangermos o rebanho até o entardecer da noite.

Chegamos a um lugar descampado e Zeca resolveu encurralar os animais no canto de umas cercas. Descemos dos cavalos e lhes retiramos as selas. Das  mochilas  tiramos  brotes,  carne  e  rapadura. E jantamos!... Zeca colocou milho nos bornais  dos nossos  cavalos,  enquanto o resto não tinha  nem o que ruminar.

Cansado, o gado lago deitou-se. Forramos o chão com umas esteiras de palhas de carnaúba. E deitamos. O rebanho estava quieto.  Osório, que se encontrava sentado sobre uma esteira, tinha um vício desgraçado. Ele pegou um pedaço de cigarro de fumo brejeiro - feito com palha de milho - que se encontrava colocado por trás da sua orelha esquerda. Retirou de sua mochila um artifício - como era conhecido um velho invento de fazer fogo; era uma ponta serrada de chifre de boi, cheia de algodão, tampa de cabaço furada ao centro, e com uma correia de couro cru fixada no furo. Ele destampou o tal artifício, à boca do qual colocou uma pedra chata do tamanho de uma caixa  de  fósforos - conhecida   como  fígado  de  galinha -,  e  sobre  a mesma pressionou uma lima velha de ferro com muita rapidez produzindo faíscas,  e  incendiou  o  algodão, com o qual acendeu  o cigarro.

Deu fortes baforadas. Deu fedorentas baforadas! Fumou-o todo. Encostou-se à sua sela e debruçando a cabeça, adormeceu.

Acordamos com Zeca nos chamando. A barra vinha quebrando. Os animais ficaram de pé. Selamos os cavalos e seguimos.

A paisagem começava a mudar de seca para verde. A terra ia mudando de caatinga para arisco. O vento não era tão rebelde como o era no sertão de terra  seca e descampada.

Retomamos a caminhada pegando ainda a aragem fresca do amanhecer. Deu meio-dia. O gado já não estava tão esbaforido como no dia anterior.

Findou o dia. Vem a noite bem fria com o vento menos bravio. Estávamos chegando à fazenda de Apolinário, que  era amigo de João Horácio, onde pernoitamos.

Era um homem alto e buchudo, de cor parda, que nos deu toda acolhida, inclusive ração e água para o rebanho que estava faminto. O rebanho se alimentou de capim verde, que não comia há tempo.

Com Apolinário não existia tristeza. Estava sempre rindo, cheio de vida. Mandou-nos tomar banho. Serviu-nos um farto jantar. E ao mesmo tempo determinou a dois empregados dar água e ração aos cavalos. Depois de uma longa conversa, armamos nossas redes no alpendre do casarão.

Às 4 horas da madrugada, Zeca levantou-se e nos chamou. Apolinário já estava acordado há muito tempo e ele mesmo preparou o café. E bem reforçado! Barrigas cheias, nos despedimos dele. Colocamos os animais na estrada. Zeca, que era mestre em aboiar, deu três aboios (cantos melancólicos para guiar o gado). Retomamos o caminho com destino à nova morada.

Meio-dia. O verde se tornara cada vez mais verde. Andamos sem dar descanso. Agora, os animais caminhavam à sombra dos grandes pés de árvores.

Chegou a tarde. E a noite.

Zeca, sempre à frente do rebanho, resolveu acampar. Agasalhamos o rebanho à beira de um rio, próximo a um poço no meio de monstruosos pés de oiticica, onde os animais beberam água e deitaram-se.  Estiramos as esteiras no chão de areia bem branca. Dominado pela fadiga, Antônio adormeceu rapidamente.

O silêncio daquela noite era quebrado pelas jias, que de dentro do poço de água escura, bradavam o seu cântico esquisito:

“Bum!... Bum!... Bum!..."

E o gado nem se mexia.

Fazia frio. Enrolei-me com um lençol. Zeca, que se deitara bem perto de Antônio, levantou-se apavorado com a catinga nojenta da fumaça infernal do cigarro de Osório.

“Qui diacho de fedor é esse!!!?" - reclamou.

Chegamos ao terceiro dia. E retomamos à caminhada no horário de sempre. Não tardou, chegamos a um povoado. Zeca nos disse que estávamos a poucos quilômetros de Pitombeira. Um cidadão bem vestido aproximou-se de Zeca, e indagou:

  • As ovelhas são para vender?
  • Não sinhô.
  • Vão para onde?
  • Vamos para Pitombeira – respondeu Osório.
  • Já estão chegando. É daqui a quatro quilômetros.
  • Muito obrigado e até logo – concluiu Osório.

Os animais andavam capengas. Prosseguimos na caminhada. Impaciente, disse Osório:

“Eu acho que chegamos. Zeca está se esquiando na sela!"

De uma estrada estreita, a menos de duzentos metros, estávamos chegando à casa grande e à sua frente, em pé, meu padrinho nos aguardava, impacientemente.

Tangemos o gado para um curral novo, que fora construído naqueles poucos dias e os animais miúdos para um chiqueiro, também novo, todos com muita ração.

Em terra e vida novas, era tudo diferente. Muito verde. O cheiro agradável da terra. O aroma gostoso dos cajueiros e mangueiras  que estavam cheios de flores e frutos. Que maravilha!

Tudo  era o presente que Deus estava dando ao velho João Horário, meu querido padrinho.

 

Capítulo 12

Na fazenda Pitombeira

Luiz, filho de compadre Zeca, que era afilhado do meu padrinho João Horário, foi me ajudar nas obrigações diárias. A rotina, porém, em nada mudou. Padrinho João Horácio chamou Zeca, ao qual ordenou:

  • Compadre, amanhã, às 4 horas da madrugada, você venha aqui para ir com Júlio à Vera Cruz, que é para ele aprender o caminho e ir só.
  • Mas, esse menino? Ele vai sozinho!?
  • Sim, esse mesmo. Tem alguma coisa errada, compadre?
  • Não, meu compadre. Claro que não! Mas, é uma légua de distância e Júlio é uma criança!
  • È não, meu compadre; Júlio já é um homem. Não troco ele por certos homens.

Zeca, que aprendera com o seu compadre João Horácio a chegar antes da hora, levantou-se às três e meia e foi ao cercado apanhar a égua malhada e o jumento roxinho. Colocou as cangalhas e quatro barris nos animais, e foi até à porta da casa de padrinho João.

  • Compadre!... Compadre!... Compadre!... É Zeca. Estar na hora.
  • Já vou, compadre. Júlio!... - emendou meu padrinho aos gritos.
  • Inhô, padim!... Gritei já pulando da rede.

Desarmei minha rede e calcei as alpargatas de rabicho. Padrinho João, que já se encontrava na sala,  conversava com Zeca enquanto acendia um candeeiro grande feito de zinco e pavio  grosso de algodão. Aproximei-me dos dois.

  • Minha benção, padim!...
  • Deus lhe faça feliz, meu filho.
  • Podemos ir, compadre? - perguntou Zeca.
  • Claro, compadre. Pode! Vão com Deus.
  • Amém!! – respondeu Zeca.

Zeca montou-se no meio da carga da égua, e eu na do  jumento. E seguimos dentro da mata, por uma vereda estreita chega os ramos do mato roçavam nos barris. Zeca não dava uma palavra.  Não tardou, todavia, ouvirmos o cantar horroroso das corujas e o uivar das raposas, que não paravam de marcar presença,  passando sem parar de um lado para outro. A mãe-da-lua também marcou presença, porém, não se atrevendo como os dois últimos e preferiu ficar  de longe, com o seu arrastado cântico.

A barra ia quebrando, quando chegamos ao povoado de Vera Cruz. Seguimos a sua rua principal. Zeca entrou numa vereda, que lateralmente se limitava por duas cercas de arame farpado. Bem no pé de uma mata fechada e escura de arrepiar existia um grande poço com bastante água de vertente.

“É aqui” - disse Zeca.

Zeca saltou do animal. Aproximou-se do jumento querendo me tirar do meio da carga, mas pulei para a garupa do burro, e mais rapidamente para o chão, o qual nem me tocou. Cada um tirou os seus barris;  Zeca com um funil e uma lata os encheu. Depois, com a minha ajuda, colocou-os nos animais. Foi tudo muito rádido!

Andando mais lento, retornamos. O clima era gostoso diferente daquele que estorricava qualquer vida no sertão. Com aquele aroma suave que fluía das flores dos cajueiros, das mangueiras e outras árvores nos dava uma sensação de bem-estar, num convívio tranqüilo, que nos proporcionava a natureza.

Ouvimos o  sinal de que nos aproximávamos da casa de meu padrinho; foi o mugido da vaca asa branca no curral da casa grande, que todos as madrugadas, exatamente ao quebrar da barra, dava de dois ou três mugidos. Coisa de vaca!...

“Chegamos”! – disse Zeca.

Descarregamos os barris. Retiramos as cangalhas dos animais. E fui deixá-los no cercado de pastagem que ficava pertinho.

Padrinho João começara a tirar o leite das vacas, entretanto, não era bom tirador  diante do seu compadre Zeca; este foi ao curral feito de catanduba e mourão de pau d’arco, que substituía os de mororó do sertão, e assumiu o seu lugar de tirador-mor, enquanto padrinho João deixava o seu lugar-tenente.

Na casa de farinha à manual, chegavam os forneiro, prenseiro, moedores, tiradeira de goma,  raspadeiras de mandioca, peneradeira de massa e secadeira de crueira e goma.    Bem perto dali, num imenso roçado, os arrancadores de mandioca davam início ao seu trabalho.

Eu e Luiz de compadre Zeca fomos ao cercado. Encabrestamos quatro jumentos, nos quais colocamos cangalhas e caçoais. Pronto! Os animais estavam equipados.

 Nossa tarefa, a partir daquele dia, além das de rotina, era carregar mandioca para a casa de farinha no lombo dos animais.

Perto de uma hora da tarde a tarefa daquela manhã somava dez carregamentos. As raspadeiras, esparramadas ao redor daquela grande ruma de mandioca, não davam vencimento.

Escutei um grito:

“Ô,  Jú...li...o!!...”

Era padrinho João. Ele só me chamava arrastando as sílabas. Mas eu nem gritava respondendo. Eu saia calado. E se estivesse longe, saia correndo. E ele gritando:

“Ô,   Jú...li...o!!...”

Sai correndo da casa de farinha, e sem responder - como sempre. E ele gritando:

“Ô,  Jú...li...o!!..."

E  eu já por trás dele e bem pertinho, respondi:

“Inhô, pa...dim!!...”

Assustei-o! Virou-se para mim com uma cara de quem não gostara. Desculpei-me.

  • Foi sem querer, padim!
  • Meu filho, quando eu lhe chamar, você me responda! Vá ao roçado e diga ao compadre Zeca que traga os trabalhadores para o almoço.
  • Sim, sinhô, padim.

Àquela hora, Antônio forneiro - como o era conhecido Antônio de  Chico Guedes - preparava a sua quarta fornalha de farinha de primeira qualidade, que ia sendo armazenada em grandes sacas de palha de carnaúba, guardadas num dos imemsos quartos da casa grande.

Capítulo 13

A alegria dos agricultores

     O povo da redondeza estava felicíssimo com a boa  safra e o preço razoável dos produtos do campo. Os agricultores quando não faziam farinha, vendiam a mandioca para os donos das casas de farinha distantes. Os carregamentos aconteciam através dos animais, ou num caminhão Ford que chegara da capital, exclusivamente para pegar fretes dos agricultores.

Os produtores de castanha, fumo, inhame e farinha, semanalmente, vendiam a sua produção aos armazeneiros de Monte Alegre e  outras cidades vizinhas.

Padrinho João, que deixara o comércio de mangalhos, dedicou-se à criação de gado e à agricultura. Ótimo negócio para quem vivia num comércio agitado nas feiras livres do sertão.

Saindo de um lugar que fora devastado pela terrível seca, com saldos cruéis para o sertanejo, nós estávamos diante de uma nova realidade de vida. Muita fartura. Gente alegre, que aos fins de semana não lhe faltava diversões das mais variadas. Além das festas dançantes com famosos sanfoneiros chegados da capital, aconteciam as festas folclóricas como bumba-meu-boi, pastoril e cantoria de violeiros.

Destas canções, a que mais levava alegria era a do  bumba-meu-boi. Seu corpo artístico se constituía de pessoas bem engraçadas. Era a alegria da garotada. De suas canções, alguns destaques interessantes.

Canção da burrinha:

“Minha burrinha como milho, como palha de arroz, o mau desta burrinha é que não pode com nós dois...”

Canção do jaraguá:

“Chegou, chegou, chegou o jaraguá, meu bichinho bonitinho, ele sabe vadiar...”

Meu padrinho não me proibia ir àquelas festas, desde que compadre Zeca fosse comigo. Ele me dava dinheiro e seguíamos - eu, Zeca e Luiz, seu filho. A gente não se demorava  porque  toda  madrugada, mesmo que fosse feriado, eu ia buscar água em Vera Cruz, sozinho, sem compadre Zeca ou seu filho Luiz. Sem relógio, fiquei habituado a acordar no frescor da madrugada, no primeiro relinchar dos jumentos, geralmente de três e meia para as quatro horas.

Levantava-me, sem acender o candeeiro, guiando-me pelas paredes ou no tato, abria a porta da frente e ia buscar um animal - jumento, burro-mulo ou égua -, no qual colocava cangalha e barris, e seguíamos – Deus, eu e o animal. Retornávamos antes do sair do sol. Às vezes nem compadre Zeca  havia  chegado para tirar o leite.

Na maioria das madrugadas, dava uma doideira nos jumentos e relinchavam  no transpor da meia-noite. Certo que  estaria na hora de sempre, eu ia buscar o animal. Com os pés descalços, no escuro, sem temer espinhos e picadas de cobras, pegava o animal no cercado. Retornava de Vera Cruz e nem sinal do dia amanhecer. Diversas madrugadas  meu padrinho não percebia nada – nem saída, nem chegada.

Completei onze anos de idade. Eu realizava todos os trabalhos pesados, apesar de manter um corpo franzino, porém, com alimentação bastante e de boa qualidade. Eu media forças com os adolescentes. Disputava mesmo era com os mais idosos!

Minha madrinha, apesar de tudo, tinha alguns cuidados para comigo. A qual sempre mandava tirar leite das burras e determinava que eu o bebesse. Ela dizia:

“Tome esse  leite para você não ficar enfraquecido.”

Enfraquecido, no dizer de madrinha Guilhermina, seria para evitar doença no pulmão.

 

Capítulo 14

Fui alfabetizado

      Foi pelos onze anos de idade que resolvi aprender a ler, pois, meu padrinho se preocupava muito para me dar trabalho, porém, não me educava para uma vida diferente. Eu lhe era o burro de carga e sela, como os seus próprios moradores e trabalhadores o diziam. Quando pedi para aprender as primeiras lições na Cartilha de ABC, meu padrinho não fez questão para me ensinar.

Com aquela Cartilha ou Carta de ABC, todas as noites, ele me ensinava  meia hora. Primeiro ensinou-me as letras, é lógico, prosseguindo juntando-as e pronunciando as palavras.

Aprendi rápido. Não tardei, contudo, já soletrando, e arrastando a voz. E pronunciava as palavras. Fui me esforçando e muito rápido estava lendo desembaraçado, que causava admiração aos trabalhares e ao próprio João Horácio, que se sentia orgulhoso. Também aprendi a tabuada com as quatro operações.  Luiz de compadre Zeca seguiu o meu exemplo, e pediu para meu padrinho lhe ensinar também. Ensinou até melhor do que me ensinara. Porém, Luiz não era bom de cabeça para com as letras.

Os moradores e vizinhos se impressionavam com a rapidez que eu lia. Passei a ler tudo que aparecia na minha frente. Páginas de livros e de revistas encontradas dentro de casa ou nos monturos. Padrinho João sentia-se vaidoso porque me ensinara a ler.

 

Capítulo 15

A festa de São Francisco

      Em 4 de outubro de 1952, estando bem equilibrado financeiramente, padrinho João Horácio, que era devoto de São Francisco, fez a tradicional festa de seu santo protetor, que há  três anos não festejava.

A festa tinha início com a parte religiosa. Um altar instalado num canto da sala, dois lampiões a gás a iluminavam. No altar cheio de velas estava a imagem de São Francisco, em gesso. Todos ajoelhados rezavam meia hora. E ofereciam suas rezas àquela imagem de gesso, que não ouvia, que não falava, que não andava, que não via. Nada sentia!...Nada fazia!... Nem se mexia!

A presença maciça das pessoas, que compareciam à festa, causava surpresa ao meu padrinho João, que jamais contara com tanta gente. A festa atraia gente da redondeza, dos municípios de Monte Alegre, Lagoa de Pedras, do povoado de Vera Cruz e outros.

Depois das rezas ao santo, seguiam-se as atrações como pastoril, bumba-meu-boi e cantorias. A atração principal era Chico Traíra - o melhor cantador de viola do Nordeste. Várias barracas ocupavam parte do terreiro, nas quais se vendiam de tudo: genebra, vinho de jurubeba e comidas regionais. Cachaça, nem pensar!...

Osório, para lá de melado, abraçou-se com Zeca - que também estava quente - e disse:

“Qui festa boa, Zeca! Tá boa pra diacho, homi!...”

Eu e Luiz de compadre Zeca estávamos conversando um pouco distante da cantoria, quando Zé de Antônio da farinha, que tinha  inveja daquela minha amizade com Luiz de compadre Zeca, deu-me um murro no estômago. Eu, que não desacatava ninguém, mas não levava desaforo, revidei entrando em luta corporal com ele que levou a pior. O pai do menino procurou meu padrinho.

“Seu João, o sinhô dê um jeito no seu afilhado que ele bateu no meu filho!"

Fiquei por trás das barracas, escutando a queixa. No meio da festa mesma, meu padrinho gritou:

“Ô, Jú...li...o!...”

Meu padrinho detestava mentira e sabia que eu nunca mentira para ele. Sai bem ligeiro. Pertinho dele, quase não abrindo a boca, com o coração batendo fortemente “tuc...tuc...tuc...”, gritei:

  • Inhô, padim!!!...
  • Júlio!... Conte a verdade, meu filho!! Você começou a briga com esse menino?
  • Não sinhô, padim! Foi ele!...
  • Eu não posso fazer nada; Júlio não

 - concluiu padrinho João.

 

 

 

Capítulo 16

A chegada de Manoel

     No inverno de 1953, com chuvas regulares, num domingo, à tarde, padrinho João conversava com compadre Zeca no alpendre da casa de farinha. Vem chegando um rapaz dos seus dezoito anos, alto e moreno, saudando-os:

  • Boa tarde!
  • Boa tarde - responderam.
  • É aqui que mora seu João Horácio?
  • É sim - respondeu padrinho João.
  • Ele tá?
  • Estar, sim! Sou eu.
  • Minha benção, meu padim!... Deus te abençoe! E quem é você?
  • Eu sou Manoel, seu afilhado, filho de Tião de Rosa.
  • Você é Manoel!? Mas como está grande!!... Cadê compadre Tião?
  • Papai vai bem.
  • E você anda fazendo o quê?
  • Eu vim procurar serviço por aqui.
  • E eu tenho serviço. Se você tem mesmo coragem para trabalhar, meu afilhado, nunca mais lhe faltará serviço.
  • Eu tenho, meu padim – concluiu Manoel.

Padrinho João chamou madrinha Guilhermina que se encontrava na cozinha:

  • Ô, Gui...lher...mi...na!!...
  • Diga, João! – respondeu gritando.
  • Guilhermina, vanha cá!

Madrinha Guilhermina aproximou-se:

  • É o quê?
  • Guilhermina, este rapaz é nosso afilhado.
  • É?!!... Ele é filho de quem?
  • Ele é filho de Tião de Rosa, de São José de Campestre.
  • Ai, é!? Deus te abençoe. Como vai a comadre?
  • Mamãe vai bem, minha madinha.
  • Guilhermina bote coalhada para ele, que deve estar com fome - determinou padrinho João.

Manoel era acanhado. Moreno com ossos salientes no rosto. Olhava por baixo e todo desconfiado. Depois da coalhada, padrinho João levou-o a um dos quartos da casa, ao qual disse:

  • Este é o seu quarto. O de Júlio é aquele ao lado – apontado com o dedo indicador.
  • Quem é Júlio, meu padim?
  • É meu afilhado e filho de criação.

Na segunda-feira, Manoel foi trabalhar com os homens do eito, limpando mato na lavoura.

Ele não tardou a enciumar-se com o tratamento que padrinho João me dedicava. Mais doente de ciúme ficou quando viu a amizade da vizinhança comigo.

Só madrinha Guilhermina que não me dava atenção e continuava magoada com a ida de André à capital pernambucana. E sempre estava me dando muxicões na cabeça, sem, contudo, respeitar a presença das pessoas de fora. E eu saia pulando com as mãos na cabeça e chorando. Manoel ficava me xingando, feliz da vida. Este só me olhava irado. Sua raiva aumentou mais quando um certo dia minha madrinha me surrou, e padrinho João ia chegando, asseverando-lhe:

  • Guilhermina, você sabe que eu não quero que você, nem ninguém, bata neste menino. Se ele for embora, quem é que vai me ajudar?
  • Eu ajudo, padim – respondeu Manoel, cuspindo por entre os dentes.
  • Você!? Você não faz a metade. Júlio já é um homem. E um homem de vergonha.

Luiz de compadre Zeca chegara para almoçar conosco. Sentamos à mesa. E almoçamos sem a presença de madrinha Guilhermina que ficara chateada. Durante a refeição, Manoel não se cansava de encarar-me fazendo gestos de quem gostara da surra que sofri.

Deixamos a mesa. Padrinho João determinou que eu e Manoel fôssemos cavar vários buracos para uma cerca que seria construída ao lado do curral, enquanto ele e Luiz de compadre Zeca iam à casa de farinha.

 

Capítulo 17

A expulsão de Manoel

Manoel ia cavando os buracos e eu retirando a areia. Sem mais nem menos, ele empurrou-me por cima dos pés de bananas, e quando fui me aprumando, jogou-me um soco nos lábios, que sangrou muito. Padrinho João, que retornara da casa de farinha, viu-me todo cheio de sangue.

  • O que é isto, Júlio? – perguntou-me com profundo espanto.
  • Foi Mané, padim!.. – respondi cuspindo sangue.
  • Olha rapaz!!... - disse ele irado - neste menino aqui ninguém bate, a não ser eu. E assim mesmo nunca bato nele. Você errou muito. Por isso, não lhe vou perdoar. Solte essa chibanca, que eu vou lhe pagar os dias que você trabalhou. Pegue o que é seu e vá embora, e nunca mais volte aqui.
  • Eu não tenho culpa, padim. Foi ele que começou - respondeu olhando por baixo.
  • É mentira sua, eu sei quem é Júlio. Não quero você mais aqui. E venha cá receber o seu dinheiro.

Manoel pegou o que lhe pertencia, recebeu o pagamento e rumou novo destino. Só Deus sabe que rumo tomou.

Padrinho João se transformava numa fera se ouvisse alguém me dirigir qualquer ofensa. Imagine como foi a sua reação ao me vê cheio de sangue.

Naquela época, como nunca, eu lhe seria uma jóia preciosa. Com os filhos morando distante, via-me como a única pessoa de sua  mais absoluta confiança que poderia contar, pois eu era a silhueta específica da sua própria imagem de homem íntegro e respeitado.

Há muito que ele não me mandava fazer mais nada, isto porque tudo já estava no automático. Tudo era feito com perfeição, sem haver nenhuma reprovação de sua parte. O mesmo, porém, não acontecia com minha madrinha - que Deus a tenha num bom lugar.

 

 

Capítulo 18

A verdade sobre meus pais

Compadre Zeca vem chegando. Chamou padrinho João para o alpendre da casa. Conversavam, não sabendo o quê, fui me esconder por trás da porta da frente, a fim de escutar a conversa dos dois.

- É,  compadre João!... – dizia Zeca - o menino é esperto mesmo. O sinhô acredita que a maioria dos trabalhadores não consegue acompanhar ele no eito!? E ele nem se cansa.

- Compadre, eu tenho um homem dentro de casa. Ele está me dando o prazer que André não me deu.

- Compadre João, o sinhô nunca teve notícias dos pais dele não?

- Quase toda sexta-feira eu me avistava com compadre Antônio na feira de Campestre. Mas, eu deixei de ir àquela feira!!...

- Quem é esse Antônio, compadre?

- É o pai de Júlio.

- Ele perguntava pelo filho?

- Perguntava nada, compadre!...

- Mas, compadre João, ele sabia que o filho estava com o sinhô.

- Sabia, sim.

- Que diacho de pai é esse, meu compadre!!? E a mãe dele, o sinhô tem visto?

- Não. Só tive contato com ela no dia do batizado.

- Compadre, por que foi que abandonaram o filho?

- Compadre, é uma história complicada, mas eu vou lhe contar. Compadre Antônio era casado com Isabel. Pelo que consta, eles brigavam direto. Moravam em Serra de São Bento, onde reside a família de ambos. Eles tinham seis filhos, sendo Júlio o mais novo. As brigas não paravam, até que deu em separação. Eles deram os filhos aos parentes. Júlio tinha quatro anos. Comadre Isabel ficou com Júlio e foi para Natal, mas voltou à Serra de São Bento. O menino não era bem tratado. A mãe não tinha condições para criá-lo. Foi quando apareceu Francisco, irmão de Isabel, que levou o Júlio para a companhia dele. Chegou ao meu conhecimento que o menino sofria maltratos. E eu mandei buscá-lo.

Escutei, atentamente, aquela história. Revoltado com o que ouvira, sai correndo e fui chorar dentro da cocheira dos cavalos, de onde escutei minha madrinha chamando-me:

“Júlio!... Venha cá...”

De onde eu estava, acelerei os passos e gritei pertinho dela:

- Pronto, madinha!!

- Onde você estava, menino, que eu te chamei e não me respondeu?

- Eu estava na cocheira, madinha. 

- Na cocheira, que nada menino!!...

Minha madrinha mal fechou a boca, aplicou-me diversos cocorotes (pancadas com os nós dos dedos) na cabeça. Corri chorando, quando meu padrinho apareceu:

- Ô Gui...lher...mi...na!? O que foi que ele fez de errado? Hein, Guilhermina!?

- Você nunca me dar razão - defendeu-se.

- Não é bem assim, Guilhermina!... Júlio já está um rapaz.

Compadre Zeca, que continuava no alpendre, levantou-se e caminhou à sala de jantar, na qual se encontrava o casal.

- Compadre, eu já vou buscar o capim.

- Compadre Zeca, leve o Júlio com você.

- Sim, compadre! Júlio, vamos!... – emendou.

Botamos cangalhas e cambitos em três jumentos e fomos ao capinzal da vazante. Zeca usava uma serra para o capim verde, e eu um facão para o capim que estava quase seco. Notei que Zeca se preocupava com alguma coisa.

Você tem o quê, Zeca? - perguntei.

Nada! Não é nada!...

Carregamos os animais. Logo, já estávamos de volta. Fomos cortar miudinho todo o capim, colocando-o na cocheira, que seria a ração da noite das vacas leiteiras.

Padrinho João tocou o búzio chamando os homens que trabalhavam próximo à casa da fazenda, pois estava na hora do almoço.

Soltei o facão e fui correndo deixar a comida dos trabalhadores nos roçados distantes, onde lá também trabalhavam Luiz e Antônio de compadre Zeca. Não me demorei, pois eu não me demorava em lugar nenhum sem está fazendo alguma coisa.

Compadre Zeca continuava cortando o capim. Ajudei-o na conclusão do trabalho. Padrinho João chegara da casa de farinha junto com uns homens estranhos naquela localidade. Eram os mecânicos que acabavam de montar um motor novo para moer mandioca, substituindo a força muscular dos homens.

Ele estava fazendo uma reforma geral na casa de farinha, aumentando o forno com capacidade para dois forneiros e mais uma prensa.

Pela posição do sol, pendia das 4 da tarde. Eu e Zeca nos preparamos e fomos buscar o gado. Como eu era bom na montada, que causava inveja ao próprio Zeca, coloquei a sela no cavalo pintado, que me conhecia de longe e me cheirava quando eu o alisava. Pintado cismava até do vento. Nem padrinho João se atrevia a montar nele. Nem Zeca! Comigo, porém, era um cordeiro. Puxei a rédea do animal e ele saiu esquipando, que, aliás, igual existiam poucos na redondeza. Compadre Zeca seguia-me  galopando no seu cavalo de cavalgada cotidiana. Logo, deixou-me na poeira, tomando-me a dianteira. Folguei e balancei a rédea do meu cavalo, o qual disparou e velozmente passou à frente do outro cavalo, deixando-o bem na retaguarda.

Com o sol já se preparando para deixar o dia, penetramos na mata fechada. Pintado se agachava  livrando-se dos galhos baixos. E eu me livrava  também. Finalmente  saímos  num  grande descampado, onde o gado estava pastando.

Zeca deu um forte aboio, que igual a ele não existia naquela região. Arrepiei-me todo! Era avizando que estava na hora do rebanho se recolher ao seu curral para o repouso noturno.  Os cavalos ficaram de orelhas em pé. As vacas levantaram as cabeças dando a entender aquela mensagem,  e o touro -  o Boi-Zebú - levantou a sua cabeça bem alta demonstrando que ele seria o líder do rebanho. E o era. Zeca riscou o seu cavalo. Esquiou-se na sela e correu a vista no gado. Viu que estava tudo certo. Esporou o  cavalo, que suspendeu as duas patas dianteiras. Deu-lhe rédea. Aboiando, circundou o gado, tangendo-o com destino ao curral da fazenda Pitombeira.

 

Capitulo 19

Mais uma decepção

       Era setembro de 1953. Compadre Zeca e Osório haviam tirado o leite das vacas. As esposas dos moradores apanhavam o seu leite, que padrinho João lhes dava de acordo com o número de filhos. A produção do leite aumentara satisfatoriamente. Maria, esposa de Osório, trabalhava no feitio de queijo e manteiga.

Naquele ano, foi excelente a produção agrícola. Meu padrinho fazia a sua primeira grande colheita de algodão. As esposas dos moradores ganhavam pelo que produziam na apanha do algodão.

As duas produções – farinha e algodão -  eram guardadas nos grandes quartos da casa grande.

A casa de farinha continuava moendo para os vizinhos e moradores da fazenda pitombeira. De cada dez cuias de dez litros, duas eram para padrinho João.

A última farinhada foi a de compadre Zeca. À noite do último dia, Zeca e padrinho João, sentados no terreiro da casa de farinha, conversavam sobre a fartura daquele ano. De repente, mudaram de assunto. Eu, bem perto deles, sentado num tronco de cajueiro, fiquei escutando o novo assunto.

  • Compadre Zeca, fazia muito tempo que eu não ia a Campestre. Sabe quem eu encontrei por lá?
  • Sei não, compadre. Quem foi?
  • A mãe de Júlio!!
  • E foi compadre!? E ela perguntou pelo filho?
  • Disse-me que qualquer dia vinha aqui.

Ouvindo aquela conversa, causou-me revolta. Comecei a pensar:

“Eu tenho pai e mãe, e vivo sofrendo pela casa dos outros, trabalhando  feito um  animal. Sem uma mãe para me acariciar, beijar-me, como eu vejo todas as mães fazerem com os seus filhos...”

Com a cabeça cheia de interrogações, ouvi madrinha Guilhermina me chamar. Mas, fiquei calado e corri para perto dela, pois eu só respondia bem de cima da pessoa. Ela chamou-me outra vez:

  • Júlio!!...
  • Inhora, madrinha!... - respondi por trás dela.
  • Como é que eu lhe chamo e você vem calado e grita no pé do meu ouvido. Eu lhe dou uns bofetes!...

Tornava-me mais rebelde a maneira pela qual madrinha  Guilhermina me tratava. E mais decepcionado com a vida. Ela insistia e não se entendia mesmo comigo.

Capítulo 20

Estória de assombração

         Apesar da grande fartura, a corrida em busca de água era indispensável, pois o inverno daquele ano foi bom para a lavoura, mas não o foi para o açude local. Recomecei minha penitência acordando às altas horas da madrugada, indo buscar água em Vera Cruz.

Uma certa madrugada fui pegar a égua malhada que era ligeira e arisca aos estranhos, na qual eu iria buscar água naquela madrugada. O animal, que se encontrava amarrado, conseguira arrancar a corda e quando me viu saiu em disparada. Eu perseguia a égua, querendo pegar na ponta da corda, mas, nada! Lutei bastante tempo. Finalmente, consegui dominá-la. Coloquei-lhe a cangalha e os barris. Montei no meio da carga e segui, como sempre, sozinho.

Logo que a égua afastou-se de casa, começou a assustar-se. Fiquei com medo. Falavam  de   um juazeiro velho que cobria a estrada para Vera Cruz, onde diziam escutar vozes, gemidos e ventos fortes. Falavam de um foguinho azul que andava sobre as árvores, que depois descobri que aquele foguinho tinho o nome de fogo-fátuo. E ainda falavam de um corpo sem cabeça que aparecia à beira do olheiro em Vera Cruz, onde a gente apanhava água.

Com tanta conversa de mal-assombro, comecei a tremer de medo. Montado, parecia que eu estava sendo arrastado.  E ia voando. Fechei os olhos e tapei os ouvidos ao passar por baixo do juazeiro. No olheiro, enchendo os  barris, parecia está vendo o tal corpo sem cabeça.

Olhava para todos os lados. Olhava para a mata fechada que ficava bem próximo ao olheiro, só vi o pisca-pisca dos pirilampos,  chega fervilhava. E a égua continuava assustada até retornar para casa, e ainda, escuro sem sinal do amanhecer. Só muito depois é que surgiu a aurora junto com o quebrar da barra.

No curral, nem uma vaca se mexia. Tudo calmo. Ouvia-se, apenas, o uivar das raposas que rondavam a casa querendo pegar as galinhas agasalhadas no poleiro, para a sua refeição matinal. Mas as galinhas, que não eram bobas, perceberam a presença das raposas e lançaram os seus pedidos de socorro carcarejando: “Coro-cocó!... Coro-cocó!... ”

Elas acordaram os perus, que gluginejaram bem alto: “gulú...gulú!... gulú...gulú...gulú!...”

As raposas, não querendo esperar por tempo ruim, saíram em retirada e ganharam refúgio dentro do roçado de mandioca.

Amarrei a égua no cercado. Corri para casa. Empurrei a porta da frente, que se encontrava encostada. Fui, mesmo no escuro; armei a rede e deitei-me, silenciosamente. Cobri-me dos pés à cabeça. Mas parecia está vivenciando toda aquela estória de assombração. Aos meus ouvidos escutava o ufar do animal assustado. Não dormi mais.

Com os olhos fixados à telha, vi que o dia estava chegando. Fui tomado de susto, ao escutar os gritos de padrinho João.

  • Jú...li...o!!... Ô Jú...li...o!!..
  • Inhô, padim!...
  • Jú...li...o!... O sol já vai sair, Júlio. E você dormindo!?
  • Oxente, padim!!... Eu já fui buscar água!!
  • Menino mentiroso, agora você deu para mentir!?
  • Vá olhar padim! Os barris tão cheios!...

Levantei-me. Vi que padrinho João, com um lampião na mão esquerda, fora verificar.  Quando se virou, viu-me bem perto dele. Sua face ficou pálida. Ele duvidara da minha palavra e  ficara arrependido, todavia, por ser orgulhoso, não sabia pedir desculpas ou perdão, mas ficou estremecido por dentro.

 

Capítulo 21

Visita de minha mãe

     Já ao por-do-sol, compadre Zeca, seu filho Luiz e eu estávamos no curral separando os bezerros das vacas leiteiras, quando vem chegando Maria, irmã de Zeca por parte de pai.

“Júlio, dona Guilhermina tá lhe chamando.”

Deixei o serviço e fui correndo sem desperdício de tempo, pois, minha madrinha sempre estava catando motivos para me bater. Encontrei minha madrinha na cozinha, conversando com uma mulher magra, branca, de estatura média, e uma mocinha, também da mesma cor.

  • Mim chamou, madinha!?...
  • Júlio, esta mulher aqui é sua mãe, comadre Isabel. Esta menina é Belinha, sua irmã. Peça a benção a sua mãe - ordenou.

Eu que já estava prevenido sobre a chegada de minha mãe, que alimentava cada vez mais uma grande revolta dentro de  mim, parei diante delas e calado. Fitei-as. Minha mãe tentou chegar junto de mim erguendo os braços, querendo me abraçar, exclamando:

“Meu filho!!”

Não encontrei pureza em suas palavras. Vi que nos seus olhos não estava expressando o sentimento de mãe. Vi uma mãe que me abandonara quando eu mais precisava des seus carinhos. De tudo quanto uma criança necessitava, eu não tinha. Não tive uma afetuosa mão que  me acariciasse. Ou um doce seio que minha cabeça deitasse. Infelizmente, foi esta a imagem que desenhei daquela mulher que se dizia ser minha mãe. Que me abandonara. Que me deixara nas escuras veredas da vida - sem os carinhos e a indispensável proteção de mãe.

Ela, contudo, com os braços abertos, avançava em minha direção querendo me abraçar. Eu, porém, não a deixei. Fiz meia volta. Dei-lhe as costas. Corri para distante. Refugiei-me dentro das bananeiras, e de  lá fiquei observando a movimentação da casa, do terreiro, e do curral.

Compadre Zeca e Luiz, que haviam terminado o trabalho no curral, conversavam no terreiro a espera de padrinho João.

Chegou a noite. À hora do jantar, fiquei observando tudo pela brecha da porta. Terminou  o  jantar. Vi que  padrinho  João  ia para o terreiro. Sai correndo e voltei ao mesmo local nas bananeiras. Ele começou a gritar:

“Ô Jú...li...o!!... Ô Jú...li...o!!...”

Gritou mais de uma hora. Impaciente, pegou uma lanterna e saiu focando entre as bananeiras. Corri e fui me esconder dentro da cocheira dos cavalos.

Naquela noite padrinho João não foi fazer suas visitas noturnas às residências dos moradores, como de costume. Vem a madrugada. E não dormi. O jumento relinchou dando sinal de que era madrugada. Fui pegar a égua e fiz mais um carregamento d’água antes que acordasse alguém. Quando compadre Zeca chegou para tirar o leite, eu já havia deixado o animal no cercado. Escondi-me no sítio de cajueiro e mangueira. O meu café da manhã foi caju e manga.

De cima de uma mangueira bem alta, eu observava todo o movimento ao redor da casa. Vi quando minha mãe e Belinha, logo cedo, deixaram a casa de padrinho João e foram embora. Fiquei observando-as até desaparecerem numa curva.

Não consegui me aproximar da mulher que me gerou, mas não me criou. Que me amamentou, mas não me conservou junto de si. Que me entregou ao mais cruel destino, submetido a uma vida de sofremento e humilhação. Mas com a passar dos tempos, eu me arrependi de tê-la feito sofrer.  Achei que ela sofreu com a rejeição que lhe dei.

Oh, meu Deus! Quem me dera se eu podesse voltar no tempo.

Na casa de padrinho João e na casa de farinha só se falava sobre o meu comportamento. Desconfiado e de cabeça baixa, fui tomando chegada!... Chegada!... Padrinho João, Zeca e o senhor Tomaz falavam sobre eu e minha mãe.

  • Eu esperava isso mesmo. Eu conheço quem é meu afilhado. Durante todo esse tempo ele nunca falou sobre nome nenhum da família. Nunca me perguntou de onde veio, quem eram seus pais, e se tinha irmãos. Quando ele não tem o que fazer, fica calado num canto e quando a gente olha em sua direção, ele baixa a cabeça.
  • Compadre, só faz medo se ele se revoltar - disse Zeca.
  • Não. Ele não vai fazer isso, não. Júlio é um menino bom - interviu Tomaz.

Sulina, esposa de compadre Zeca, vem chegando e comenta com madrinha Guilhermina, que assistia aquela conversa:

  • Comadre, a mãe de Júlio disse alguma coisa?
  • Não comadre, ela chorou muito.
  • Mas, comadre será que ela não vai amaldiçoar o filho, não? Por que o povo fala que a mãe pode amaldiçoar o filho!
  • Que é isso, comadre!? Ninguém faz isto, não!
  • Compadre, o menino nem foi buscar água? - perguntou compadre Zeca - retomando a conversa.
  • Ah, compadre! Quando a gente acordou os barrís estavam cheios e o animal amarrado no cercado.
  • Seu João - disse Tomaz - o sinhô deve ter orgulho do filho que tem.
  • É verdade. Nunca vi tanta disposição. Ele nunca fez cara feia para nada!

Capítulo 22

Ano de muita fartura

       Era 1954. As experiências dos idosos indicavam que o inverno seria bom. A terceira semana do mês de março começou com chuva. Foi logo depois do meio-dia e entrou pela noite. Os travãos davam cada estampido que parecia até que o mundo ia desabar. Os relâmpagos cortando as nuvens deixavam a noite clara repentinamente.

Chegou o novo dia e continuava chovendo. Os moradores da fazenda pulavam e cantavam de alegria com a chegada da chuva. E os da redondeza também contavam.  Zeca, enrolado numa capa, tirava o leite.

Luiz de compadre Zeca e Chico de Joana, este também morador da fazenda Pitombeira, chegaram correndo debaixo de um forte temporal, os quais todas as manhãs ajudavam o Zeca no curral, e foram até ao alpendre da casa grande. Chico gritou para meu padrinho:

  • Seu João!... Seu João!...
  • O que é homem!? Por que está tão aflito?
  • É urgente, seu João!...
  • É urgente, o quê? Diga, homem.
  • É o açude que está estoura, não estoura. A água vai lavar a parede e o sangradouro não dar vencimento.

Meu padrinho mandou chamar, urgente, os homens da redondeza aos quais  distribuiu  pás,  picaretas e enxadas. Foram ao açude, que, de fato, estava ameaçando estourar. Deram início ao trabalho de alargamento do sangradouro. Todo mundo entrou na luta. Homens, mulheres e meninos. E chovia sem parar. Corria perigo mesmo! Chico de dona Joana, gritava:

“Depressa, pessoal! A água está lava não lava. Tem menos de meio palmo para lavar o paredão”.

Debaixo daquela chuva, o pessoal trabalhava com muita disposição. Todos os moradores da vizinhança ao tomarem conhecimento sobre o perigo do açude, correram para lá conduzindo ferramentas, e entraram na luta.

O temporal passara depois do meio dia. Apenas chuviscando. Os trabalhos de alargamento estavam concluídos.

A noite, toda viçosa, foi se aproximando e ocupou o acento do dia, o qual se despidiu com chuva, homenageando-a com relâmpagos e trovoadas.

Na sala da casa grande, padrinho João conversava com sua comadre Sulina, enquanto compadre Zeca terminava os trabalhos agasalhando as vacas e os bezerros no curral.

A cisterna enchera na segunda noite, a qual me daria tranqüilidade, enquanto tinha água, evitando aquele trabalho penoso nas madrugadas.

Apois três dias chovendo, seguiu-se uma semana de chuva fina e intermitente; logo no primeiro dia de estiagem, padrinho João convocou homens, mulheres e adolescentes para iniciarem a plantão de feijão e milho. Os homens abriam as covas, enquanto os demais - mulheres e adolescentes - plantavam as sementes.

Foram cinco dias só para semear. Na semana seguinte, a chuva tomou corpo com branda intensidade e não chegou a atrapalhar a germinação das sementes.

Na segunda semana, noutro terreno, com os mesmos trabalhadores, padrinho João iniciou a plantação de maniva de mandioca e mudas de inhame, além de outros cultivos de pequena escala.

A lavoura foi crescendo toda igual.

Padrinho João dobrara o número de trabalhadores no eito; foi preciso chamar gente de fora, pois tanto a lavoura quanto o mato cresciam com rapidez, e sem parar de chover o mato arrancado não morria.

Com noventa dias tinha feijão e milho verde para comer.

Era só alegria!

Como Deus é maravilhoso!

Capítulo 23

As festas de São João

            Na segunda semana do mês de junho, o velho João Horário, a exemplo dos demais anos, começou os preparativos para a festa de São João. Foi à Natal, capital do Estado, comprar fogos de artifício, balões e bandeirinhas para ornamentar a casa grande e seu terreiro. Tudo para os festejos juninos.

À véspera do dia de São João, Rosemiro chegou do Recife, dirigindo o seu carro preto, de marca Ford 29, de duas bancadas, sendo grande novidade para o povo local, pois naquelas bandas raramente passava um carro.

Dona Sulina tomava conta das mulheres e adolescentes que apanhavam feijão de arranca, que estando maduro nascia nas vagens porque a chuva não dava moleza.

Logo bem cedo, Zeca e Luiz prepararam a fogueira com lenha molhada,  que  media  dois  metros  e  meio  de largura. Foi um trabalhão só para montá-la,  que, aliás, era a maior da redondeza.

Às 18:00 horas, colocaram fogo; utilizaram dois litros de querosene, e quase que não acendiam.

 Solidárias  com São João, as nuvens cobriram a passagem da claridade da lua e das estrelas para dar lugar à claridade das fogueiras. Padrinho João deixou no alpendre uma braçada enorme de foguetões, e gritou:

  • Compadre Zeca, taqui os fogos!
  • Já vou, compadre. Estou terminando de acender a fogueira. Ô diacho pra dar trabalho!!... – esbravejou compadre Zeca.

Na conzinha, nuns tachos grande no fogão de lenha, Sulina e madrinha Guilhermina preparavam pamonha e canjica.

No alpendre, aquele monte de milho verde para assar nos brazeiros da fogueira.

Começaram a chegar os convidados. Trabalhadores e suas famílias. Vizinhos mais próximos. Não faltou ninguém. Meu padrinho tinha prestígio e era respeitado por quem o conhecia. Deveras, era um homem de vergonha.

Quem chegara também para os festejos em Pitombeira, foi o cabo de polícia Manu, filho de Chico Preto, que era viciado na pinga e gostava de arruaças, mas quando ficava bêbado não passava nem por perto da fazenda Pitombeira, pois ele respeitava a família de padrinho João.

Manu foi direto à casa da fazenda. Sem ter bebido, mas com uma garrafa de cachaça na mão, procurou padrinho João, a quem pediu:

“Guarde aí, seu João. Quando eu for embora, vou beber bem longe daqui!”

Lá pelas nove da noite, aquela grande fogueira se reduzira em brasas. Dona Sulina, Maria, irmã de compadre Zeca, assavam milho verde naquele monstruoso braseiro.

Seguiram-se as brincadeiras feitas à luz das fogueiras de São João: o casamento e o batismo. Quem iniciou foi Luiz de compadre Zeca que convidou Cícera Cassiano para ser sua madrinha de fogueira. Colocaram no chão dois toros acesos da fogueira. Cícera  segurou a mão direita de Luiz, deixando os dois toros entre eles, começou o cerimonial:

  • São João disse e São Pedro confirmou, que você fosse minha madinha, que Jesus Cristo mandou.
  • São João disse e São Pedro confirmou, que você fosse meu afiado, que Jesus Cristo mandou.
  • Minha benção, minha madinha!...
  • Deus te abençoe, meu afiado.

 

Capítulo 24

A maior riqueza da década

         Chegou o período da farinhada. A casa de farinha passou a moer sem parar - dia e noite - com três turmas, que trabalhavam com intervalo só para trocar de lugar, ou para as refeições. Dentro e fora do prédio formaram-se aqueles montes de mandioca.

Naquela sofra, os donos de roçados de mandioca contrataram Damião das sete bocas com a sua tropa de burros mulos para fazer o carregamento da mandioca.

Damião era  uma figura engraçada. Homem dos seus 50 anos, viúvo, pai de dois filhos. À noite, com tanto beiju, tapioca e café, ele dormia  lá mesmo com a sua rede armada debaixo de uma mangueira que ficava entre a casa de farinha e a casa grande. Com Damião não existia tempo ruim. Logo cedo, ele reunia a moçada de folga e começava a contar umas estórias engraçadas - que ele as chamava de “trancoso”. Eram estórias de fantasmas, lobisomem, saci-pererê, mula sem cabeça e mãe do mato – a caipora.

Enquanto tinha aquela brincadeira na casa de farinha, padrinho João, como de costume, largava-se às residências dos moradores, retornando lá pelas nove.

No meio da mulherada, estavam as quatro filhas de Manoel das sete bocas. Era cada pedaço de cabocla! Elas usavam perfume comprado na feira de Vera Cruz. Só elas mesmas suportavam aquele cheiro horrível. Gostavam de trabalhar, mas detestavam conversar. Elas sempre viviam encabuladas. Uma delas - a Maria José - já estava quase no caritó, porém, tinha uma desenfreada paixão por Manoel das sete bocas, com quem se casou poucos meses depois.

Capítulo 25

Minha terceira fuga

            Finda a moagem na casa de farinha. Numa manhã, pelas oito horas, reuniram-se os homens e mulheres na residência de padrinho João para as prestações de contas.

Meu padrinho dera uma ligeira saída, enquanto eu retornava do cercado aonde fui deixar o gado. Madrinha Guilhermina, na frente do pessoal, aos gritos e sem nenhum motivo, deu-me dois cocorotes, que sai desorientado, morrendo de vergonha. Já um rapaz, eu não aceitava mais aquele comportamento. Fui ao meu quarto. Coloquei minha rede e minha roupa dentro de uma mala velha feita de tábuas, e fui embora.

As meninas de Manoel das sete bocas, que me queriam bem, ficaram chorando, as quais me acenavam toda vez que eu olhava para trás.

Segui caminho sem destino andando apressado igual a uma ave de arribação quando perde a revoada. Não encontrava uma só pessoa naquele caminho. O sol estava quente. Tirei de dentro da mala um relógio velho de algibeira, que já marcava meio dia e vinte. Cansado e com fome, procurei repousar debaixo de um pé de catanduba grande.

Naquele momento comecei a me preguntar: “Será que é este o meu destino”?

 Foram vinte minutos de descanso. Retomei à caminhada. Para aonde, não sabia!...

Peguei um caminho com um areal terrível.  O sol já pendia, mas queimava feito brasa. Já tardinha, aproximava-se a brisa da noite. Eu me sentia consado. Eis que vem cruzando comigo um cidadão dos seus 45 anos idade - a primeira pessoa que encontrei durante todo o caminho -, que montava num cavalo robusto e veloz, o qual parou o animal que ficou  num pé e noutro.

  • Para onde você está indo, filho?
  • Eu vou procurar trabalho!!...
  • Mas, você vai para onde? Não sei. Vou sem destino. Não sei nem para onde vai este caminho.
  • Este caminho vai para a cidade de Monte Alegre.
  • Fica longe daqui?
  • Não! Dar uma leguinha. Você conhece alguém lá?
  • Não senhor.
  • Vai com algum nome para procurar?
  • Não senhor.
  • E de onde você vem?
  • Eu venho de Pitombeira.
  • Santo Deus!! Mora lá com seus pais?
  • Não senhor. Eu não tenho pai, nem mãe.

O estranho fechou a cara, demonstrando está traumatizado, entretanto, retomou o diálogo.

  • Mas, tem irmãos, tios e outros parentes?
  • Não! Não senhor. Eu não tenho ninguém. Nem pai, nem mãe.
  • E você vive andando assim sem rumo?
  • Não senhor. Eu fui criado por meu padrinho, mas não quero mais viver na companhia dele.
  • Quem é seu padrinho.
  • É João Horácio.
  • Ah! João Horácio!? É gente boa!!... Ele sabe que você fugiu.
  • Deve saber, Mas, eu não quero voltar.
  • Meu filho - exclamou o homem - você é uma criança para enfrentar o mundo. Volte para casa de seu padrinho. Ele é ruim para você?
  • Não senhor.
  • Então!!... Volte, homem!
  • Não posso. Minha madrinha me bate muito. Não agüento. Prefiro ficar vagando pelo mundo.

O homem ficou agitado. Suspirou franzindo o couro da testa.  Encurtou as rédeas do cavalo. O animal quis se agitar. Do bolso, retirou um lápis e um pedaço de papel. Escreveu alguma coisa. Dobrou o papel e me entregou, dizendo:

“Aqui em Monte Alegre, você procure seu Chico Galvão, que é meu compadre e entregue-lhe este bilhete. Ele tem trabalho para você”.

O gentil homem esporou o cavalo e desapareceu em destino contrário, pelo mesmo caminho.

Quase escurecendo, apressei os passos. Logo, surgiu a lua, que estava linda. Depois de uma boa distância, avistei aqueles bicos de luzes turvas. Era a iluminação elétrica da cidade e apareciam as primeiras casas.

Dois homens sem camisas, sentados na calçada de uma casa, conversavam com uma mulher que permanecia em pé na rua, quando eu os interrompi:

  • Boa noite!
  • Boa noite – responderam.
  • Meus senhores, onde mora seu Chico Galvão?
  • Mora ali - respondeu um deles apontando com um pedaço de vara. É aquela casa grande de primeiro andar.

Para lá me dirigi. De fora dava para ver quem estava dentro de casa. Bati palmas. Saiu uma senhora morena, magra, alta, de cabelos encrespados, a quem entreguei o bilhete. Ela sumiu casa a dentro, mas voltou logo. Abriu a porta da área, mandando que me sentasse num sofá de veludo malhado, que mais se parecia com uma onça pintada.

Vem chegando à área um senhor dos seus 60 anos de idade, alvo e baixo. Era Chico Galvão e conduzia o bilhete na sua mão direita.

  • É você o rapaz que compadre Zé mandou?
  • Sou, sim senhor.
  • Eu tenho trabalho. Você tem mesmo coragem?
  • O senhor pode me testar.
  • Sabe lutar com gado?
  • Sei, sim senhor.
  • Sabe cortar capim?
  • Sei, sim senhor.
  • Sabe tirar leite?
  • Sei, sim senhor.

E continuando, disse Chico Galvão:

“Seu primeiro trabalho todo dia é ajudar ao tirador de leite a arrear os bezerros. Ele chega às 4 horas da madrugada. Eu lhe chamarei quando for hora. O nome dele é Paulo. Quando terminar de tirar o leite, você vai levar as vacas para o pasto, e em seguida cuidar da ração, que é capim e palmatória. Paulo vai lhe ensinar tudo direito. Compadre Zé disse no bilhete que você não tem pai, nem mãe. Se você for trabalhador mesmo, vai ter tudo isso aqui. Vou mandar lhe dar de comer. Você deve estar com muita fome”.

Foi um jantar farto igual ao da casa de padrinho João. O velho Chico Galvão não parava de fazer-me perguntas, porém, nada que me deixasse embaraçado. Jantei!... Ele levou-me para um depósito imenso, no qual armazenava muita coisa.

  • Você vai dormir aqui. Café, almoço e janta, você tem na minha casa. Boa noite!
  • Boa noite, seu Chico.

Capítulo 26

No meu primeiro emprego

            Como de costume, acordei antes das 4 da madrugada. A cidade estava no escuro por que a casa de força que gerava enérgia funcionava até às 22 horas.

Na casa de Chico Galvão via-se a luz de um lampião. E ouviam-se vozes. Vi dois vultos indo em minha direção. Era Chico Galvão com seu empregado.

  • Júlio! - gritou ele.
  • Eu já estou acordado. Já desarmei até a rede.
  • Você já acordou!!? Bom dia!
  • Bom dia, seu Chico - cumprimentei-o.
  • Este aqui, Júlio, é Paulo o tirador de leite. Acompanhe ele ao curral.

Paulo levou-me ao curral. Vi que existiam mais cabeças de gado que na fazendo de meu padrinho João. Portanto, quanto ao trabalho não fazia diferença.

“Vá laçar aquele bezerro ali. Vá laçar aquele outro” - dizia Paulo.

Paulo, que não tinha a rapidez de compadre Zeca, terminou de tirar o leite às 8 horas da manhã. Fomos tomar café com Chico Galvão. Velho de barriga cheia! Mesa farta! Mas não fazia inveja a padrinho João.

Ao terminar o café dei uma saída até à calçada. Bem em frente estava estacionado um caminhão misto que fazia a linha de Monte Alegre à Natal. Entre os passageiros que iam embarcar estava Afonso de seu Nô de Madalena das Sete Bocas. Ele passara três anos na Capital de São Paulo e naquele momento estava retornando àquela grande metrópole.

  • O que você está fazendo aqui? - perguntou ele.
  • Eu deixei a casa de padrinho João, e não voltarei nunca mais.
  • Mas, você não volta mesmo?
  • Não.
  • Você quer ir comigo para São Paulo?
  • Dei-me o seu registro para comprar a passagem.
  • Ah, não tenho.
  • Mas, que pena, eu ia lhe levar e você se daria bem.

O motorista ligou o motor do caminhão e Afonso subiu à sua cabina. O veículo seguiu viagem, enquanto Afonso me acenava.

Capítulo 27

Meu segundo emprego

            O trabalho na fazenda era igual ao da fazenda Pitombeira, exceto o de ir buscar água. Razão pela qual, em nada estranhei. O velho Chico Galvão, seus trabalhadores e amigos admiravam a disposição que eu tinha para o trabalho. A fama sobre o meu trabalho logo se espalhou, surgindo vários convites para trabalhar com outro patrão, mas só me ofereciam salário insignificante.

Na fazenda de Chico Galvão trabalhei perto de um ano, foi quando travei conhecimento com José Maria e Iarandi - este, a família o chamava de major -, filhos de Luiz Sátiro, também fazendeiro, os quais me  convidaram para ir  trabalhar  na  fazenda  deles. Aceitei o convite e  fui pedir as contas ao senhor Chico Galvão, que ficou com o quê de tristeza  alguns minutos sem me responder nada, mas, ao cabo deste tempo, disse-me:

“Vai com Deus, Júlio”.

Fui-me!

A fazenda de Luiz Sátiro ficava bem perto da cidade, além desta, também possuía  uma  padaria na rua principal de Monte Alegre. Procurei José Maria e Iarandir aos quais informei  que iria trabalhar para eles.

Fui levado à fazenda de Luiz Sátiro, para trabalhar na agricultura e tomar conta do gado. Dormida e alimentação,  tudo  lá mesmo.

Os  filhos de Luiz Sátiro me incentivaram a estudar. Matriculei-me na escola do professor Chico de Tutuia, que levava jeito de quem não gostava de mulher, porém, um excelente mestre. Fui aprimorando os meus poucos conhecimentos que tiveram inicío com os primeiros ensinamentos de padrinho João Horácio. E assim, segui minha vida, trabalhando de dia e estudando de noite.

O serviço havia aumentado na fazenda. Para me ajudar foi para lá  um rapaz de nome Edmundo, procedente do Estado da Paraíba. Ele era preguiçoso. Eu, acostumado com aquela vida, acordava antes das 5 horas, indo trabalhar na lavoura, enquanto Edmundo ficava deitado até às 7 ou 8 horas.

José Maria e Major iam muito à fazenda com o seu pai, os quais ficavam conversando comigo. Quem sempre estava  lá quase todos os dias, era seu Rolandino, sogro de Luiz Sátiro. Era um velhinho baixinho, com um coração formidável e demonstrava que me queria bem.

Aquela amizade toda causou inveja ao tal Edmundo. E numa certa manhã, ele deu-me uma bofetada na boca e puxou uma pistola fogo central para me matar.

Sai correndo todo ensangüentado. Fui até à casa de Luiz Sátiro, na cidade, que sem perder tempo levou a  polícia à fazenda. Tomaram a pistola de Edmundo. Colocaram-no dentro de um Jeep, e foram deixá-lo na fronteira do Rio Grande do Norte com a Paraíba.

Não tardou, porém, os filhos de Luiz Sátiro convencer o pai para me colocar nos trabalhos da padaria. Fiquei trabalhando interno por algumas semanas. Depois fui vender pão com um balaio na cabeça. Larguei o balaio para utilizar uma burra mula.

Minhas viagens aumentaram. E para longe. Eu colocava a cangalha na burra com uma grande carga de saquinhos de brotes e bolachas. Não existia hora para sair, nem para chegar. Às vezes, à meia noite, eu estava distante. Andava por Lagoa de Pedras, Lagoa Salgada,  Vera Cruz e vários povoados, com dezenas de quilômetros de distância.

Capítulo 28

Busquei vida melhor

          A profissão que eu estava exercendo, não era a que eu desejava. E vivia pensando buscar nova vida. Eu queria estudar mais, entretanto, os conhecimentos de Chico de Tutuia haviam se esgotado para mim.

Uma força interior de há muito me impulsionava a mudar de vida. De procurar nova perspectiva. Foi assim ao deixar a casa de padrinho João Horácio, ao deixar Chico Galvão. E desta vez, mais forte, para deixar Luiz Sátiro e buscar uma vida mais digna.

Foi nesse tempo que travei conhecimento com o soldado Domício, que servia no destacamento policial de Monte Alegre, o qual me aconselhou para sentar praça na Polícia Militar. Eu estava com 16 anos e oito meses, e segundo ele, a corporação aceitava rapazes maiores de 16 anos, pois o Exército estava autorizando.

Para ser incorporado, a polícia exigia o registro de nascimento, mas eu não o tinha. O Soldado Domício levou-me ao Cartório de Solon Ubarana, onde fui registrado como natural de Monte Alegre, com os nomes dos meus pais verdadeiros: Antônio Ribeiro da Rocha e Isabel Firmino da Conceição.

Era 14 de agosto de 1957. Domício mandou que eu arrumasse  meus pertences, que no dia seguinte, às 7 horas, eu iria à Natal, a fim de alistar-me na Polícia Militar.  De fato, no dia 15, bem cedo, ele foi até à padaria de Luiz Sátiro, onde eu já o aguardava. Entregou-me um bilhete e disse-me:

“Quando você chegar ao portão, diga que deseja falar com o brigada, que é o sargento Balduíno, e entregue este bilhete a ele”.

Da padaria, levou-me até ao caminhão misto de Ernesto, a quem recomendou:

  • Ernesto, este rapaz vai para o Quartel da Polícia Militar. Quando você chegar em frente ao Clube dos Funcionários do Banco do Brasil, mande-o descer e ensine-o como chegar ao 
  • Pois não, Domício - respondeu Ernesto.

Apanhei o misto me espremendo todo por que  o veículo estava lotado. Com pouco tempo, Ernesto deu partida. Nós seguimos por aquela estrada estreita e empoeirada, até que chegamos à pista - a BR 101- que também era estreita, e passava apertado um carro por outro.

Finalmente, estávamos em Natal. Ernesto parou o misto de supetão e deu marcha ré. Ele havia passado do local que Domício o solicitara. Parou o carro. Olhou para mim e apontando com o dedo indicador da mão esquerda, disse-me:

“Desça e vá num caminho que tem por baixo daquelas mangueiras, que vai sair bem em frente ao portão do quartel”.

Capítulo 29

No quartel

            Na metade do caminho avistei o quartel. Fui tomando chegada. Todo assustado com aqueles modos de matuto. Apresentei o bilhete à sentinela, informando-lhe que gostaria de falar com o sargento Balduíno. Minha voz quase que não saia.

Vem o sargento comandante da guarda, que escalou um soldado para apresentar-me ao sargento. O soldado chegou ao gabinete de Balduíno, que era  responsável pelo alistamento do pessoal, juntou os pés, fez continência e disse:

  • Dá licença, sargento!?
  • Pois não, diga.
  • Sargento, este rapaz quer falar com o senhor.
  • Está apresentado. Pode ir.

O Sargento Balduíno, que estava escrevendo numa máquina de datilografia, parou o seu trabalho para atender-me. Fiz-lhe entrega do bilhete, que o leu em voz alta na minha presença e balançava com a cabeça dando sinal positivo.

O brigada disse-me que o decreto só abriria no final daquele  mês, mas eu iria ficar acostado e arranchado. Dois vocábulos que eu não entendia! Levou-me até à Companhia de Instrução e disse ao sargento-furriel:

“Coloque este rapaz na grade de rancho, que ele vai ficar acostado aqui. E continuando, acrescentou: Dê-lhe um armário, biliche e seus acessórios”.

Deu meio-dia. Vem, então um cabo, o qual determinou que o pessoal acostado entrasse em forma, coluna por três. Em seguida, disse:

“Comigo, para o rancho”.

A comida não tinha aquele gosto da caseira, mas era boa. Feijão, farinha, arroz, carne escassa e duas bananas.

Eu achava interessantes as instruções de ordem unida e as continências que os policiais prestavam. Mas, o que eu mais admirava era a disciplina que existia entre os segmentos da hierarquia militar.

O cabo de dia à companhia viu minha mala velha dentro do armário de ferro que eu havia recebido. Pediu-me a chave do armário, dizendo:

“Vou jogar esta mala no lixo, pois você não vai precisar mais dela. Você é peixinho do sargento Balduíno. Pode se considerar incorporado na polícia”

Capítulo 30

A seleção

             No final de agosto, após o toque de formatura geral para a revista matinal, presente o Comandante Geral,  coronel José Reinaldo Cavalcanti,  foi realizada a chamada dos duzentos e poucos homens, que seriam incorporados.

Quem ia sendo chamado, entrava em forma coluna  por seis. Ao chamar o último homem, chegaram três investigadores da Polícia Civil, que correram a vista, demoradamente, em todos os homens. Os investigadores retiraram cinco pessoas, que tiveram seus documentos devolvidos e foram informadas  que não poderiam servir à corporação. Os quais tinham ficha na polícia civil.

Além destes, houve o caso daquele oficial superior, que parou diante dos recrutas, deteve-se um instante olhando para Ivan e dando sinal com a mão direita, disse:

“Venha cá!...”

Continuando, determinou ao oficial subalterno que estava à frente da tropa:

“Devolva os documentos deste cidadão, pois ele não presta e tem várias entradas na Delegacia de Parnamirim”.

Realmente, o oficial tinha razão. Os anos se passaram e eu tive oportunidade de vê Ivan preso sucessivas vezes pela Delegacia de Roubos e Furtos, em Natal.

Chegou o dia da incorporação - 2 de setembro de 1957. Éramos 225 homens. Não seria possível declinar os nomes de tanta gente, contudo, destaco aqueles que me foram mais próximos: Gil Xavier de Lucena, João Xavier Filho, Sérgio Teixeira de Sousa, Orlando, Cirilo.

Meu nome de guerra: Soldado Júlio.

Passamos quatro meses como recrutas, assistindo aulas nos dois expedientes e recebendo instruções de ordem unida, regulamentos militares e de policiamento.

Capítulo 31

Ao serviço

            Terminava o mês de dezembro, quando passamos a pronto. Isto queria dizer que nós estávamos habilitados ao serviço policial militar. Comecei minha carreira trabalhando na tesouraria da corporação, que tinha como Chefe o Major Antônio Morais Neto, o qual muito me incentivou a estudar.

Eu e João Xavier Filho fomos estudar na escola do aluno oficial Pereira, que funcionava num salão, na Avenida Quatro, com a rua Jaguarari, no bairro de Lagoa Seca, bem distante do Quartel do Comando Geral, no horário das 7 às 22 da noite. A gente ia a pé porque não existia ônibus, enfrentando uma tremenda escuridão quase todo o caminho.

No início de janeiro de 1959, fui aprovado no exame de seleção para cabo de fileira. Com uma turma de sessenta alunos, o curso teve a duração de seis meses e funcionava nos dois expedientes. No mês de junho daquele ano, fui promovido a Cabo.

A responsabilidade aumentara, e eu fiquei trabalhando na tesouraria da corporação e concorrendo à escala de serviço de cabo da guarda do portão principal. Num dos serviços, descobri que existia um Curso de Exame de Admissão bem em frente ao portão do quartel. Procurei a direção do curso e fiz minha matrícula. Estudei todo o  ano de 1960. No final do ano fiz as provas e recebi meu diploma e fui fazer os exames para entrar no Curso Ginasial do Atheneu.

Foi no meu primeiro ano, no Atheneu, que conheci Maria Aparecida, com 16 anos de idade, também cursando o primeiro ginasial na mesma classe, que depois se tornou o grande e único amor de minha vida.

Fazia um mês que o curso tivera início. Maria Aparecida deixou de freqüentar as aulas. Após alguns dias, recebi um bilhete dela que me convidava ir à sua residência.

Enchi-me de alegria, pois eu não tinha o seu endereço. Com o meu coração pulando de felicidade fui vê-la à noite. Estava encantadora, a qual me disse que estivera doente e que na semana seguinte voltaria às aulas. Voltou. Sentou-se na mesma cadeira de antes ao meu lado. Meu coração pulsava de alegria. Naquele ano mesmo, ficamos noivos.

Aparecida morava bem próximo ao Atheneu. Sua mãe, Maria Assunção, ia deixá-la todas as noites. E lá ficava aguardando até a última aula.

Vi que Aparecida era uma boa filha. E tinha uma boa mãe. Cuidadosa. Cheia de afeiçoado amor pela filha.

Deus estava fazendo a sua obra, pois logo que entrei na corporação, fiz um pedido ao Senhor, meu Deus, que me apresentasse uma moça boa filha, por que me seria boa esposa. E assim me fez  o Senhor. Meu Deus, Todo-Poderoso. Onipotente.

Só com o nosso noivado foi-me confiada a companhia da Aparecida, a fim de apanhá-la em sua residência e deixá-la todas as noites de aulas.

Capítulo 32

Jantar com Luciano

           Passava das 18:00 horas de uma quinta-feira do mês de setembro de 1960. No Grande Ponto, como era conhecido o centro da cidade, que se tornara intransitável. O senhor Aluízio Alves, candidato a Governador do Estado do Rio Grande do Norte, realizava mais um de seus comícios. Com um carisma extraordinário, conseguia magnetizar multidões incalculáveis de correligionários fanáticos. Mulheres – jovens e idosas – choravam e desmaiavam. Ele era mesmo um cigano feiticeiro, como o foi cognominado popularmente.

Eu me encontrava bem distante do palanque assistindo a um espetáculo que nunca tivera visto. Aquela multidão, que se encolhia  e se espremia a procura de espaço para apoiar os pés, parecia está enfeitiçada. Perto dali observei uma senhora dos seus 40 anos de idade, a qual,  possuída de  uma desequilibrada paixão, delirava dizendo para uma sua amiga:

“Tadinho, mulé!! Ele parece um santo!!...”

Eis que alguém me puxou pelo braço. Virei-me rapidamente. Era o meu colega de turma de praça, o 3º sargento João Xavier Filho, que viera de Martins, o qual me convidou para, às 20:00 horas daquele dia, ir a um jantar que  os  sargentos  da Polícia Militar estavam oferecendo ao coronel Luciano Veras Saldanha, na Peixada do Arnaldo, no bairro das Rocas.

  • Quem é o coronel Luciano? - perguntei.
  • Coronel Luciano é da Reserva Remunerada de Cavalaria do Exército. Ele já foi Comandante Geral da Polícia Militar. Deu início ao seu comando no quartel velho, que atualmente é a casa do estudante. Foi ele quem construiu o quartel novo.

Conversando, o tempo passou rápido. Xavier consultou o seu relógio e disse:

“Está na hora. Vamos!...”

Saímos com destino à Peixada do Arnaldo. Não levamos mais de 10 minutos para lá chegar. Tinha gente que não cabia mais. O coronel Luciano não demorou chegar. Homem forte, vermelho, alto. Com ele, uma comitiva  que tinha o comando de Erivan França - um aluizista de carteirinha. Começaram os comes e bebes, e em seguida os discursos de vários sargentos; dentre eles, um - em nome de todos - convidou o coronel Luciano  para comandar a Polícia Militar, se Aluízio se elegesse  governador. Encerrando, o coronel Luciano falou com muita veemência, agradecendo e aceitando o convite.

Capítulo 33

Vem o dia da eleição de Aluízio

          No interior do Quartel do Comando Geral, a tropa vivia um clima de emocionante expectativa com as promessas de melhores condições de vida para os servidores públicos civis e militares anunciadas eloqüentemente pelo o senhor Aluízio Alves, candidato a governador enfrentando o seu adversário Djalma Marinho, este, apoiado pelo governador Dinarte Mariz.

Diversos gabinetes de oficiais superiores, meieiros da política provincial, foram transformados em birôs eleitorais prol candidatura Aluízio Alves. A tropa acreditou na conversa fiada dos oficiais, bem como nos inebriantes e demagogos discursos de Aluízio, que era, sem dúvida, um grande orador.

Os policiais militares fecharam com ele, certos de que teriam melhores dias, uma vez que a Polícia Militar vivia uma de suas crises salariais.

Existiam policiais, que sem nenhum escrúpulo, brigavam por Aluízio dentro de sua própria unidade. A cata dos votos se processava ostensivamente de maneira ridícula, sem nenhuma ética ou zelo à instituição.

Finalmente chegou o dia da eleição. Natal e todo o interior se transformaram num verdadeiro campo de batalha.

Apuradas as urnas, o candidato vitorioso foi o senhor Aluízio. A euforia  tomou  conta  dos  policiais militares aluizistas, pois diziam que depositavam toda esperança no recém eleito chefe do executivo potiguar.

No dia que foi proclamada a vitória do senhor Aluízio Alves, Natal - a Capital do Estado do Rio Grande do Norte - foi transformada num palco de festa e anarquia, com passeatas pelas ruas da cidade. Por onde os partidários de Aluízio passavam iam devastando tudo, quebrando galhos das árvores levando toda ramagem nos ombros, cabeças e mãos, igual a um tenebroso furacão.

E, no dia seguinte, Natal amanheceu transformada num tapete verde com ramas e galhos de árvores espalhados pelo chão.

Capítulo 34

A caneta de ouro dos sargentos da PM

            Os sargentos se reuniram e programaram um jantar para o coronel Luciano. Desta vez, o evento aconteceu na residência de um vereador aluizista, no bairro de Nova Descoberta.

Faltou chão, uma vez que muitos sargentos que não foram ao jantar anterior, porque estavam “em cima do muro”, aderiram ao aluizismo após as eleições e compareceram ao jantar.

Naquela ocasião os sargentos,  mesmo morrendo de fome, ofereceram uma caneta de ouro ao seu futuro comandante, com os seguintes dizeres:

“DOS SARGENTOS DA POLÍCIA MILITAR AO CORONEL LUCIANO”.

A doação da caneta foi o maior quebra-gelo encontrado pelos sargentos, permitindo uma grande abertura junto ao velho coronel.

Na verdade, o objetivo era aquele. E na ocasião fizeram inúmeras reivindicações, dentre elas o direito de usar camisa de mangas compridas, pois à época só quem usava tal uniforme eram os oficiais, sendo proibido aos subtenentes e sargentos porque se pareciam com oficial. E quem se atrevesse  usá-lo seria punido severamente, até com recolhimento ao xadrez - coisa mais do que humilhante e absurda.

O coronel nem pensou duas vezes. Deu a sua palavra de honra de que atenderia às pretensões da sargentada. E para aqueles que conheciam o procedimento de Luciano, sabiam que a sua palavra valia mais que a própria lei, uma vez que, no seu primeiro comando, fora um homem firme em suas decisões.

Capítulo 35

O clima na tropa

             Com a oferta da caneta de ouro, num jantar com saboroso tempero de alegria, alguns oficiais e sargentos passaram a confundir as coisas. Os quais instalaram um verdadeiro clima de terror dentro do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar. Os aluizistas fardados afrontavam diariamente os raros dinartistas dentro do quartel. Era um desatino ridículo. Os adversários do aluizismo baixavam a cabeça diante do comportamento daqueles que não se pareciam em nada com policiais militares.

A disciplina e a hierarquia foram bagunçadas no meio da tropa. E assim, até  sargentos  ameaçavam  de transferir os seus companheiros - subordinados ou superiores - para cidades distantes da capital. E o faziam sem qualquer  sentimento. O interior do quartel foi transformado num campo minado de  conflitos  diários. Os protagonistas daquele jogo sujo partiram  até  para o uso de palavras obscenas contra os policiais que não apoiaram Aluizio.

Quanta baixaria! Que falta de vergonha!!...

Comecei a me decepcionar com os componentes da corporação.

O comandante geral era o tenente-coronel José Reinaldo Cavalcante, comissionado ao posto de coronel que estava aguardando ser promovido ao posto imediato.  Este, com efeito, contava apenas os dias para efetivar a passagem do comando da corporação ao seu velho comandante. E preferiu fechar os olhos a tanta desordem.

Capítulo 36

A posse de Luciano no Comando da PM

            Com Aluízio já governador, o coronel da Reserva Remunerada de Cavalaria do Exército, Luciano Veras Saldanha, assumiu o Comando Geral da Polícia Militar, às 8 horas, no incío do mês de fevereiro de 1961. A tropa em forma no pátio anterior do Quartel do Comando Geral, o coronel José Reinaldo passou o comando da corporação militar ao seu novo comandante geral.

Vestindo, impecavelmente, a farda caqui da Polícia Militar, sobre os seus ombros as insígnas de oficial superior, devidamente comissionado a coronel fechado da organização policial militar, por decreto do Governador do Estado do Rio Grande do Norte, o coronel Luciano diante da tropa pronunciou o seu solene discurso, que, acima de tudo, ficou registrado na história da corporação:

“Assumo o Comando da Polícia Militar. Não tenho rabo de palha como muita gente boa tem aqui, que não pode dobrar naquela esquina ali que o seu rabo pega fogo  (apontando com o dedo indicador para a esquina do quartel que ficava ao seu lado direito). A roda grande vai entrar na pequena! Só quero ver aqui eu e O CARNEIRINHO da banda de música, pois quem não prestar eu ponho no olho da rua”.

Bem enfático, o velho coronel, finalmente, concluiu:

“E tem mais!!... Eu não comandarei uma tropa com fome, porque uma tropa com fome a disciplina entra pela boca, pois saco seco não se põe em pé”.

O velho Luciano chegou com tudo! Conhecendo-o como a maioria da tropa o conhecia!!... Ninguém duvidava de nada!

As palavras de Luciano mexeram com a emoção dos policiais militares, a ponto de um oficial, gritar:

“UIPIURRA, coronel Luciano!!!”

E toda a tropa, sem entender o que diabo queria dizer aquela palavra - UIPIURRA -, gritou:

“UIPIURRA, coronel Luciano!!”

Mas, os policiais gostaram e repetiram:

“UIPIURRA, coronel Luciano!!

Poucos policiais militares sabiam o porquê daquelas palavras ásperas do novo comandante. É que ao deixar o seu último comando da PM, alguns oficiais que não lhe eram simpáticos dirigiram-lhe algumas pilhérias e ele as engoliu calado, posto que já estava fora do comando. Retornando ao seu antigo cargo, ele chegava com duas “quentes e uma fervendo”, e não poupou os seus algozes, cuja maioria já se encontrava na reserva remunerada da instituição militar.

Capítulo 37

Primeira punição disciplinar

           Os sargentos que aderiram aos defensores fervorosos do retorno de Luciano ao comando da Polícia Militar, com tudo quanto ele tinha direito – banquetes,  caneta de ouro e as honrarias inerentes  ao cargo de comandante geral -, foram contaminados pela euforia do aluizismo, e esqueceram-se de que o novo comandante era caxias. Deveras, muito Caxias!

Sem escrúpulo, chegaram a transpor os limites dos pilares da disciplina e da hierarquia, estremecidos pela politicagem nojenta praticada dentro da corporação.

Ocorreu, naquele tempo, a primeira punição assinada com dita caneta de ouro. Adivinha contra quem!?... Contra o sargento Geraldo  - um dos doadores da dita caneta de ouro. E foi de 30 dias de prisão, recolhido ao xadrez. O qual já estava insatisfeito com Luciano e Aluizio.

A medida punitiva do comandante não agradou em nada aos subtenentes e sargentos, que tentaram reverter o ato do comando. Ele, porém, não cedeu. E a classe ficou de “Orelha em pé”. Não obstante, os audaciosos atos de indisciplina praticados por Geraldo,  não deixaram brecha à sua defesa.

Desde então, as punições foram acontecendo. Tudo fazia crer que muitos haviam construído o seu castelo em cima de dunas, ao invés de construí-lo sobre rochas. Todavia, a maioria, que se reservava, continuava desfrutando do prestígio junto ao coronel Luciano, a quem ele agradecia estar de volta ao comando da corporação.

Geraldo, realmente, foi a ovelha negra naquela história.

Na esfera executiva, os primeiros atos do Governador Aluízio Alves foram fulminantes para os servidores civis e militares. Ele tornou sem efeito um aumento de quatro mil cruzeiros que o ex-Governador Dinarte Mariz havia concedido ao funcionalismo. Naquela época, as coletorias  do interior do estado eram responsáveis pelo pagamento dos funcionários que serviam no interior. E o pagamento do primeiro mês de aumento já havia acontecido.

O governador determinou o retorno dos quatro mil cruzeiros aos cofres do estado e deu aos servidores estaduais, numa situação emergencial, um crédito de hum mil cruzeiros numa caderneta, cuja capa era verde para os policiais militares e marron claro para os civis.

Com o crédito, eles só compravam na cantina da Polícia Militar, que era instalada no interior do quartel do Comando Geral. E quem não o utilizasse, ficaria “chupando o dedo”.

Dia-e-noite, formavam-se intermináveis filas de funcionários e familiares, a fim de efetuarem suas compras na cantina da Polícia Militar. As filas davam volta em torno do quartel. Viam-se mães de família, mulheres gestantes e pessoas idosas, impacientes, enfrentando aquelas horríveis filas. Passadas de fome, muitas mulheres sofriam desmaios. Outras choravam desesperadas com a demora vendo seus filhos sofrendo com a fome que os castigava. Quantas donas de casa no desejo de saciar a fome dos seus filhos ultrapassavam o valor de suas compras, deixando-as nos limites dos minguados hum mil cruzeiros.

Capítulo 38

Aluízio jogou pesado com a PM

          Um ato para arrasar com a Polícia Militar, o governador o fez publicar no Diário Oficial do Estado. Por decreto, rebaixou os policiais militares que foram promovidos no final do mandato do Governador Dinarte Mariz.

E assim,  rebaixou de tenente-coronel para major, de major para capitão, de capitão para 1º tenente, de 1º para 2º e deste para a graduação de praça.

Teve um caso estarrecedor com o 1º tenente Pedro Joaquim da Costa. O oficial era 1º sargento, que foi promovido à graduação de subtenente por contar 30 anos de serviço, e conseqüentemente, aos postos de 2º e 1º tenente,  porque lutou contra os comunistas de 1935, que invadiram o Quartel da então Força Pública, e por haver servido ao país, na Segundo Guerra Mundial.

O Governador Aluízio rebaixou o 1º tenente Pedro à graduação de 1º sargento. Porém, grande foi a indignação do referido oficial, o qual acionou a justiça e reconquistou os seus direitos. E, quem buscou a justiça, teve o seu direito restabelecido.

Não só os prejudicados, mas toda a corporação passou a ter dúvida sobre o mundo fantástico que fora fantasiado por Aluízio e seus seguidores milicianos durante a campanha.

Os aluizistas da farda perderam o encanto diante do não cumprimento das promessas de campanha. Os dinartistas aproveitaram para ir à desforra dizendo:

“Cadê o seu governador!? Cadê!?...” – perguntavam enfurecidos.

Capítulo 39

A bandeira e o Tribunal

           Na noite do dia 22 de abril de 1961, em frente ao Tribunal de Justiça, e ao mesmo tempo em frente ao Palácio da Esperança - nome que recebeu o Palácio Potengi -, um desconhecido hasteou uma bandeira da campanha de Djalma Marinho, que fora   adversário de Aluízio.

Sendo dinartista a maioria dos desembargadores, Aluízio ao tomar conhecimento, no dia seguinte – 23 de abril -  publicou no Diário Oficial nota de gabinete nos seguintes termos:

“Gabinete do Governador - Nota. O Governador do Estado teve conhecimento, hoje, às 9 horas, de que mãos anônimas haviam, durante a noite, hasteado, em frente ao edifício do Tribunal de Justiça uma bandeira vermelha-azul marinho que, na última campanha eleitoral, era símbolo de uma corrente política.

Muito embora a cidade, nos seus postes e casas, ostente, ainda, as bandeiras que representam as facções que disputavam o pleito, sendo lícito a qualquer pessoa, em qualquer tempo, exprimir,  por tais processos simbólicos, as suas atitudes, recomendou o Governo ao Secretário de Segurança Pública que fosse retirada do poste fronteiro aquele edifício a bandeira aludida, como homenagem ao Tribunal de Justiça, que deve pairar pela sua própria função constitucional.

Nesta oportunidade, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte faz um apelo a todos os riograndenses do norte, que apontem ou discordem das decisões do Poder Judiciário, aprovando-as ou desaprovando-as, como é legítimo a qualquer cidadão...”

O Secretário de Segurança, capitão do Exército José Leão Filho, determinou ao Comandante Geral da Polícia Militar que uma guarnição da corporação se deslocasse ao Tribunal de Justiça, e com o auxílio de uma escada retirasse a bandeira adversária, que estava causando pavor ao bloco aluizista.

Capítulo 40

A pracinha e o símbolo

          Aluizista de carteirinha, o comandante Luciano mandou colocar  nas viaturas da corporação decalques com um dos símbolos da campanha política de Aluízio - uma mão fechada com o polegar para cima.

Em frente ao rancho da unidade mandou construir uma pracinha com uma fonte luminosa ao centro. A fonte foi revestida com azulejos nos quais desenhada a dita mão da campanha política. No dia da inauguração, com coquetel,  banda de música e discursos, Aluízio lá não foi; preferiu mandar o seu Secretário de Segurança, capitão  José Leão Filho.

Os dedos desenhados no azulejo, com o efeito da reflexão da luz na água formavam uma sombra avessa. Luciano muito admirado e empolgado com a sua obra-de-arte, eis que se achegou a ele um soldado e disse:

  • Mas, óia, coroné!!...
  • Diga, doutor!... - atendeu Luciano.
  • Os dedos de Aluízio estão de cabeça pra baixo!!...

O velho coronel ficou virado numa fera com aquela observação do seu comandado.

Essa obra passou a ser motivo de muitas críticas feitas pelos   policiais militares mais sensatos, os quais achavam que a Polícia Miliitar não deveria ser palco politiqueiro. Mas o foi. E, íàs vezes, ainda o é.

 

Capítulo 41

O abono de emergência de Aluízio

               O crédito dado nas cadernetas, que era um valor irrisório, em nada melhorou a vida dos funcionários. Dentro do Quartel da Polícia Militar, ninguém mais queria ser partidário de Aluízio. A tropa, decepcionada e desiludida, não via nenhuma perspectiva para melhores condições de vida. A comunidade miliciana vivia um verdadeiro desencanto.

Vem o final do ano de 1961. O governador deu um abono de emergência aos servidores civis e militares, mas num pequeno percentual, que não resolveu nada. E suspendeu o crédito concedido no início do seu governo.

Os valores das compras realizadas pelos servidores na cantina da Polícia Militar foram descontados do mixuruca abono de emergência.

Sabendo que sobre o abono dado não podiam incidir as gratificações, o governo viu que esta seria a maneira mais correta para esvaziar a folha de pagamento do funcionalismo, impondo-lhe uma vida miserável, especialmente, aos policiais militares.

Continuando, no ano seguinte Aluízio deu mais abono ao servidor, todavia, não se aproximava à realidade do custo de vida. Na Polícia Militar, por exemplo, o salário de um terceiro sargento não chegava ao valor de um salário mínimo. A Polícia Militar foi classificada  pela imprensa nacional como a organização policial militar mais pobre do país.

 

Capítulo 42

Campanha para deputado

          A desculpa sobre a ausência de melhores condições salariais para o funcionalismo era a de que Aluízio não contava com maioria na Assembléia Legislativa e para tal precisava fazer maior número de deputados nas eleições para a escolha de novos representantes do Poder Legislativo Potiguar, que naquela época não coincidia com a eleição majoritária.

O governador, utilizando-se dos meios de comunicação, fazia pronunciamento dramático e chamava à atenção dos funcionários civis e militares, pedindo-lhes que votassem nos candidatos da situação. E a tropa - na sua maioria - votou nos candidatos do governador, exceto os dinartistas mais radicais. E mais uma vez, foi lesada pelos oficiais inescrupulosos, que fizeram dos seus gabinetes comitês eleitorais, transformando o Quartel da Polícia Militar  num antro politiqueiro. Uma grande falta de vergonha.

A bancada governista fez maioria na Assembléia Legislativa. As esperanças da tropa foram reabilitadas. Com a maioria dos deputados, o governo aprovaria as suas mensagens de reajuste salarial para os servidores. O desavergonhado aluizismo fardado passou a “dar as cartas” e zombava dos poucos dinartistas.

 Empossados os novos deputados. Passaram-se dois meses... três meses... seis meses... E nada! Nada, entretanto, mudou, senão as constantes perseguições na Polícia Militar, através de um regime rígido, com a aplicação de punições perversas, chegando até a rebaixar o homem por 60 dias; isso quer dizer que o cidadão teria o seu salário diminuído ao posto anterior – se 3º sargento, ganharia como cabo, etc.

Revoltados, os sargentos se organizaram em comissão e foram falar com o Coronel Luciano, a fim de solicitar que ele fosse ao Governador Aluízio na busca de melhores vencimentos.

O governador, entretanto, não deu ouvidos ao coronel Luciano. Nem tampouco melhorou a situação da tropa que se alimentava no rancho.

Visando minimizar o sofrimento dos seus comandados, o coronel Luciano procurou a Sudene, que distribuía alimentos do Programa Aliança para o Progresso, criado pelo Presidente Kennedy, dos  Estados Unidos, destinado a socorrer os países pobres, onde conseguiu gêneros alimentícios para  abastecer o rancho. No almoço era servido um feijão que a tropa o denominou de “feijão Sudene” e fogo nenhum do mundo cozinhava. No jantar era sopa de bugol - uma espécie de arroz de péssima qualidade -, que até os porcos faziam cara feia para comer.

A insatisfação crescia de maneira assustadora no seio da tropa. A alimentação, que o rancho servia, era pobre em nutrientes, deixando o homem subnutrido e cadavérico. O índice de policiais militares tuberculosos causava espanto ao serviço médico da corporação.

Estressados com apertadas escalas de serviço e péssimos alimentados, diversos policiais desmaiavam dentro do quartel ou em via pública. Numa formatura geral, dois soldados desmaiaram, quando o tenente Damacínclito Menezes gritou:

“Bota no tambor do lixo!”

A onda de perseguições e desilusões fugia do controle, gerando constantes desentendimentos entre Luciano, oficiais e praças. Estes últimos estavam levando o comandante na “gandaia”. E o que Luciano falava era igual a um risco no chão que se apaga com o soprar do vento.

Capítulo 43

Fui promovido a 3º sargento

          Em outubro de 1961, fui aprovado no exame de seleção para o curso de terceiro sargento de fileira. Foram 75 candidatos, dos quais só 15 tiveram sucesso, mas o comandante determinou que o curso funcionasse com os 75.

O curso funcionou durante nove meses, nos dois expedientes. Existiam instrutores tão chatos e desinteligentes que nos deixavam querendo desistir do curso. Tinha aquele tenente muito do besta que nos dias de prova saia por cima das bancadas de cimento onde funcionava o curso, pisava até nas provas. Ele dizia que era para evitar que alguém colasse e ameaçava desligar do curso se flagrasse um aluno colando. Com tanta tolice, os alunos colavam até na ocasião que ele pisava nas provas.

A maioria  dos instrutores não fazia nada de louvável.  Sem didática, eles  só sabiam nos ameaçar com punições disciplinares ou desligamento do curso, deixando-nos estressados e sem estímulo.

Belo incentivo!!...

Eu tentei diversas vezes deixar o curso, mas graças a Deus, e Diretor de Ensino, coronel José Almeida, que me aconselhou a não desistir.

Em julho de 1962, eu e meus companheiros fomos promovidos à graduação de terceiro sargento. E, como sargento, procurei, a cada dia, aprimorar os meus conhecimentos intelectuais.

Capítulo 44

O grupo renovador

              Apesar das terríveis dificuldades e sem nenhuma esperança de melhores condições de vida, um grupo de policiais militares com o pensamento voltado aos interesses comuns dos irmãos de farda e apoiado pela Assistente Social da corporação, Maria das Dores Costa, fundou o Grupo Renovador, que teve como membros o tenente José Freire Sobrinho, os sargentos Gil Xavier de Lucena, José Neris  Sobrinho, Fernando Dantas, José Eustáquio de Morais, Júlio Ribeiro da Rocha, soldado Paulo, outros oficiais e praças cujos nomes me fogem à memória.

Das reuniões do Grupo Renovador participavam, quando convidados, o Coronel Luciano, e o Capitão Capelão Padre Manoel Barbosa de Vasconcelos Filho.

Luciano era muito vaidoso, quando  se sabia administrar, habilmente, um entendimento com ele. Os integrantes do grupo foram reconquistando a confiança do velho comandante com o objetivo de criar nele novos conceitos na busca de uma solução para os problemas  gravíssimos que envolviam a Polícia Militar.

Aos poucos e com muita cautela, o Grupo Renovador foi levando sugestões ao coronel comandante, nas quais estavam incluídas as  questões salariais.

Entretanto, no que se referia aos vencimentos da tropa, suas respostas jamais foram satisfatórias e  sempre as mesmas:

“Falei com Aluízio, ele disse-me que vai estudar”.

Apesar da intranqüilidade dentro da corporação, muitas idéias boas foram aproveitadas do grupo, dentre as quais destacamos a exploração do Sítio Rocas de propriedade da Polícia Militar, que se localizava às margens da estrada Natal-Redinha e do Rio Potengi.

Na nossa proposta, constava a fundação de uma cooperativa que seria administrada por uma comissão constituída por membros do Grupo Renovador, a qual cuidaria da ampliação do projeto, mas o comandante preferiu designar um policial militar totalmente alheio aos nossos desejos.

Através daquele programa tivemos a satisfação de vermos muitos policiais militares levarem frutas, verduras e peixes para os seus lares, a fim de saciarem a fome dos filhos; tudo a baixo custo. Esse privilégio, porém, não foi cultivado pelos comandantes seguintes da corporação, causando uma tremenda falta na mesa de muita gente.

Capítulo 45

Eleição do sargento Gil

            Nasceu do Grupo Renovador a iniciativa sobre o lançamento de um sargento candidato à presidência da Sociedade Beneficente dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar - SBSS - sendo, inicialmente, apresentado o nome do Sargento Francisco Félix de Lima, o qual não aceitando apresentou o nome do Sargento Gil Xavier de Lucena.

Lançamos a candidatura de Gil, que teve boa aceitação pelos sargentos, também agradando ao Coronel Luciano, não havendo oposição.

 Gil foi eleito e constituiu a sua diretoria, destacando-se como diretores Francisco Félix, João Xavier Filho (irmão de Gil),  Júlio Ribeiro da Rocha (o autor desta obra) e Antônio Batista Gomes.

A posse da nova diretoria ocorreu no mês de junho de 1963. O sargento Gil, que desfrutava de largo conceito perante a sociedade local, especialmente no mundo intelectual, convidou várias figuras ilustres para a sua festa de posse, razão pela  qual despertou à atenção de alguns segmentos do alto escalão da corporação, tendo em vista que a Polícia Militar encontrava-se com o moral em baixa, sem nenhum prestígio perante a sociedade.

Existia uma verdadeira manipulação do Comandante Geral da Polícia Militar junto aos poderes do Clube dos Sargentos. Os associados elegiam o Conselho Deliberativo que se constituía de 12 sócios, o qual  elegia o Presidente e o Vice da Diretoria Executiva. Mas teria que ser um candidato do comando e subtenente. Eleito o candidato do comando, o mesmo conselho mandaria uma lista com os nomes de 3 subtenentes para o comandante escolher o Presidente do Conselho Fiscal.

Fiz uma campanha para reformar o estatuto social da entidade, a fim de acabar com as intervenções do comando, cujo objetivo maior seria o de manter a classe amordaçada. Atendendo minha  proposta, que fora assinada por dezenas de sócios, o Sargento Gil convocou uma assembléia, sendo o estatuto reformado. Eliminamos o Conselho Deliberativo, e o Presidente e o Vice-Presidente da Diretoria Executiva, assim como o Presidente do Conselho Fiscal passaram a ser eleitos pelos sócios em assembléia geral.

O comandante não gostou da idéia e ameaçou intervir na assembléia, mas os sócios o proibiram comparecer à assembléia, bem como do seu representante, e ainda, colocaram um aviso à entrada do clube, que dizia textualmente:

“Fica proibida a entrada do Comandante Geral ou do seu represente legal”.

Ele não foi, preferindo, contudo, mandar um oficial, que ao ler o aviso, deu meia-volta e desapareceu.

Não fazia muito tempo da posse de Gil quando os sargentos da Polícia Militar do Estado do Piauí decretaram greve em prol de melhores salários, com ampla divulgação na imprensa nacional.

A diretoria do sargento Gil enviou um telegrama aos sargentos daquele estado, hipotecando-lhes irrestrita solidariedade, cujo documento foi lido sucessivas vezes pelas rádios da capital potiguar, bem como publicado pelo jornal de maior circulação no estado.

A atitude assumida pelos sargentos resultou em inúmeras providências adotadas pelo Comando Geral da Polícia Militar, dentre as quais a instauração de Inquérito Policial Militar com o objetivo de enquadrar os diretores da associação.

No mesmo dia desta medida, o coronel Luciano desceu do seu gabinete e foi direto ao Corpo da Guarda do Quartel. De lá mandou chamar o presidente Gil que o atendeu de imediato.

 Luciano determinou ao sargento Comandante da Guarda que recolhesse Gil ao xadrez, porém, foi surpreendido com a solidariedade de todos os diretores da associação que incontinente se apresentaram ao comandante para serem recolhidos também.

Luciano recuou na punição ante a pressão dos sargentos, preferindo voltar, às pressas, ao seu gabinete.

No dia seguinte, por ocasião da revista matinal à tropa, o coronel Luciano sentiu-se mal e conduzido apressadamente  ao hospital da corporação,  onde foi examinado pela Junta Médica daquele hospital, que o proibiu,  por 30 dias, de subir as escadas de acesso ao seu gabinete.

Capítulo 46

A Casa do Sargento

             Tão logo ocorreu a posse da nova diretoria, fomos convidados  para uma reunião que se realizaria na Assen - Associação dos Subtenentes e Sargentos do Exército em Natal. Chegamos à hora marcada. Tratava-se de um encontro dos sargentos das quatro forças, tendo em pauta vários assuntos, dentre os quais  a situação nacional.

Faltou espaço!

Abrindo os trabalhos, usou a palavra um sargento da Aeronáutica, o qual  se  referiu  sobre  a  finalidade  daquela  reunião  e  apresentou os companheiros que haviam chegado de Brasília, de São Paulo, e do Rio de Janeiro, com a finalidade de participarem daquele encontro. O orador, num longo e eloqüente discurso, explicou que o planejado evento tinha  o objetivo de fundar uma filial da Casa do Sargento, já existente em quase todos os estados, com sede no Distrito Federal.

O segundo que falou foi o representante da diretoria da matriz daquela instituição. O tema principal, evidentemente,  abordado foi a importância da entidade de classe recentemente fundada, tendo como finalidade essencial a união dos sargentos das Forças Armadas e Polícias Militares do Brasil. Encerrando o seu discurso, submeteu à apreciação dos presentes a criação da filial no Rio Grande do Norte. Foi aprovada, à unanimidade.

Sucederam-se outros oradores. Todos bons! Com veemência defendiam a união dos subtenentes e sargentos. Deram um banho de conhecimento sobre a realidade brasileira. Tudo que eles falavam era só para o bem do Brasil. Divulgaram a relação de vários livros existentes nas livrarias e bancas de revistas. Leram trechos de alguns daqueles livros.

Para encerrar o evento, foi eleita a diretoria representativa no Rio Grande do Norte, cabendo a primeira secretaria a um companheiro da Polícia Militar, que lavrou a sua primeira ata num livro destinado para tal fim.

Casa do Sargento, criada por um segmento militar visto como a espenha dorsal da tropa,  foi motivo de tremenda dor de cabeça para as autoridades militares de todo o país.

Os comandantes militares, especialamente, entendiam que os sargentos estariam a poucos passos para efetivarem um movimento nacional, considerando a valocidade como os fatos se desenrolavam.

Capítulo 47

Gil rejeitou ser oficial

            Várias propostas dos sargentos reivindicando reajuste salarial foram encaminhadas ao governo, o qual continuava indisposto sem abrir espaço a uma negociação.

A diretoria da associação realizou sucessivas reuniões dentro de poucos dias com o coronel Luciano, cobrando dele uma posição mais enérgica. Na última reunião, o comandante bastante chateado, falou:

  • Eu já falei com Aluízio!!...
  • E qual foi a resposta, coronel? - perguntou Gil.
  • Ele disse que vai estudar.
  • Mas estudar até quando, comandante? – indagou Gil.

No dia da última conversa com o comandante, que não apresentou nada de positivo, os sargentos exigiram de Gil uma atitude mais concreta e que fosse capaz de gerar impacto perante as autoridades e à opinião pública, visto que Aluízio não estava dando a mínima às propostas apresentadas.

O comandante ao tomar conhecimento sobre o firme propósito dos sargentos, e  que a tropa seguiria os seus passos, foi correndo ao Hospital da Polícia Militar onde Gil trabalhava como burocrática. Lá no hospital, trancou-se com Gil no gabinete do diretor, querendo que ele desistisse de levar avante as pretensões dos sargentos. Foram duas horas  de  diálogo  sem  sucesso.  Concluindo,  o coronel ofereceu-lhe o curso de oficial da corporação com tudo pago pela Polícia Militar - do espadim à farda - inclusive sem fazer os exames de seleção, considerando que Gil era um intelectual.

Ele, que era homem de muita fibra, não cedeu à proposta do comandante e com absoluta convicção respondeu para Luciano que jamais abriria mão, pois o mesmo era o representante dos sargentos, e em hipótese alguma os trairia. E com muita coragem acrescentou:

“Coronel, vai chegar a hora que nós deixaremos o senhor de lado, por que o senhor até agora não tem conseguido resolver nada sobre as nossas reivindicações junto ao governador Aluízio”.

Aquela resposta deixara o coronel Luciano profundamente amargurado, o qual deixou o sargento Gil sem dizer mais uma só palavra, pois ele percebera que estava encurralado pelos sargentos, que  não aceitavam mais as  desculpas procedentes do Palácio da Esperança.

Capítulo 48

Aluízio mandou prender o

sargento Estelito

          Um fato novo aconteceu com o sargento Miguel Estelito de Sousa, que era Delegado de Polícia na Cidade de Montanhas, no interior do estado.

Estelito conquistara a simpatia do povo da cidade. Ele prestava assistência à população carente com serviços de enfermagem e distribuição de medicamentos. Sua fama de bom policial e cidadão de bem se espalhou pelo município e cidades vizinhas, o qual era procurado por todos, que os atendia sem distinção de cor, religião ou política.

O nome do sargento delegado passou a ser cogitado,  com ampla divulgação e aceitação, como candidato à prefeitura local, causando inveja aos líderes políticos e correligionários do Governador Aluízio Alves, ao qual solicitaram a demissão imediata do sargento delegado.

Aluízio mandou demitir o sargento Miguel Estelito e recolhê-lo ao Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, cujo policial fora punido com 30 dias de prisão e recolhido a um xadrez imundo com dois metros quadrados.

Sua prisão gerou grande revolta não só aos subtenentes e sargentos, mas, especialmente, no meio da tropa vez que o policial militar preso era bastante admirado pelos praças da instituição policial militar.

A atitude de Aluizio provava que era falsa toda aquela essência de homem bom. E que desde o início do seu governo, mostrara o seu descontrolado desejo de perseguir o servidor público, o fazendo, contudo, com maiores proporções  contra os policiais militares.

A notícia sobre a prisão do sargento Estelito causou indignação à população da cidade de Montanhas, bem como perante toda a sargentada das Forças Armadas.

Os sargentos da Força Aérea Brasileira, ao tomarem conhecimento, foram visitar o seu colega policial militar. Pararam um ônibus bem grande da FAB, conhecido  como “papa fila”,  em  frente  ao portão das armas do Quartel da Polícia Militar. O veículo estava lotado, mas só desceram 12 sargentos, os quais procuraram o oficial de dia que era o lº tenente Pedro Rodrigues dos Santos, a quem solicitaram visitar o sargento Estelito.

O tenente ficou assustado com a presença dos sargentos de outra força querendo visitar um companheiro da Polícia Militar, numa demonstração de calorosa solidariedade humana, coisa que, aliás, sempre estava em falta na Polícia Militar, mais precisamente no oficialato.

Os sargentos foram levados à presença do coronel Luciano, que surpreso com a manifestação daqueles sargentos, falou rispidamente:

“Eu estranho muito esta presença coletiva de vocês aqui, pois não é comum visitarem seus colegas presos disciplinarmente em outra unidade”.

Pelas etiquetas de identificação - crachás - o coronel Luciano anotou os nomes de guerra dos sargentos, mandando-os que fossem visitar o seu colega preso, mas no dia seguinte remeteu ofício ao coronel Salema, Comandante da Base Aérea, ao qual informava ser um ato de indisciplina o que os seus comandados haviam praticado.

O coronel Luciano, aquele homem íntegro que soubera manter o princípio da autoridade, começara a perdê-lo perante os seus comandados. E foi vivendo este quadro que o comandante mandou chamar o sargento Gil, determinando recolhê-lo à prisão. Porém, mais uma  vez, recuou em sua decisão, pois  os diretores invadiram o gabinete do comando e avisaram que o seu presidente só iria preso se eles fossem também.

A visita inesperada dos sargentos da FAB botou mais lenha na fogueira da tropa enfurecida. Com a autoridade em queda livre, o coronel Luciano passou a ser desacreditado perante todos, por conseguinte, a sua palavra não era levada em consideração. E os policiais militares só acreditavam na posição que o sargento Gil tomava.

Vítima da miséria que assolava os seus lares com freqüentes internamentos de seus filhos no hospital da corporação, cujos diagnósticos só registravam desnutrição, os policiais esperavam, tão-somente um comando saído da boca do seu líder - o sargento Gil Xavier de Lucena.

Capítulo 49

Estelito forçado a pedir baixa

           Após ser posto em liberdade, Miguel Estelito passou a ser vítima de permanentes perseguições - coisa que se fazia muito bem na corporação.

Reiteradas vezes ele foi chamado pelo oficial de gabinete do comando geral, que lhe entregava um documento devidamente datilografado para assiná-lo requerendo a sua baixa das fileiras da Polícia Militar. O sargento, contudo, se recusava fazê-lo. O oficial, sem êxito, comunicava ao seu comandante que o sargento Estelito se negava a assinar o documento. Depois de várias tentativas sem sucesso, o mesmo oficial de gabinete, por determinação superior, mandou chamá-lo  e com o dito requerimento nas mãos, foi explícito:

“Assine aí, doutor!! Ou você assina, ou será expulso da Polícia! Escolha!!...”

O sargento recusou-se assiná-lo. Ele, que não tinha outro meio de vida, e pai de família, resistia em não assinar o tal requerimento. As pressões dos que chaleiravam o comandante não lhe davam folga. Todo dia, Miguel Estelito estava enfrentando uma verdadeira prova de fogo, pois na corporação existia muita gente que, a fim de agradar a quem estava no comando, vendia até a sua alma ao diabo.

O maior receio de Miguel Estelito era o de ser expulso. A expulsão, à época, causava pavor. Era um ato triste e perverso. Horroroso! Deprimente! Colocavam o expulso em frente à tropa formada. Sua farda era rasgada, deixando-o só de cueca, enquanto a tropa, obedecendo a um comando dado através do toque de cornete, virava-lhe as costas e a banda de corneta repinicava, melancolicamente, os seus taróis. E, o cidadão saia escoltado para ser entregue à Chefatura de Polícia, que depois virou Secretaria de Segurança Pública;  Secretaria de Defesa Social; e mudou de nove para Segurança Pública e Defesa Social. 

 O cidadão expulso da PM seria fichado pela Chefatura de Polícia como mau elemento, e conseqüentemente impedido de conseguir um emprego ou fazer concurso público durante dois anos.  E Ainda ficava preso injustamente por alguns dias ou semanas.

Estelito temia ser vítima dos atos bárbaros praticados à sanha da lei. Sem nenhum respeito ao sentimento humuno.

Oh, que coisa cruel!

O oficial de gabinete, contudo, não desistiu. E seguindo ordens expressamente severas, mandou chamar o sargento Miguel Estelito, asseverando-lhe:

“O comandante não quer nem lhe vê. Assine aqui este requerimento e não diga nada, caso contrário, você será expulso amanhã. Assine!!...”

Não teve outra alternativa para o sargento, que assinou o requerimento, sendo submetido, de maneira desumana à tamanha injustiça.

O coronel Luciano enfrentando a pressão dos sargentos e a insatisfação da tropa, esqueceu-se de mandar publicar a baixa do sargento Estelito no boletim da caserna, ocorrendo um retardamento de meses.

Capítulo 50

Gil é pressionado pela tropa

              No Quartel do Comando Geral, os policiais não se entendiam. Os quais viviam num clima de agitada insatisfação. Com o moral em baixa, a tropa não contava com a possibilidade de uma melhoria salarial, porquanto na interpretação deles o   comandante geral da corporação os abandonara.

A visão dos policiais não estava correta. Luciano é que não teve prestígio suficiente junto ao governador Aluízio Alves, que não lhe dava ouvidos às reivindicações apresentadas.

Nos últimos dias do mês de agosto de 1963, a situação chegou ao seu ponto crítico e saíra mesmo fora do controle. Os sargentos desesperados procuraram o presidente Gil, cobrando-lhe, mais uma vez, uma posição firme e definitiva.

Todos os dias o serviço médico registrava casos de desmaios de fome, dos quais eram vítimas os policiais militares. O índice de tuberculose chegara a um percentual altíssimo, causando espanto ao serviço médico da Polícia Militar.

 O decreto para incorporação abria e fechava sem aparecer uma só pessoa para servir à PM.

Os sargentos solicitaram uma Assembléia Geral dentro de 48 horas. De imediato, o sargento Gil atendeu ao pleito dos seus companheiros. À reunião estiveram presentes deputados do governo e um nutricionista. Este último deu o seu parecer  num documento que os sargentos dirigiram ao governador Aluízio por intermédio, ainda, do coronel Luciano, sem, no entanto, receberem qualquer resposta satisfatória sobre as suas  reivindicações, senão aquela já bastante conhecida:

“Aluízio disse-me que estava estudando!"

Os sargentos com os seus soldados ficaram mais revoltados e decepcionados diante daquele grande descaso do governador Aluizio, e  a tropa, com mais fúria, jogava toda a culpa no coronel Luciano, acusando-o acintosamente, cara-a-cara, como responsável pelo clima de desespero que tomara conta da caserna e dos lares milicianos, com reflexos desastrosos perante a opinião pública.

Os sargentos e a soldadesca exigiam que o sargento Gil tomasse uma atitude que fosse capaz de causar maior impacto junto ao governo e ao povo, já que, até então, não havia qualquer providência a fim de equacionar o aquele cruciante problema.

Capítulo 51

Quadro de miséria

                  Os salários  baixíssimos não despertavam interesse para o cidadão servir à instituição. As inscrições para a seleção do curso de oficiais abriam e fechavam por falta de candidatos. Ninguém queria se inscrever. Ser oficial seria uma péssima escolha. Não existia perspectiva de melhora nem para quem chegava ao coronelato, isto por que  Aluízio ao assumir o governo houvera dado um golpe arrasador nos coronéis; e demais oficiais, os quais de acordo com a Lei Estadual nº 1.416, do governo Silvio Pedrosa, tinham os seus vencimentos equiparados aos  vencimentos do juiz de primeira instância e estabelecia tabela proporcional para oficiais, enquanto o resto da tropa recebia o salário mais baixo do país.  O governador mudou aquele referencial, reduzindo os valores do maior posto em mais de cinqüenta por cento, bem como dos demais oficiais.

Com os vencimentos minguados, a maioria dos oficiais que desfrutava “status” bem diferente da tropa, ficara omissa à posição do coronel Luciano e de camarote apreciava a queda de seu comandante.

O quadro de miserabilidade que vivenciava a Policia Militar chegava às páginas dos jornais de grande circulação do Estado do Rio Grande do Norte. O jornal que deva maior destaque era A ORDEM, de propriedade da Arquidiocese Metropolitana.

Chegamos ao mês de setembro. Os jornais não falavam noutra coisa, senão sobre o quadro aflitivo que estavam vivendo os policiais militares.

As manchetes chamavam à atenção dos leitores. O jornal A Ordem publicava:

“FOME E HUMILHAÇÃO NA POLÍCIA MILITAR”.

De fato, na Polícia Militar existia fome, que precisava, urgentemente, ser saciada. Um soldado da Polícia Militar ganhava de vencimentos menos de um salário mínimo da região, e um 3º sargento, também, não chegava lá.

Os policiais não compravam nada fiado no comércio. Eles eram escorraçados da sociedade. Dos policiais seria impossível lhes exigir fidelidade à lei e aos regulamentos da caserna, sem haver suborno e corrupção.  Não havia possibilidade de resistir aos anseios que a miséria lhes proporcionava. Sobre este aspecto, surgiam punições diariamente. Pois a penúria conduzia os homens ao desespero, que procuravam refúgio através de atos desonestos, ultrapassando as fronteiras da razão.

Capítulo 52

A parada militar

               Chegou o dia 7 de setembro - dia da Parada Militar. Foi num sábado. Enquanto acontecia o desfile, a população lia nos jornais da cidade a situação dramática dos policiais militares.    As manchetes enriquecidas por toda aquela situação deplorável que efetava profundamente a vida da comunidade miliciana, deixavam a população pasma.

O jornal que as publicava com fervoroso destaque era o da igreja Católica - A Ordem -, cujo título colocava em xeque-mate o descaso do governo diante da função policial de um pai de família faminto.

A polícia militar que carregava através dos tempos uma história cheia de glórias e tradições, via os seus integrantes  enfrentarem um dos piores dramas da corporação: O DRAMA DA FOME.

Dos jornais destacamos estes trechos:

“... Logo mais, os bravos soldados da Polícia Militar estarão desfilando, no seu uniforme de gala, pelas ruas da cidade, comemorando a  data  magna  da  nacionalidade.  Se  desviarmos a atenção da vistosa farda e a fizermos nos rostos, havemos de descobrir os reflexos da subnutrição desses homens, nos olhos encovados, nas rugas prematuras, na expressão de fadiga. Eles são vítimas de uma injustiça social com que urge terminar”.

Chocante mesmo era este destaque  em outro jornal:

“Ser soldado da polícia é um título de mendicância. Ouvimos de uma freira que dirige uma casa de assistência num dos bairros pobres da cidade, que quando aparece alguém da família de um soldado pedindo auxílio, surgem logo os protetores voluntários: IRMÃ, AJUDE ESSA MULHER, QUE O MARIDO É SOLDADO DA POLÍCIA...”

E finalizava, dizendo:

“A Polícia Militar é hoje um regimento de homens infelizes, párias sociais..."

Capítulo 53

Reunião do dia 9 de setembro

           O Quartel da Polícia Militar estava transformado num caldeirão de pólvora pronto para explodir. Faltava apenas a chama. E esta foi a reportagem do dia 7 de setembro.

No mesmo dia da Parada Militar, os sargentos solicitaram uma assembléia geral para o dia 9 seguinte. A reunião foi anunciada através de rádios, jornais e carros de som.

Na manhã do dia nove, os sargentos formavam aqueles grupinhos se organizando para a reunião no interior do quartel, que seria realizada à noite, na sede da associação.

O coronel Luciano ao tomar conhecimento sobre a convocação tentou impedir fazendo ameaças de deixar toda a tropa impedida dentro do quartel, mas, foi aconselhado por um de seus assessores que não o fizesse, vez que os sargentos estavam determinados e fariam a reunião a todo custo,  porém, prolongou o expediente até às 9 horas da noite.

Do quartel, seguiram os sargentos diretos para a sua associação. Exatamente, às 22 horas o presidente Gil deu  abertura aos trabalhos. Na ocasião, a mesa diretora elaborou um documento reivindicando 100% de reajuste nos vencimentos, que seria entregue ao coronel Luciano para fazê-lo chegar às mãos do governador Aluisio, no dia seguinte.

Mas, surgiram exaustivos debates durante a redação do documento. Por fim aprovado! Seguindo-se a tomada de assinatura dos presentes no documento que recebeu o nome de memorial.

Após tudo pronto, foi colocada em votação que atitude tomariam os sargentos junto à tropa quando chegassem ao quartel naquela manhã.

Surgiram duas propostas. O subtenente Antônio André Sobrinho sugeriu que se entregasse o documento e a tropa continuava trabalhando normalmente; e a outra proposta foi de minha autoria, que seria entregar o documento e aquartelar a tropa, pois, sem sucesso, nós já estávamos cansados de entregar documentos ao governo.

Depois de caloroso debate, foi aprovada a proposta do aquartelamento. Continuando os trabalhos da assembléia, elegeram uma comissão composta de Gil Xavier de Lucena, Antônio André Sobrinho, Antônio Batista Gomes e Júlio Ribeiro da Rocha, a qual (comissão) que ficaria à frente de todo o movimento paredista.

Antes de encerrada a reunião, dois sargentos que não haviam assinado o documento, saíram às escondidas. Eles foram a pé, e bem distante, à residência do coronel Luciano, a fim de comunicar-lhe sobre tudo que estava acontecendo. Os miseráveis, todos casados, sofrendo como toda a tropa, mas, não deixaram aquela mania desgraçada de  “puxa-sacos”; de traidores; de “dedos duros”.

Quando se notou a falta deles, alguns companheiros queriam sair em sua perseguição, e lhes aplicar uns   tabefes, mas foram desaconselhados e desistiram.

Capítulo 54

Caminhada para o quartel

             Findos os trabalhos às 4 horas da manhã, os sargentos seguiram em passeata para o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, na Avenidade Rodrigues Alves, no bairro do Tirol – Natal/RN.   Ruas e avenidas foram ocupadas pelos sargentos. Muita gente acordava e abria suas portas. O povo gritava encorajando os sargentos à luta pelos seus direitos, que estavam sendo negados pelo governador do estado. 

NO QUARTEL, APÓS O TOQUE DE ALVORADA, OS SARGENTOS CHAMARAM O SOLDADO SAMUEL SEBASTIÃO DE SOUZA,  CORNETEIRO DE DIA,  AO QUAL  DETERMINARAM QUE, A PARTIR DAQUELE MOMENTO, ELE NÃO TOCARIA MAIS NAQUELA CORNETA SEM A AUTORIZAÇÃO DOS SARGENTOS. E AO MESMO TEMPO, UM GRUPO DE SARGENTOS DESIGNADO PELA COMISSÃO DETERMINAVA AOS SOLDADOS QUE FOSSEM PARA O REFEITÓRIO DOS CABOS E SOLDADOS, DEIXANDO O QUARTEL DESERTO.

O aspirante a oficial Irineu Raimundo de Sousa, que era o oficial de dia, mandou chamar o corneteiro Samuel ao qual determinou que fosse executado o toque de formatura geral, entretanto, recebeu a resposta de que não daria um toque sem a determinação dos sargentos. O aspirante insistiu e o soldado Samuel foi taxativo:

“Só tocarei com ordem dos sargentos”.

Ainda alheios ao que estava acontecendo, porém, fiéis às ordens recebidas, os praças não hesitaram em obedecer aos seus sargentos. E o salão do refeitório ficou superlotado. O quartel ficou um deserto, enquanto o sargento comandante da guarda, que se manteve no seu posto, seguindo orientação da comissão, mandava os soldados que chegavam atrasados se digirissem para o rancho dos praças – um salão imenso.

Capítulo 55

A chegada do comandante

            À hora de sempre - O7:30 -, chegou o coronel Luciano. Como de praxe, a guarda do quartel formada o recebeu, pois o respeito hierárquico permanecia para alguns casos.

O aspirante Irineu foi se apresentar ao coronel comandante, a quem comunicou sobre os acontecimentos, o qual respondeu:

“Já estou sabendo, doutor!!...

O comandante dirigiu-se direto ao refeitório dos praças. Eis, que ao chegar à entrada a sua face estava pálida. Ele parecia até que estaria com alguma dificuldade de caminhar.  Parou bem à frente da tropa. Ficou meio indeciso. E mordia os lábios. Virou-se para o seu motorista que se encontrava ao seu lado,  mandando-o  estacionar o carro oficial do comando em frente ao refeitório. E, finalmente, dirigiu-se aos seus subordinados rebelados que o aguardavam num silêncio profundo, perguntando aos gritos:

“O que está havendo aqui!?”

Nesse ínterim, os sargentos Gil e Félix, o primeiro com o documento na mão dirigiram-se ao coronel, comunicando-lhe sobre o fim daquela reunião, tendo Gil começado fazendo uma explanação sobre o conteúdo daquele documento, quando Luciano interrompeu dizendo:

“Não quero discurso, sargento! Não me empenharei junto ao governador, pois serei meramente um portador deste documento, e se começarem com besteira, eu chamarei o Exército".

Indignados, os policiais gritaram:

“Pode chamar o Exército!!. A partir de agora vamos cruzar os braços!!”

O coronel estava com a sua fisionomia se transfigurando. Sua face ficou mais pálida. E os seus lábios já bem vermelhos de tanto mordê-los. Ele deu meia-volta, dirigiu-se ao seu veículo e seguiu destino ao Palácio do Governo, a fim de entregar o mencionado documento ao Governador Aluisio.

Levando-se em consideração a postura assumida pelo comandante, a comissão achou conveniente recolher todo o policiamento da capital. Este trabalho começou pela Casa de Detenção, cujo comandante da aguarda era o 3º sargento Heleno Donato da Rocha, o qual retirou os policiais de todas as guaritas; colocou-os em forma junto com os de folga, e após entregar as chaves do presídio ao seu diretor, que  chegara naquela ocasião,  marchou para o Quartel da Polícia Militar.

Os policiais das Delegacias de Polícia da Capital, residência oficial do governador e Palácio do Governo, abandonaram os seus postos e juntaram-se à tropa rebelada.

Outra providência adotada foi recolher ao material bélico todo o armamento oficial existente no interior do quartel, bem como as armas particulares,  inclusive a arma da sentinela do portão principal. Toda a tropa ficou desarmada. Totalmente indefesa para enfrentar uma possível represália. Recolhidas as armas ao depósito, foi o seu cadeado fechado e selado, sendo a chave entregue ao tenente-coronel José Reinaldo Cavalcanti, subcomandante da corporação.

Naquela manhã, um fato nacional quase que nos atrapalhava, que  foi o levante armado dos sargentos da Força Aérea Brasileira, em Brasília,  os quais  seguiam a política idealista do Presidente Goulart; eles prenderam o doutor Clovis Mota, que era deputado federal pelo Rio Grande do Norte. Desse movimento, um motorista que passava nas proximidades dirigindo um veículo foi vítima fatal das metralhadoras revoltadas. O levante de Brasília foi rapidamente sufocado pelas autoridades federais e os revoltosos presos.

As autoridades militares federais queriam que o nosso caso tivesse conexão com a rebelião dos sargentos do Distrito Federal, porém, ficou comprovado estarem equivocadas. E, não passou de uma mera coincidência.

Capítulo 56

A resposta de Aluízio

          A tropa impaciente esperava o retorno do coronel Luciano com a resposta do governador Aluízio Alves. E passaram-se horas sem Luciano dar sinal de vida. Muitos acreditavam que Aluízio atenderia ao pedido dos sargentos. A maioria, porém, dizia ter certeza de que Aluisio não daria a mínima.

Enquanto Luciano não chegava, os repórteres das emissoras de rádios, em edição extraordinária, falando do interior do quartel, anunciavam a posição assumida pelos sargentos e seus soldados.

Da sacada dos muros do quartel era grande o número de pessoas que acorriam para lá, a fim de prestar solidariedade à Polícia Militar.

Várias empresas mandaram carradas de gêneros alimentícios para o rancho dar de comer à tropa.

Perto das doze horas retornou o coronel comandante, que solicitou uma reunião com os líderes do movimento, aos quais disse:

“Aluízio mandou dizer que não parlamentava com tropa amotinada”.

Após o retorno de Luciano não demorou muito o governador mandar o deputado estadual Álvaro Mota, a fim de conversar com os sargentos, porém, o parlamentar não foi em nada amistoso, chegando a dizer que se fosse Aluízio mandaria prender todos os subtenentes e sargentos.

A afirmativa do deputado não agradou aos policiais. E o parlamentar foi expulso de dentro do quartel,   aos empurrõs e ponta-pés.

À noite do primeiro dia, o governador Aluízio mandou o doutor Olavo Montenegro, deputado aluizista, ir ao Quartel da Polícia Militar, com o intuito de conversar com a comissão. O parlamentar, após ser cientificado sobre a real situação, disse que reconhecia serem justas as reivindicações dos sargentos, e que  ele iria se esforçar junto ao governador, porém, caso não fosse atendido iria lamentar muito. De fato, lamentou, porque Aluízio não atendeu as reivindicações dos sargentos, nem tampouco os apelos de seu deputado.

Capítulo 57

Segundo dia de greve

            No segundo dia, o primeiro oficial que aderiu ao movimento dos sargentos, através de telegrama, foi o segundo tenente Iarandir Aguiar - o major, filho do senhor Luiz Sátiro -, o qual estava servindo em Mossoró.

Naquele primeiro dia, 12 sargentos da Aeronáutica se organizaram e foram ao Programa Aliança para o Progresso, criado pelo Presidente Kennedy dos Estados Unidades, destinado às nações pobres, onde conseguiram alimentos em quantidade e saíram num caminhão distribuindo gêneros alimentícios nas residências dos policiais militares.

Os sargentos da FAB contaram com o apoio da assistente social da Polícia Militar,  Maria das Dores Costa, e do sargento Francisco Félix de Lima, os quais se empenharam dia e noite para minimizar o sofrimento nos lares milicianos.

Félix e a assistente social, além de colaborarem na distribuição dos alimentos, também levaram toda a solidariade precisa à família dos policiais.

O governador, sem sucesso nas suas tentativas de enfraquecer o movimento, mandou o seu Secretário de Segurança Pública, coronel do Exército Ulisses Cavalcante, ao Quartel da Polícia Militar, com o propósito de amedrontar  os sargentos.

A tropa foi colocada em forma para assistir o que o secretário iria dizer, o qual, todavia, não apresentou nada de positivo senão a mesma demagogia de Aluízio. Muitas conversas bonitas. Insatisfeito com tanta conversa fiada,  o subtenente Alfredo Batista de Oliveira deu um passo à frente da tropa e gritou:

  • Excelência, dá licença!?
  • Pois, não.
  • De palavras bonitas já estamos de barrigas cheias. Tropa, sentido! Fora de forma, marche!!

Com o comando, a tropa deu as costas para o secretário, enquanto um grupo de soldados saia com Alfredo nos braços, como herói.

Já ao anoitecer, começaram a chegar os policiais das cidades do interior. E assim, foram abandonadas as cidades que distavam até 200 quilômetros da capital.

Alguns oficiais liderados pelo capitão capelão da corporação, padre Manoel Barbosa de Vasconcelos, fizeram uma reunião entre si e em seguida procuraram a comissão, à qual comunicaram a sua adesão ao movimento. Após a atitude do grupo de oficiais, todo o oficialato solidarizou-se com o movimento paredista, ficando contra só o coronel Luciano.

O movimento contou com o apoio das entidades representativas de classes: Sindicato dos Correios e Telégrafos, da Construção Civil, dos Sapateiros, dos Artífices, dos Costureiros, e associações diversas.

As sacadas dos muros do quartel viviam superlotadas por pessoas do povo, amigos e familiares dos policiais militares, que se deslocavam para lá e manifestavam-se favoráveis à greve dos policiais.

Capítulo 58

Terceiro dia de greve

            Logo no primeiro expediente, assumiu o comando da Guarnição Mista de Natal, o general Omar Emy Chaves. Naquela época o Exército comandava as demais armas.

Antes mesmo que o general assumisse, o governador Aluízio fizera a cabeça do novo comandante militar, colocando-o na linha de frente contra os sargentos da Polícia Militar com a missão de liquidar o assunto através de uma proposta.

No início da tarde do seu primeiro dia do comando, o general Omar mandou chamar uma comissão de oficiais e outra de sargentos. Integraram a comissão de oficiais o capitão capelão padre Mano-el Barbosa, o major Antônio Olegário e o aspirante Cícero Figueiredo de Mendonça; e a de sargentos fora composta pelos sargentos Antônio Batista Gomes, Gil Xavier de Lucena, Paulo de Castro Pereira e Júlio Ribeiro da Rocha.

A situação ficou complicada quando a tropa tomou conhecimento de que o sargento Gil  iria falar com o general. Temerosos, os policiais achavam que Gil seria preso no gabinete de Omar Emy Chaves. Depois de muita explicação a tropa acalmou-se, entretanto, quando o seu o líder entrou na viatura que nos levaria à presença da autoridade militar, os policiais suspenderam a viatura, deixando-a com os seus pneus rodando livres. E só a colocaram no chão quando o sargento Gil desceu do veículo e ficou com eles.  E em seu lugar foi o subtenente Antônio André Sobrinho que se apresentou voluntariamente.

Seguindo-nos em outro veículo ia a comissão de oficiais. Chegamos ao Quartel General. A comissão de sargentos foi a primeira a ser recebida pelo general, que pensando está tratando com homens rebeldes e indisciplinados, deu início ao seu diálogo em tom bastante amistoso que se desconfiava, ao dizer:

“Meus filhos, aqui não está o general Omar Emy Chaves, e sim o cidadão Omar Emy Chaves. Podem me chamar de você. Como quiserem! O governador mandou lhes oferecer 70% (setenta por cento) de aumento, mas não de imediato, pois é um assunto a ser estudado posteriormente, porque o estado vive em dificuldade financeira”.

A conversa foi interrompida pelo sargento Antônio Batista Gomes, que retirando um recorte do jornal Diário de Natal do seu bolso, no qual dizia que o Estado do Rio Grande do Norte estava com estouro na arrecadação,  falou ao general:

  • Excelência, dá licença!?
  • Pois, não.
  • Excelência, o senhor não foi informado com precisão sobre a real situação financeira do estado. Olhe, aqui diz que o estado tem dinheiro sobrando.

O general ficou todo sem graça. Foi-lhe feito um convite para comparecer ao Quartel da Polícia Militar, a fim de conversar com a tropa e convencê-la a aceitar a proposta do governo, o qual respondeu:

  • Não vou! Tenho medo de ser desmoralizado.
  • Não, excelência! Isto não acontecerá. O senhor pode ir despreocupado. A tropa não trabalha enquanto o governo não atender ao nosso pedido, mas existe disciplina - esclareceu Antônio André.

O general já com o tom da voz mudado, sem aquela de fidalgo, respondeu:

“Não! Não vou!”

Finda a reunião sem êxito, a comissão deixou o gabinete para dar lugar à de oficiais, que sabedora da nossa posição, também rejeitou a proposta.

Retornamos ao quartel e reunimos a tropa, que ansiosamente aguardava-nos. O capitão capelão anunciou o resultado do nosso encontro com o general, a qual, mais uma vez, ficou indignada com o descaso do governador Aluízio, pois a resposta continuava sendo a de sempre: IA ESTUDAR A POSSIBILIDADE.

Capítulo 59

Aluízio mandou Telegrama ao

Ministro da Justiça

                   O governador Aluízio apanhou o helicóptero do Estado e foi sobrevoar o Quartel da Polícia Militar. Ele viu que não existia um soldado armado, nem  mesmo  com  uma  tora  de  pau.  Viu  também que até a sentinela do Portão das Armas estava desarmada. E viu uma tropa ordeira, que desejava tão-somente uma vida digna.

De volta ao seu palácio, o senhor Aluízio Alves mandou um telegrama ao doutor Abelardo Jurema, Ministro da Justiça, em cujo documento informava que os sargentos da Polícia Militar, sublevados pela política partidária, todos bem armados com os seus soldados, estavam em greve atemorizando a população, inclusive ameaçando derrubá-lo do governo.

A desastrosa posição assumida por Aluízio foi severamente criticada por um de seus assessores que lhe indagou:

“Governador, Vossa Excelência viu que não existe ninguém armado dentro do Quartel da Polícia Militar, mas mesmo assim o senhor vai mandar este telegrama"?

Aluizio respondeu impiedosamente:

“Vou, sim!...”

O ministro ao receber o telegrama não mandou averiguar se era verdade tão grave denúncia. E de maneira precipitada, tomou  uma medida no mínimo arbitrária, ao baixar expediente ao Ministro da Guerra determinando que as Forças Federais tomassem o Quartel da Polícia Militar, e em caso de resistência, bombardeá-lo, para em seguida tomá-lo de assalto com o emprego de todo tipo de armas.

Capítulo 60

Quarto dia de greve

             Como desde o início, a assistente social Maria das Dores Costa e o sargento Francisco Félix de Lima continuavam visitando os lares dos policiais militares, levando aos seus familiares conforto espiritual, pedindo calma e confiança, pois estavam todos buscando uma solução benéfica.

Pela tarde, um deputado da bancada oposicionista alugou um carro de propaganda  do  senhor  Tarcísio  para  divulgar pelas ruas da cidade que a Polícia Militar estava passando fome e defendia uma causa justa. Mas o veículo foi apreendido, e Tarcísio preso e conduzido ao 16º Regimento de Infantaria do Exército, onde ficou detido até segunda ordem.

Ao anoitecer, os sargentos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica telefonaram para o sargento Gil avisando que na madrugada do dia seguinte  - 14 de setembro -, as tropas federais cercariam o Quartel da Polícia Militar e ao amanhecer  seria ocupado.

A notícia apanhou  a tropa de surpresa, pois o assunto, que era segredo da comissão, chegava ao conhecimento de todos. A comissão reuniu os policiais na quadra de esportes da corporação, oportunidade em que o padre Manoel Barbosa orientou a tropa como deveria se comportar diante das Forças Armadas, ficando determinado que os nossos irmãos de farda seriam recebidos de forma ordeira.

Pouca gente dormiu naquela noite. Antônio André, Antônio Batista Gomes, Fernando Dantas Ferreira e Gil foram dormir lá pelas 2 da madrugada, no Hospital da Polícia Militar.

Apesar de quase todos os policiais se manterem acordados, não se ouvia uma só palavra. Estavam todos atentos ao menor ruído. A tensão ficou a mil. Não se mexiam nem os galhos das mangueiras que existiam em frente ao portão das armas. A sentinela desarmada e totalmente indefesa; impávida, ficava num pé e noutro. Com poucas luzes, com o pátio meio escuro;  muitos agachados procuravam uma melhor visão, a fim de observar a aproximação de veículos com os faróis apagados, que pela zoada, dava para  perceber que se tratava de carros pesados, e paravam nas imediações do quartel.

Capítulo 61

Madrugada do quinto dia

de greve

              O relógio do Corpo da Guarda bateu 3 horas e 30 minutos. Ouviam-se barulhos de aviões que voavam  baixo sobre o teto das residências adjacentes ao quartel;  eram os  gigantescos  B 26 da Força Aérea Brasileira, os quais com a sua barulheira   despertaram os moradores do bairro do Tirol.

A população acordou tomada de pavor. Acendiam-se as luzes das residências e apartamentos vizinhos à Avenida Rodrigues Alves, onde ficava localizado o quartel. Do interior do quartel, os policiais observavam tudo e ouviam choros de crianças e mulheres. Atentos, tomavam conhecimento  do movimento  dos moradores dos blocos de apartamentos da rua Maxaranguape. Muita gente desorientada correndo de um lado para outro, sem, contudo, saber o que acontecia.  Senhoras em completo desespero, colocando as mãos na cabeça, aos gritos de socorro.

Foi triste! Foi cruel!

Utilizando os potentes alto-falantes do carro de propaganda, que fora apreendido, um militar do Exército convidou as famílias a abandonarem, urgente, as suas residências e apartamentos, num perímetro de 500 metros e se dirigirem ao pátio do Aeroclube, que ficava bem afastado do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar. Todos os moradores da redondeza foram se refugiar no local indicado pelas Forças Federais, as quais pensavam que os policiais militares iriam reagir à bala.

Retirados os moradores, as Forças Federais tomaram posição de guerra, instalando ninhos de metralhadoras pesadas dentro dos apartamentos, com os seus canos apontados para o Quartel da Polícia Militar.

Capítulo 62

Tomada do quartel da PM

           Vem amanhecendo o dia. As tropas do Exército haviam cercado o quartel com tanques de guerra, carros de combate, metralhadoras pesadas instaladas em trincheiras, barracas de campanha armadas dentro do sítio de mangueiras em frente ao quartel.

Às 6 horas, o sargento Queiroga, que integrava as tropas do Exército, adentrou ao quartel, a fim de falar com o subcomandante, coronel José Reinaldo, ao qual entregou um ofício assinado pelo general Omar Emy Chaves, cujo documento intimava-o a render-se com os seus comandados às tropas federais.

O comando de ocupação estava confiado ao coronel Mendonça Lima, Comandante do 16º Regimento de Infantaria. À distância de uns 150 metros, através do som  do dito carro de propaganda, um oficial do Exército leu o seguinte ultimato:

“COMPANHEIROS DA POLÍCIA MILITAR: DE ORDEM DO EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DA GUERRA, DEVEIS DEIXAR  O  VOSSO  QUARTEL   DENTRO DE DEZ  MINUTOS  E  ENTRAR  EM  FORMA  COLUNA   POR SEIS, NA AVENIDA RODRIGUES ALVES, FRENTE AO PORTÃO PRINCIPAL, FRENTE PARA A IGREJA SANTA TEREZINHA. RENDAM-SE INCONDICIONALMENTE! NO CASO DE RESISTÊNCIA, VOSSO QUARTEL SERÁ BOMBARDEADO E EM SEGUIDA TOMADO DE ASSALTO. NÃO QUEREMOS DERRAMAMENTO DE SANGUE. NÓS SOMOS VOSSOS IRMÃOS”.

Finda a leitura do ultimato, três aviões B-26 da Força Aérea Brasileira passaram a sobrevoar o prédio do quartel. O pavor tomou conta de todos. Não se via uma só gota de sangue nos rostos esqueléticos e empalidecidos dos policiais militares.

Atônita, toda a tropa ficou imóvel para ouvir aquela drástica e inconseqüente determinação. Imediatamente, a tropa pacata e ordeira, sem ódio, sem ira, e acima de tudo consciente, foi, sem demora, entrando em forma no local anunciado, independentemente, de qualquer comando interno.

Naquele momento teve oficial afeito a humilhar aos seus subordinados, que invés de ir entrar em forma, borrou-se todo e correu para o sanitário.

Verificando que a ordem havia sido cumprida, o comando de ocupação chamou à sua presença, em sua barraca, o oficial e o subtenente mais antigos. E lá se apresentaram o coronel Reinaldo e o subtenente Alfredo Batista de Oliveira. O coronel Mendonça Lima os recebeu com muita fidalguia, o qual solicitou que o coronel Reinaldo entregasse as armas que os policiais estavam sendo acusados por Aluízio de portá-las. José Reinaldo, todavia, num gesto heróico, respondeu:

“A NOSSA ARMA É A FOME”.

Aos  poucos, os soldados do Exército foram se aproximando ao portão do Quartel da Polícia Militar. Divididos em grupos de combates, eles tremiam tanto que os seus fuzis só faltavam cair no chão. As laterais e a retaguarda estavam cercadas por tropas federais. Dalí era impossível alguém fugir.

A sentinela da hora, que muito mal conseguia se equilibrar, foi substituída por uma da tropa de ocupação, enquanto um capitão do Exército se dirigia com um grupo de soldados ao Material Bélico, a fim de apreender as armas. Quão, porém, foi a surpresa daquele oficial ao verificar que os fuzis estavam bem engraxados e ensarilhados e as granadas e munições em seus caixotes, o qual enxugando as lágrimas que lhe banhavam a face, exclamou:

“Com um graxeiro deste é impossível brigar!"

Capítulo 63

Chegada do general Omar

              O coronel Mendonça Lima não havia terminado de dirigir a sua palavra à tropa, quando se aproximou um automóvel preto, de placa oficial, parando a poucos metros da tropa. Era o general Omar Emy Chaves. Baixo, usando um revólver calibre 32 à cinta, desceu do seu veículo. O qual já não estava com aquela mansidão que apresentara às comissões. E virado numa fera indomável, sem esperar que o coronel lhe apresentasse a tropa, foi logo gritando:

“Polícia Militar, só Deus sabe como fui forçado a tomar tal atitude. Você, Polícia Militar, de tantas glórias, hoje ao invés de combater, está sendo combatida. Tropa rendida!!...

O coronel Mendonça Lima, ao assistir aquelas palavras descontroladas de seu superior, levou as mãos à cabeça num gesto de reprovação. Mas, o general continuou... Desta vez para humilhar e insultar a tropa, dizendo aos estrondosos gritos:

“Tropa rendida e desmoralizada. Uma tropa rendida não é de nada. Apelei para os seus oficiais! Apelei para os seus sargentos! Apelei para você, padre, que mentiu para com sua religião. Mentiroso!!... Fugiu aos princípios religiosos. Traiu a sua a própria igreja!”

Dando esturro feito uma onça,  continuou... Olhando para o subtenente Antônio André, e, com desvairada provocação, disse-lhe:

“Apelei para você, seu líder. Líder que não tem cara de líder, não é de nada!”

Dentre outras, o general tinha a incumbência de humilhar, de desmoralizar a Polícia Militar.

A poucos metros do local, bem em frente ao Clube América, estava estacionado um corro preto de placa oficial. No seu interior o Governador Aluízio Alves que fora assistir “in loco” a humilhação da Polícia Militar.

Cumprindo determinação do general, o coronel Mendonça Lima assumiu o Comando Geral da Polícia Militar, enquanto os oficiais do Exército assumiam o comando das companhias.

O novo comandante reuniu os oficiais em seu gabinete, e com louvável polidez, cumprimentou-os individualmente, num gesto profícuo de quem tinha outra linha de conduta divergente do rancor de Omar Emy Chaves.

Capítulo 64

Chegada do general Justino

            Não gostando do comportamento do general Omar, o coronel Mendonça Lima, já investido no cargo de novo comandante, entrou em contato com o Comandante Militar do Nordeste com sede na Capital do Recife, general Justino Alves Bastos, que foi à Natal no segundo expediente daquele dia.

O general Justino reuniu o coronel Mendonça Lima e o general Omar no gabinete do Comando Geral da Polícia Militar. Em seguida, ele conversou reservadamente e durante longe tempo com o seu auxiliar, coronel Mendonça Lima, de quem era amigo pessoal, recebendo todas as informações precisas, inclusive da alta lição de disciplina que fora dada pela tropa rendida.

Ciente sobre o procedimento tosco do general Omar, Justino o desautorizou interferir nos assuntos relacionados à Polícia Militar, determinando que o coronel Mendonça Lima, quando preciso, podia se comunicar diretamente com o Comando Militar do Nordeste.

O general Justino convocou a imprensa e distribuiu nota oficial esclarecendo à opinião pública sobre as razões da ocupação do Quartel da Polícia Militar.

Com homens do Exército assumindo todos os pontos estratégicos, o comando de ocupação, seguindo a orientação do general Justino, passou a adotar as providências necessárias. Reuniu os oficiais da corporação, oportunidade  em  que  foi  lida uma lista de policiais militares que iriam ficar presos por ter sido acusado pelo Palácio da Esperança como do comando paredista.

E pela lista, deu início à chamada dos oficiais, que se encontravam presentes:

  • Major Antônio Olegário dos Santos.
  • Capitão Capelão Manoel Barbosa.
  • Aspirante Cícero Figueiredo de Mendonça.

Aos oficiais presos, foi-lhes determinado recolhimento ao Estado-Maior do 16º Regimento de Infantaria.

E, prosseguindo na lista, mandou chamar:

  • Subtenentes Alfredo Batista de Oliveira, Afonso Gomes, Geraldo Frutuoso, e Antônio André.
  • Sargentos Antônio Batista Gomes, Gil Xavier de Lucena, Júlio Ribeiro da Rocha, José Neris Sobrinho, e Miguel Estelito.

Levados à presença do comando, fomos informados que ficaríamos presos, a fim de responder IPM - Inquérito Policial Militar - e ao mesmo tempo, apresentou-se um Oficial do Exército, o qual tinha ordem para nos recolher aos xadrezes imundos da corporação, contudo, houve a interferência do coronel Reinaldo, que após fazer um relato sobre a situação precária dos xadrezes, fomos recolhidos a um salão situado no pavilhão superior do quartel, e foram tomadas as providências necessárias para a nossa acomodação.

De imediato, foi montada uma guarda do Exército à porta da prisão sob o comando de um 3º sargento.

Outra providência adotada, urgente, foi a dispensa por 30 dias de toda a tropa, ficando fora do quartel, bem como de suas atividades profissionais.

Muitos companheiros não queriam deixar o quartel, enquanto nós estivéssemos presos, mas os aconselhamos ir para as suas casas e adotassem alguma posição se necessário.

Com a chegada do Exército, tudo mudou. O feijão e o bugol desapareceram das refeições do rancho. A alimentação tinha, acima de tudo, qualidade com frutas e verduras, coisa que não existia, pois, sempre era de pior qualidade e carente de nutrientes. No cassino dos sargentos mudou muita coisa. Até a louça. Antes a alimentação dos sargentos era servida em bandejas de alumínio cheias de sebo. Até o café era servido em canecas de alumínio queimando os lábios chega fazia bolhas. De repente, compraram  pratos, xícaras, copos e talheres.

        Capítulo 65

O outro lado da história

                As palavras grosseiras do general Omar Emy Chaves dirigidas ao padre Manoel Barbosa, no momento da rendição da tropa, submetendo-o à humilhação perante aos seus companheiros de farda e a uma grande multidão que presenciava à distância de uns cem metros, causaram repúdio à Igreja Católica, que, com veemência, protestou através dos meios de comunicação, inclusive distribuindo nota à sociedade, condenando ação do general a serviço do governador Aluízio. Em todas as missas, a Arquidiocese Potiguar mandou ler nota de  protesto sobre os maltratos e a prisão dos quais foi vítima  o padre Manoel Barbosa.

As autoridades federais,  principalmente, o general Justino Alves Bastos e  o coronel Mendonça Lima, não gostaram da história do telegrama ao Ministro da Justiça, pois na Polícia Militar não existia um só policial armado. O caso era, unicamente, fome.

O sargento Geraldo Aurélio Wanderlei, que era radiotelegrafista, nos informava sobre tudo quanto acontecia entre o Exército e o governador Geraldo Aurélio Wanderley. Ele, sendo do setor de radiotelegrafia, cuja estação ficava vizinha ao nosso alojamento, captava todas as mensagens através do código mossa - sinal usado pela telegrafia. Foi através deste código, que tomamos conhecimento sobre as severas críticas que o general Justino fazia ao governador Aluízio Alves.

Capítulo 66

O general Justino não aceitou

o abono do governador Aluízio

                   Querendo atender as reivindicações dos sargentos, que seria 100% de reajuste nos soldos, o governador Aluízio Alves mandou mensagem à Assembléia Legislativa, mas em forma de abono, todavia, os sargentos não aceitaram e reafirmaram o estado de greve se não fosse o reajuste nos soldos.

Temendo que os sargentos retornassem à greve, o general Justino mandou  telegrama  ao senhor Aluízio, por intermédio do serviço de rádio da Polícia Militar, em cujo documento o aconselhava que transformasse o abono em aumento real. O governador vendo que não estava recebendo a confiança do general Justino, mandou nova mensagem ao Poder Legislativo concedendo 100% de reajuste nos soldos dos praças, 80% para os oficiais e 60% para os servidores civis, incluindo o Poder Judiciário.

A união dos sargentos era grande e eles estavam dispostos a tudo. Um jornalista aluízista mantinha um programa, às tardes, através da Amplificadora Cruzeiro do Sul - uma espécie de rádio comunitária. Este cidadão todo dia criticava os sargentos dizendo que eles mereciam ficar presos num xadrez com um metro quadrado. Os sargentos se reuniram, a fim de darem uma surra  no jornalista, este, se escondeu e o programa passou muito tempo fora do ar. Ameaças, insultos, campanhas sujas contra os sargentos, nada  os intimidava. Eles estavam destemidos e insolentes.

Aluízio queria a todo custo vingar-se dos sargentos, e como prova disto basta dizer que ele designou para presidir o Inquérito Policial Militar, a fim de apurar a responsabilidade criminal de quem achado em culpa, o coronel do Exército Rolendino, seu correligionário político, em cuja residência conservava hasteada  uma bandeira aluizista com dois metros de tamanho. Decorreram-se vários dias com o coronel presidindo o IPM, porém, em nada nos agradava, pois os fatos se convergiam para o aluizismo, e nós poderíamos cair numa emboscada armada habilmente por Aluízio.

Resolvemos, então, contra-atacar. Protestamos a presença do coronel Rolendino à frente das investigações e solicitamos a nomeação de outro oficial.

Capítulo 67

General Justino avocou o IPM

              Tomando conhecimento sobre a nossa insatisfação, o Comando de Ocupação - coronel Mendonça Lima -, entrou em contato com o general Justino Alves Bastos, que avocou a questão da Polícia Militar e nomeou o coronel do Exército Silvio de Melo Cahú, Comandante do Colégio Militar do Recife, destituindo o coronel Rolendino.

Gaúcho, de educação finíssima que causava inveja, o coronel Silvio Cahú portou-se com toda nobreza, e acima de tudo, justo. Como novo presidente do feito, anulou os depoimentos anteriores, e começou tudo de novo. Os depoimentos foram realizados com absoluta cautela e sem pressa, deixando-nos bem calmos. O coronel, antes de começar o interrogatório, conversava sobre assuntos diferentes que não se relacionavam com o seu trabalho.

O clima mudou totalmente, pois dezenas de companheiros que se encontravam afastados do expediente iam diariamente ao quartel em busca de informações sobre o desenrolar dos fatos.

Fomos postos em liberdade no dia 3 de outubro, por determinação do coronel Silvio Cahú, depois de 19 dias presos e concluído  o  IPM.  No  relatório,  o  coronel  nos  enquadrou em crime militar de motim, remetendo o Inquérito Policial Militar ao general Justino, que ao examiná-lo, deu o seu parecer descaracterizando o enquadramento do presidente do feito, qualificando-o para crime comum, portanto, devia ser julgado pela Justiça do Rio Grande do Norte.

O processo foi ao Superior Tribunal Militar. O ponto de vista do general Justino foi aceito por aquele tribunal, que mereceu a apreciação favorável do Promotor Silvio Barbosa Sampaio e do Ministro Orlando Moutinho Ribeiro da Costa, este último, o relator do processo.

Capítulo 68

Harmonia com o Exército

             Um fato que chamou bastante à atenção da sociedade civil, que cuidadosamente acompanhava toda a trajetória do movimento, era o comportamento entre os oficiais da Polícia Militar e do Exército.

Num ambiente de inteira fraternidade e de entendimento recíproco, os oficiais das duas forças jogavam gamão e damas, curtindo um “bate papo” animador e  sem inibição. Foi esta a recomendação que o coronel Mendonça Lima fez aos seus oficiais.

Os sargentos que comandavam a guarda do nosso alojamento cultivavam especial atenção aos seus colegas presos. Deles ganhamos um amigão - o sargento Campos -, que era estudante de medicina, e chegou ao posto de  tenente-coronel Médico do Exército.

Os policiais militares tinham grande admiração pelo coronel Mendonça Lima, que ao concluir a sua missão, cumprimentou, individualmente, todos os oficiais da corporação, dispensando-lhes especial atenção. Igualmente, o fez com os poucos soldados e sargentos que os encontrou no interior do quartel.

Tanto o coronel Mendonça Lima, como os demais oficiais do Exército não esconderam o sentimento de compreensão pelo drama do qual foi vítima a Polícia Militar.

Alguns setores como Finanças, Capelania e Boletim passaram a funcionar normalmente. Não obstante, por alguns dias, a segurança da cidade e a guarda da Casa de Detenção continuavam com as Forças Armadas.

Até as classes conservadoras, através de sua associação, informaram que tinham o máximo interesse para que o clima de paz e tranqüilidade fosse preservado, inclusive publicaram nota oficial firmando vários pontos, entre os quais a recomendação ao governo para a imperiosa necessidade de revisão nos desenfreados gastos públicos, resguardando, evidentemente, os relacionados com o programa de infra-estrutura.

De fato, a paz e a tranqüilidade foram restabelecidas, graças a Deus; e a mensagem do governo fora aprovada em regime de urgência.

Capítulo 69

Novo comandante na PM

                 Para comandar a corporação, o Ministro da Guerra designou o coronel do Exército Silvio Ferreira da Silva, que tomou posse sem tropa no quartel.

As informações que o coronel Silvio recebeu do Palácio da Esperança eram de que o mesmo iria comandar uma tropa rebelde e indisciplinada. Que teria muita dificuldade para repor a discililpna na tropa. O novo comandante estava certo disto. Estava convencido  que na Polícia Militar só existiam homens desordeiros e indisciplinados, e que iria expulsar muita gente.   Mas foi puro engano! Ele percebeu logo serem as informações infundadas. E, ao contrário, comandou policiais  ordeiros, pacatos e verdadeiros heróis, como o disse no seu discurso de despedida diante da tropa, e do governador Aluízio Alves, que baixou a cabeça.

Terminados os 30 dias de dispensa, a tropa retornou ao seu quartel, porém, com algumas coisas mudadas. Apesar da fome reinante, os policiais militares nunca retiraram um coco verde dos coqueiros do quartel, pois se o fizesse seria motivo de cadeia. Isto, todavia, não aconteceu com os soldados do Exército, que não passando fome, os quais acabaram com os cocos.

A tropa do Exército devolveu o quartel à Polícia Militar. Os oficiais reassumiram os comandos das unidades.

Com a saída dos sargentos do Exército, toda a louça que havia sido comprada, foi retirada do cassino, e os sargentos voltaram a comer em bandejas de alumínio cheias de sebo e fedorentas. Eu e vários companheiros fomos  em busca do material, pois se os sargentos do Exército tinham direito, nós também o tínhamos.  Procuramos o tenente José Freire Sobrinho, chefe do Rancho, que nos levou à presença do coronel fiscal. Este foi ao comandante geral em companhia de tenente Freire, mas, foi logo dizendo:

  • Comandante, os sargentos estão com estória de comer em pratos, com talheres, mas, sargento come é em bandeja.
  • Bota tudo quanto os sargentos estão pedindo. Se não tiver, mande comprar - determinou o comandante.
  • Mas, comandante!? Sargento comendo em pratos!!
  • Cumpra minha ordem e não discuta - concluiu o comandante.

 A retirada do Exército e a tropa da Polícia Miliitar retornando às suas atividades normais, ocorrera uma estrondosa mudança de comportamento entre todos os níveis da hierarquia policial militar.

Os oficiais que antes da greve tratavam os seus subordinados como um lixo, mudaram admiravelmente. Tratavam os praças com mansidão e companheirismo. Aos subtenentes e sargentos, dispensaram fino trato e até com orgulho.

Antes, tratavam os praças como um lixo, agora, até com louvor, principalmente os subtenentes e sargentos. 

Afinal de contas, os graduados foram os responsáveis pelo início de todo o movimento reivindicatório, que terminou com sucesso. Com a população do lado da Polícia Militar.

       Capítulo 70

IPM na justiça RN

         O Inquérito Policial Militar foi remetido à Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, e virou uma verdadeira “batata quente” nas mãos dos juizes e promotores, que sempre alegavam suspeição. É que o Poder Judiciário e o Ministério Público também haviam se beneficiado com a greve dos sargentos da Polícia Militar recebendo 60% de reajuste.

No documento elaborado pelo relator, Ministro Orlando Moutinho Ribeiro da Costa, apontava os responsáveis pelos fatos acontecidos, dentre os quais o coronel Luciano, Gil Xavier de Lucena e alguns sindicalistas.

O processo ficou parado. À justiça não lhe seria fácil encontrar culpados no meio de homens que não suportando tanta fome, resolveram cruzar os braços. O Poder Judiciário e o Ministério Público, na verdade, estavam diante de uma situação constrangedora.

Uma atitude estranha foi adotada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte, o senhor Aluízio Alves. Ele conseguiu colocar as mãos no processo que se encontrava com a justiça. Tendo-o em seu poder, praticou o absurdo, aplicando punições perversas e vingativas contra os  policiais militares. E, ao seu bel-prazer, sem nenhuma chance de defesa, ele mesmo deu o veredicto.

Surpreendentemente, no dia 14 de fevereiro de 1964, foi publicada a lista dos condenados no boletim do Comando Geral da Polícia Militar. Como já o disse, eles não tiveram nem o direito de defesa, senão amargar o ódio e a ira da perversa pena governamental. E assim, foram expulsos das fileiras da corporação os sargentos Gil Xavier de Lucena - como principal responsável -, Valdeci Aquino de Lacerda, Cícero Martins  de Castro, João Marcelino Filho, José de Oliveira, João Vaz Guedes Alcoforado e José Basílio.

Continuando, o senhor Aluízio, na sua insaciável sede de estranho julgador, ainda determinou que não fosse concedido engajamento, nem reengajamento nas fileiras da corporação, e expulsar os que houvessem sofrido punições disciplinares.

O ato do governador também atingia a assistente social Maria das Dores Costa, que foi demitida, causando protestos por parte do Sindicato dos Assistentes Sociais do Estado do Rio Grande do Norte.

Os sargentos se reuniram em assembléia geral em sua entidade representativa de classe e publicaram nota de protesto contra o ato arbitrário do governador.

Alguns segmentos da sociedade fizeram companhas de doações em defesa das famílias dos sargentos expulsos, havendo até a abertura de uma conta bancária, na qual diversas pessoas famosas depositaram suas contribuições.

O tempo passou e os sargentos expulsos foram caindo no esquecimento, mesmo porque não tardou a  haver o golpe militar de 31 de março daquele ano de 1964, e ninguém mais queria prestar solidariedade aos companheiros que foram cruelmente penalizados.

Capítulo 70

Minha vida virou um inferno

          O ato de Aluízio não me atingiu, pois, eu não estava de tempo findo, nem precisava de reengajamento. Tampouco sofri punições antes. Contudo, os meus mesquinhos algozes da Polícia Militar transformaram minha vida num verdadeiro inferno.

Fui transferido, aleatoriamente, para a Companhia de Polícia Militar com sede em Macau.  Mandaram me chamar, e simplesmente, disseram-me:

“Sargento Júlio, amanhã à  tarde é para você está se apresentando ao comandante da Companhia em Macau”.

Naquele mesmo instante, procurei o tesoureiro da corporação, ao qual solicitei a ajuda de custo que me facultava a lei. O chefe da tesouraria me encarou e exclamou:

“Você quer o quê!!?... Hein, sargento?... Hein, seu agitador!?... Você se vire e suma daqui, senão eu mando lhe recolher ao xadrez”.

Sem dinheiro para viajar, tive que recorrer a um empréstimo na Ceas - Caixa de Economia e Assistência Social da PM, cujo dinheiro era do nosso bolso, mas, chegou um coronel e levou todo o dinheiro para comprar um carro. Alguns companheiros, vendo minha situação fizeram uma vaquinha e eu viajei. E, no dia seguinte segui destino à cidade de Macau.

Quem comandava aquela unidade policial militar era o capitão José Fernandes de Oliveira, o qual recebera um telegrama cheio de recomendações perversas contra a minha pessoa. O comportamento do capitão era muito diferente do procedimento infeliz e miserável dos meus perseguidores. Solidário comigo, ele colocou-me à sua disposição e fora das escalas de serviço. Fiquei responsável pelos trabalhos burocráticos do seu gabinete, bem como pela confecção do boletim diário, o qual era lido ao meio-dia com a tropa em forma.

Não me dei bem em Macau. Adoeci e fiquei 45 dias sem assistência médica, forçando-me retornar à Natal.

O capitão José Fernandes, que criatura de bom coração! Da regra, ele era a exceção. Externou-me a sua preocupação. Ele sabia que eu iria cair nas garras dos meus perseguidores.

A Junta Médica da Polícia Militar me deu 90 dias para tratamento de saúde, permanecendo em Natal. Apesar de doente, não me pouparam das escalas de serviço e outras missões.

Muitos oficiais crápulas viviam me insultando. Chamavam-me de indisciplinado, de desordeiro,  de comunista e agitador. Afrontavam-me de todo jeito tentando arrancar de mim um ato de indisciplina com o objetivo de provocarem minha expulsão da Polícia Militar, porém, não logravam êxito. Mas a onda de perseguição estava apenas começando.

  Capítulo 71

O golpe militar

           Em 31 de março de 1964, houve o golpe militar. As Forças Armadas assumiram os destinos do país.

Iniciavam-se as investigações sobre as atividades subversivas no Rio Grande do Norte, ocorrendo prisões de gente famosa e que estava no poder como Djalma Maranhão e Luiz Gonzaga, Prefeito e Vice-Prefeito da Capital Potiguar, respectivamente.

Fui escalado com outros companheiros da Polícia Militar para integrar uma patrulha mista com o Exército e fomos à cidade de Macau, onde prendemos diversas personalidades políticas daquela cidade, inclusive líderes sindicais. No meio dos presos encontravam-se o Prefeito da Cidade, senhor Venâncio Zacarias e o seu filho Floriano Bezerra, deputado estadual, que inicialmente foram recolhidos aos xadrezes da delegacia local, aonde eles iam costumeiramente soltar os seus correligionários.

 Os presos foram reconduzidos para o Hospital da Polícia Militar e recolhidos  ao   pavilhão   superior  daquela  unidade  de  saúde,  que  fora transformado em prisão para os presos políticos, onde eu concorria à escala de serviço, montando-lhes guarda.

Os meus perversos inimigos da corporação denunciaram-me às autoridade federais. E eu fui chamado quatro vezes para ir depor no Regimento de Obuses, cujo encarregado das investigações era o tenente Craveiro. Eles também denunciaram os ex-sargentos Gil e Estelito.

As perguntas que o tenente me fazia eram capciosas e baseadas em documentos que meus algozes lhe haviam enviado. Todo tempo eu estava sendo torturado emocionalmente, chegando a ponto de um capitão dizer ao tenente:

“Meta este cachorro no xadrez”!

O tenente, entretanto, respondeu que eu era militar e não podia ser recolhido. O oficial que me interrogava abriu uma gaveta de onde retirou umas fotografias grandes, as quais registravam a passagem pelo clube dos sargentos do prefeito Djalma Maranhão, do rei Momo e da Rainha do carnaval daquele ano de 1964.

Exibindo as fotos, e de maneira ameaçadora, o oficial me bombardeava  com  perguntas. Naquele tiroteio infernal, ele queria que as ditas fotos houvessem sido tiradas em um encontro comunista. Mas, eu lhe mostrava na foto as fantasias do rei Momo e da Rainha, e a ornamentação do clube.

O interrogador, que não encontrara nenhuma culpa em mim, insistia que eu dissesse que aquelas fotografias teriam sido tiradas num encontro comunista - batendo na mesma tecla. Eu reafirmava ao mesmo oficial haverem sido tiradas no clube dos sargentos, do qual eu era  o seu diretor social.

No último dia de interrogatório, à tarde, o tenente Craveiro disse-me que a partir daquele momento eu apresentasse minha defesa, e acrescentou:

“É feita por você mesmo, agora”.

Senti naquela ocasião uma transformação interior. Tudo começou a fluir facilmente. Falei mais de três horas. Parecia que eu era outra pessoa.

Deixei a gabinete do tenente. Eu me sentia como se estivesse flutuando.

Em nada prosperou a investida dos meus perseguidores, pois não tiveram sucesso as suas acusações junto ao Exército. E a Auditoria Militar nunca mandou me chamar, pois quem está com Deus no coração nada lhe acontecerá. Gil e Estalito também não compareceram à Auditoria Militar.

     Capítulo 72

O decreto revolucionário

 do governador Aluízio

              Parece incrível! Mas é verdade. O Governador do Estado do Rio Grande do Norte, senhor Aluízio Alves,  24 dias após o golpe militar, publicou no Diário Oficial do Estado, de 24 de abril, o seu ato institucional, através do decreto nº 4.227, de 20 do mesmo mês, contra os servidores públicos, especialmente, os policiais militares que não foram atingidos pelo seu macabro julgamento feito nos autos do IPM.

E assim, ele nomeou a comissão composta do doutor Jocelyn Vilar de Melo, coronel Ulisses Cavalcanti, coronel Silvio Ferreira da Silva, doutor Abelardo Calafange e coronel Luciano Veras Saldanha, sob a presidência do primeiro, com o objetivo de apurar as atividades subversivas que envolvessem os servidores civis e militares.

No decreto, o governador determinava no seu artigo 11:

“O Governador do Estado proferirá decisão final e irrecorrível, exceto se for atingida  a garantia  de  vitaliciedade,  caso  em que cabe recurso para o Presidente da República (Ato Institucional, art. 7º, parágrafo 3º)”.

Para auxiliar nas investigações mandaram buscar o capitão Domingos, da Polícia Militar do Estado da Paraíba, bacharel em direito, e um carrasco em interrogatório.

O ato do governador causou pavor no seio da sargentada, razão pela qual os sargentos recorreram à OAB/RN, que colocou dois advogados à disposição dos policiais militares. Os advogados entraram com um Mandado de Segurança  junto ao Supremo Tribunal Federal, e o macabro decreto do governador Aluízio foi   abaixo.

     Capítulo 73

Meus algozes não me

deram tréguas

             Sem terminar a licença médica para tratamento de saúde, fui transferido para a Companhia Independente de Polícia na cidade de Patu, e simultaneamente, nomeado subdelegado de polícia, com atribuições de Delegado da Cidade de Olho D’água do Borges, que ficava a 24 quilômetros daquela cidade.

O curioso nesta história, é que a Junta Médica da Polícia Militar foi desmoralizada e não fez nada em minha defesa, e ainda teve um médico que me disse:

“Se eu souber que foi você que pediu para ir para o interior, eu lhe dou uma cadeia. E na próxima vez que você vier aqui, não tem mais direito a licença, entendeu, sargento"!?.

O pior é que eu descobri, posteriormente, que o tal oficial médico fazia parte do grupo de oficiais que me perseguia. E tudo na junta fora combinado.

Fui para Olho D’Água do Borges. Lá fiz boas amizades. Após quatro meses, transferiram-me para a cidade de Martins. O povo da cidade não gostou da minha transferência.

Houve uma campanha pela minha permanência na cidade. Foi feito abaixo-assinado dirigido ao Secretário de Segurança Pública, coronel do Exército Ulisses Cavalcante, exigindo que fosse tornada sem efeito a minha saída. Movimentou-se a cidade toda, além da Câmara dos Vereadores e o Prefeito. Não demorou a chegar uma contra-ordem, determinando que eu continuasse  em  Olho  D’Água.  Completavam  8  meses  que me encontrava naquela cidade. Eu não vivia bem de saúde e precisava fazer um tratamento sério em Natal. No final de abril de 1965, fui à capital potiguar. Procurei falar com o Secretário de Segurança,  que me demitiu de Olho D’Água.

Ao deixar o gabinete do secretário, o seu chefe de gabinete, tenente Menezes, avisou-me de que já existia uma ordem para me colocar em outra cidade, mas, eu ficasse tranqüilo que ele não me colocaria.

Com a saúde bastante abalada, fui, na tarde daquele dia, numa sexta-feira, à residência do comandante geral da corporação, coronel do Exército Milton Freire, que me atendeu muito bem, a quem fiz uma explanação sobre o meu estado de saúde e solicitei a minha transferência de Patu para Natal e que ele não deixasse me nomear para nenhuma delegacia.

O coronel mandou que eu fosse à Secretaria de Segurança, e avisasse ao tenente Menezes que, de ordem dele, não me colocasse mais para o interior. Por fim, disse-me:

“Segunda-feira, cedo, apresente-se ao coronel Altino, meu subcomandante, e lhe informe que tem minha ordem para falar comigo, que eu vou lhe transferir de Patu para Natal”.

Sai tranqüilo da residência do comandante, acreditando piamente de que o meu problema estaria solucionado.

Cumprindo a determinação do comandante, na segunda-feira, à hora do expediente, procurei o coronel Altino que me apresentou ao coronel Milton. Ao entrar ao seu gabinete, também chegou o coronel Antônio(*), que me perseguia e era justamente o responsável pelo remanejamento dos policiais. O comandante perguntou ao seu coronel comandado:

  • Qual é a situação deste sargento, Antônio?
  • Este sargento saiu de Olho D’Água do Borges, mas está indo para Riacho da Cruz.
  • Onde é que fica Riacho da Cruz, coronel? - perguntei.
  • Fica perto da cidade de Martins - respondeu.

Doente e precisando cuidar de minha saúde, num tom de desespero, falei ao coronel Antônio:

  • Mas, coronel, eu estou doente! Não passo ir para o interior numa situação desta, mesmo porque o Secretário de Segurança me pediu um atestado médico e eu levei para comprovar o meu estado de saúde.
  • Qual foi o médico que você procurou? - perguntou o coronel Antônio.
  • Foi o doutor Moscoso, médico do IPE, com o qual eu venho me tratando há algum tempo.

O coronel, sem qualquer consideração, disse que o atestado médico não seria válido, pois só servia se fosse da Junta Médica da Polícia Militar. E ato contínuo, mandou que eu fosse me apresentar ao major Olegário, que era o ajudante geral, a fim de publicar no boletim do comando minha inspeção de saúde pela Junta Médica da Corporação. Apresentei-me ao major Olegário, ao qual transmiti a determinação do coronel. O oficial perguntou se eu havia requerido Junta Médica. Respondi que não.

“Então, volte e diga ao coronel que mande dizer o motivo da junta médica” - esclareceu.

Retornei ao gabinete do comandante. E lá continuava o coronel Antônio, ao qual informei sobre o que o major teria dito. O coronel Antônio pegou um pedaço de papel e escreveu:

“Junta Médica. Seja inspecionado pela Junta Médica desta Polícia Militar, hoje, às 14:00 horas, o 3º sargento Júlio Ribeiro da Rocha”.

Entreguei a ordem ao major, que a publicou no boletim daquele dia.

Às 14 horas, fui à Junta Médica. Diante do que o médico me dissera quando da minha ida para Olho D’Água, o que diabo eu iria fazer ali? Naquela Junta Médica desmoralizada. Comprometida com o esquema de perseguições contra mim. Por sorte, existia um médico novo - doutor Túlio Fernandes Filho -, que me internou numa enfermaria do hospital.

Fiquei internado 15 dias. Submeteram-me a uma infinidade de exames. Estava bem melhorado. O médico pegou minha ficha e colocou apto, não me dando um só dia de dispensa.

Eu estava, portanto, pronto para o trabalho. Vivendo tanta perseguição, eu sabia que o meu destino era mesmo ser jogado para o interior, justamente para onde eu não queria ir.

Capítulo 74

Surgiu uma esperança

                 Com uma profunda tristeza deixei o hospital e fui ao quartel do comando geral. Lá, sentei-me num banco da pracinha em frente ao rancho da unidade.  Ao levantar a vista, vem chegando perto de mim o tenente José Freire Sobrinho, que me perguntou por onde eu andava. Contei-lhe toda a minha história, o qual me disse:

“Nós estamos fundando o serviço de rádio patrulha. Você é um bom auxiliar. Eu vou falar com o comandante para lhe transferir para a rádio patrulha”.

Não acreditei na palavra do tenente Freire. Ora, se eu conversara com o Comandante Geral da Polícia Militar, que garantiu me transferir para Natal, e chegou um coronel, seu subordinado, desfazendo tudo, deixando a palavra do comandante sem nenhum valor, seria impossível um tenente conseguir mudar tudo aquilo. Mas...! Era uma esperança.

O tenente Freire era muito amigo da família do comandante. E após 15 dias que havíamos conversado, foi publicado  no boletim do comando geral:

“Transferência de praça. Seja transferido da Companhia Independente de Patu para este Quartel do Comando Geral, ficando à disposição do Serviço de Rádio Patrulha, o 3º sargento Júlio Ribeiro da Rocha.”

A Rádio Patrulha era localizada num pavilhão separado do comando, e eu ficava trabalhando nos dois expedientes, procurando me isolar dos contatos com o pessoal do alto comando, fugindo das vistas dos meus perseguidores. Mas, eles não me davam guarida. Fui, por duas vezes, chamado ao gabinete do comandante. Existia gente me seguindo como se eu fosse um marginal. Uma pessoa de alta periculosidade. As perguntas que me faziam eram as mais idiotas possíveis. Sabiam até as vezes que eu fui à residência do ex-sargento Gil. Eles perguntavam o motivo da minha ida.

Perguntavam a razão pela qual eu tanto freqüentava o Hospital da Polícia Militar. Quanta  imbecilidade!  Eles  não  me  davam  sossego,  porém,  eu matava logo a charada. É que todas as vezes que eu ia ao mesmo hospital, travava conversa com o subtenente Geraldo Frutuoso e o sargento Fernando Dantas Ferreira, que serviam naquela unidade de saúde e estiveram presos comigo na greve de 1963.

Capítulo 75

Fui ser escrivão de polícia

              Na Rádio Patrulha servi três anos. Como eles  não me davam paz, mais uma vez contei  com o apoio do tenente Freire, que conseguiu me passar à disposição da Secretaria de Segurança Pública, e de lá fui servir como escrivão de polícia na Delegacia de Roubos, Furtos e Defraudações, da qual ele era o seu titular, e havia deixado a RP.

Eu vivia em outro mundo e distante do patrulhamento perverso determinado à segunda seção - órgão genuinamente de repressão contra os integrantes da corporação. Senti-me aliviado, livre das malditas perseguições dos agentes de repressão.

Como escrivão, dediquei o meu tempo à função, que a exerci com muito zelo. Não demorei me tornar um dos melhores da época.

Daquela especializada fui servir um período na Delegacia de Ordem Política e Social - DOPS, cuja delegacia cuidava das investigações e processos contra os autores das atividades subversivas no Rio Grande do Norte, e trabalhava em conjunto com os órgãos de repressão das Forças Armadas.

Fazendo busca nos arquivos da DOPS, neles encontrei uma ficha com o meu nome. Lá estava no histórico da ficha:

“Júlio Ribeiro da Rocha, 3º sargento da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, envolvido em atividades subversivas no Rio Grande do Norte”.

Daquela repartição, fui transferido para a Polinter - Polícia Interestadual - comandada pelo coronel Bento Manoel de Medeiros, que fora, até então, o maior caçador de bandidos no Nordeste.

Capítulo 76

Direito só para oficiais

                Em 1978, quem comandava a Polícia Militar era o coronel do Exército Eider Nogueira Mendes, e no mês de outubro foram criadas gratificações de cursos só para os oficiais.

Eu estava, pela segunda vez, na presidência da Associação dos Subtenentes e Sargentos. Fui com minha diretoria reivindicar o mesmo direito para o resto da tropa, pois no Exército aquelas gratificações eram iguais para todos os militares. O coronel,  apesar de caxias, reconheceu o nosso direito, prometendo que daria os mesmos percentuais para os praças, mas só no ano seguinte. E os deu.

Em 1981, os oficiais, no entanto, conseguiram reajustar suas gratificações em 600%, deixando fora o resto da tropa que ficou chupando o dedo!

 

 

 

 

Capítulo 77

O Comandante Soltou o sargento e

mandou me prender

        Foi no comando do coronel Eider, que o mesmo mandou recolher um sargento ao xadrez da unidade, deixando-o incomunicável à disposição da justiça, sem, todavia, existir ordem de prisão expedida pela autoridade judiciária ou auto de prisão em flagrante delito. O sargento solicitou o advogado da associação, que entrou com um “Habeas Corpus”, tendo o doutor juiz dado dez horas para o comandante prestar informações. Na resposta à justiça, o comandante informou que havia posto o sargento em liberdade, mas isto não aconteceu. Apenas retirou o sargento do xadrez,  deixando-o  em  sua  subunidade de origem  e  impedido  de ir para casa.

 Em razão daquela atitude, fui com o advogado ao comando. O comandante se encontrava na 2º Batalhão, em Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte.

O subcomandante entrou em contato, pelo telefone, com o coronel Eider, o qual, lá de Mossoró, anunciou dois dias de prisão para mim e determinou a imediata liberdade do sargento.

Ao retornar à Natal, mandou me chamar ao seu gabinete. Era uma sexta-feira.  Ele levantou-se de sua cadeira, colocou as mãos na cintura, que se parecia com um açucareiro e me disse:

  • Sargento, se você não justificar o motivo daquele “Habeas-Corpus”, eu vou lhe punir.
  • Comandante, eu sou presidente da associação. Nós temos advogado para colocar à disposição do sócio, e não podemos negar - expliquei.
  • Expliqua, mas, não justifica. Você está preso por dois dias. Vá se apresentar para ser recolhido - determinou-me.

Do gabinete do comandante fui procurar o sargento comandante da  Guarda do Quartel para me recolher, este, não o fez, acrescentando que não havia recebido ordem para me recolher.

Fui procurar o oficial de dia, que era o tenente Carlos Adel Teixeira, o qual também não mandou me recolher, pois não havia  recebido  ordem superior, o qual determinando que eu cumprisse os dois dias de prisão no alojamento da minha companhia.

No domingo, ao meio-dia, o oficial de dia colocou-me em liberdade, tendo em vista haver cumprido os dois dias de prisão. Na segunda-feira, quando o comandante chegou ao quartel, um “dedo duro” lhe comunicou que eu não teria sido recolhido ao infecto xadrez da unidade. E como o pau sempre se tora nas costas dos mais fracos, o coronel Eider mandou punir, com repreensão, o meu sargenteante Juvenal Praxedes Ferreira, alegando  que o mesmo não providenciara o meu recolhimento ao xadrez.

Capítulo 78

Golpe cruel dos meus perseguidores

            Eu estava há 13 anos na Secretaria de Segurança Pública. Os meus perseguidores, contudo, não me esqueceram. E armaram-me um golpe sujo. Cruel! No dia 23 de junho de 1981, fui chamado, às pressas, ao Quartel do Comando Geral da Polícia Militar. O chefe da Seção de Pessoal da corporação informou-me que eu teria sido transferido para a reserva remunerada, cujo ato seria publicado no boletim do comando geral, naquele dia e lido para a tropa, às 12 horas. Eu contava, apenas, 23 anos e 8 meses de efetivo serviço. Estava com 41 anos de idade. Não estava doente. Não havia sido julgado incapacitado para o serviço ativo por nenhuma junta médica. Nem tampouco existia amparo legal para ser transferido à inatividade, pois, exceto doença, eu teria que contar 30 anos de serviço.

Pelo ato de reserva, os meus vencimentos  foram reduzidos à metade. Eu, que era segundo sargento, fiquei ganhando menos do que um soldado antigo.

Muito triste, retornei ao lar. E para explicar tudo aquilo a Maria Aparecida, minha esposa! Pai de quatro filhos menores, todos estudando em colégio particular, porque, como sargento de polícia, sempre tive outra atividade, a fim de completar a renda familiar, e proporcionar melhor educação aos meus filhos.

Na Secretaria  de  Segurança, eu exercia uma função de chefe de setor, que me dava uma gratificação, mas, não seria o suficiente, em face da redução do meu salário na PM.

Procurei o Secretário de Segurança, coronel Veiga, ao qual solicitei que me fosse dada uma chefia que estava vaga, e tinha uma ótima remuneração. O secretário determinou à chefe de pessoal, dona Ana, que me nomeasse, porém, ela colocou uma pessoa de sua amizade e não cumpriu a determinação recebida. Em face do acontecido, deixei a Secretaria de Segurança.

Capítulo 79

Busquei nova vida

          Passei dez meses sem conseguir trabalho. Os compromissos com o pagamento do colégio dos meninos estavam atrasados. Não conseguia nenhuma perspectiva de melhoria de vida.

Cheguei, certa manhã, muito desiludido ao serviço dos inativos, quando me disseram que o major Freire, que já estava na Reserva Remunerada da Polícia Militar, queria falar comigo na Fábrica de refrigerantes da Coca-Cola.

Sem perder tempo, procurei o major Freire, que há um mês assumiria a chefia de segurança da empresa, porém, não queria ficar naquele trabalho. O major levou-me à presença do senhor Ari, gerente geral da empresa, que conversou comigo por mais de duas horas. O gerente era extremamente caxias. E fazia muitas exigências. Depois de bastante conversa, o mesmo perguntou-me:

  • Aceita o emprego, sargento!?
  • Aceito! - respondi.

De imediato, o senhor Ari mandou chamar a chefe de pessoal, a quem determinou que me contratasse chefe de segurança e de serviços gerais. Naquele mesmo dia assumi o meu primeiro emprego civil. As exigências eram até mais rigorosas que as da caserna, mas, existia respeito às pessoas, coisa que não era colocada bem em prática na Polícia Militar.

Na Coca-Cola permaneci 8 meses. A empresa fabricante dos refrigerantes quebrara, e não só eu, como todos os funcionários, ficamos desempregados.

Não fiquei mais parado. Fui trabalhar como vendedor de extintor de incêndio. Trabalhei para diversas empresas de turismo, sempre na área de vendas. Tornei-me um profissional desta área com razoável habilidade.

     Capítulo 80

Meu primeiro livro

             No início do mês de outubro de 1982, eu lancei o meu primeiro livro “Cicatrizes”, que era uma narrativa dos fatos que envolveram a Polícia Militar no governo Aluízio Alves.

O livro teve uma conotação política bastante forte, considerando que no dia 15 de novembro seriam realizadas as eleições para governador. E os dois principais candidatos eram os senhores José Agripino Maia e Aluízio Alves. Muita gente, que não era fanática, e que votaria em Aluízio, mudou o seu voto após ler o meu livro, que esgotou a sua única edição de dois mil exemplares em 15 dias.

O lançamento ocorreu no auditório da Faculdade de Farmácia com mais de 100 convidados. A grande decepção para minha família foi a falta de comparecimento do pessoal da  Polícia  Militar para quem distribui 500 convites. Só compareceram 8 sargentos. Mas, lá estava um agente da repressão anotando os nomes dos policiais presentes. Estes, agentes, aliás, estavam sempre me rondando.

Na corporação, fizeram recomendação para ninguém andar com o meu livro dentro do quartel. Teve até gente capciosa que andou dizendo que o livro teria sido escrito pelo deputado federal Ney Lopes, e que, apenas, eu havia emprestado o  meu  nome.  Era  burrice  até demais. Ora, Ney Lopes, que é escritor, deputado federal e brilhante  advogado, iria escrever um livro e usar o nome de um sargento de polícia, que à época não era nem conhecido!

Capítulo 81

Fui à justiça e anulei tudo

                Eu não pretendia mais retornar à ativa da Polícia Militar, pois seria quase impossível suportar tanta perseguição. Entretanto, percebi que teria imensos prejuízos se eu não buscasse o caminho da justiça, isto porque a muitos dos meus companheiros  - da minha época ou mais recrutas - eram subtenentes, e iriam para a inatividade ganhando como segundo tenente.

Fazia três anos, resolvi, então, procurar um advogado. Narrei minha história, mostrei que não existia amparo na lei para me colocar na reserva em tal situação. Mas o advogado disse que eu não tinha direito.

Procurei outro advogado, o qual, após me ouvir, disse:

“É!!... Você tem direito”!

Entreguei os documentos ao advogado, que passou um ano e não fez nada. O tempo estava passando. De acordo com a lei, o direito de reclamação perante a justiça, naquele caso, caducava após cinco anos. E aproximava-se a prescrição do meu direito.

Fui ao escritório do advogado, ao qual solicitei a devolução dos documentos, e na mesma hora procurei o advogado Geral do Ó Bezerra, que já o conhecia, ao qual contei toda a história, que me ouvia atentamente. Eu queria anular o ato administrativo que me botara para reserva, ser promovido a primeiro sargento e a subtenente, retroagindo os seus efeitos, bem como receber o atrasado referente as diferença de vencimentos e vantagens, que eu estava perdendo. Finalmente, eu disse ao doutor Geraldo que eu queria retornar às fileiras da corporação.

Terminada a explicação, o doutor Geraldo pegou um formulário de procuração, botou a mão direita no meu ombro, e disse:

“Subtenente Júlio, assine aqui esta procuração. Vá reconhecer a firma, e devolva-me hoje mesmo, pois, o prazo está terminando daqui a seis meses”.

Aquelas palavras do advogado me emocionaram chega fiquei todo arrepiado. Sai correndo ao cartório, a fim de reconhecer minha firma. Voltei com poucos minutos. O doutor Geraldo solicitou-me outros documentos, que não me demorei lhe entregar.

Em fevereiro de 1986, o doutor Geraldo do Ó deu entrada na ação de anulação de ato administrativo requerendo à justiça tudo quanto eu estava reclamando.  O  processo foi à Vara Fazendária,  a fim   de  ser  julgado.

Seguiram-se as tramitações, com despachos, pareceres e contestações. E assim, foram-se dezesseis meses. Eu sempre correndo atrás. Acompanhei, obstinadamente,  todos os seus  passos.

A última peça requerida pela Promotoria Pública foi um pedido de informações à Polícia Militar. A Ajudância Geral da PM passou mais de 100 dias com o ofício da justiça sem mover uma palha. Um tenente, meu amigo, disse-me:

“O chefe da seção não está sabendo responder ao ofício da justiça. Eu vou rascunhar para ele”.

A afirmativa do tenente não era bem correta, porque o Ajudante Geral sabia redigir, mas não queria fazê-lo, pois o mesmo estava atrasando para me prejudicar. Tanto o foi que no final do ofício, ele  acrescentou mais alguma coisa querendo me dar uma rasteira, a qual foi contestada por meu advogado.

Recebida a informação, estava o processo concluso. Pronto para ser julgado. Passei a procurar o gabinete do doutor juiz. Lá, fui doze vezes, e não consegui falar com ele. Jamais cheguei vê-lo!...

Eu e Aparecida, apesar do meu esforço como profissional de vendas, passávamos sérias dificuldades financeiras com a educação das crianças, que estudavam em colégio particular. A demora da justiça estava nos causando vítima dela mesma. Procurei o meu advogado, ao qual indaguei:

  • Advogado tem prazo. Promotor tem prazo. Oficial de Justiça tem prazo. E o doutor juiz, não tem, não!?
  • ..sim!!!...

O advogado levantou-se de sua cadeira e foi à estante da qual retirou um livro: O Código do Processo Civil. Abrindo-o, falou-me o causídico:

  • Aqui estar escrito: O processo estando concluso, o doutor juiz proferirá os despachos em dois dias, e as decisões em dez dias.
  • Então, douto...! Represente contra o doutor juiz.
  • Represento, sim! Pois, sou o seu advogado, mas, vou me indispor com o juiz. E da justiça, o advogado precisa todo dia. Mas, você sabe escrever. Foi escrivão de polícia!!... É escritor!!... Por que você mesmo não representa!?
  • Por que eu não sabia que eu mesmo poderia representar.
  • Pode, sim!!

Entendi a posição do nobre advogado. Pedi o livro para copiar os artigos que me acobertavam. Na noite daquele mesmo dia, fiz uma representação  dirigida  ao  Desembargador Corregedor Geral da Justiça, doutor Nylton Pinto. No documento, eu pedi o cumprimento do prazo autorizado pela lei.

O Corregedor Geral fez ofício ao doutor juiz, que, dentro do prazo legal, julgou procedente  a ação.

Na setença, o juiz anulou a ato administrativo que me colocara para a Reserva Remunerada; reintegrou-me às fileiras da corporação; promoveu-me a primeiro sargento e subtenente, com efeitos retroativos; e condenou o estado a me pagar os prejuízos salariais, com juros e correção monetária.

Muitos elementos da Polícia Militar viviam me criticando. Incluindo gente do estrelado ao mais baixo posto. Chamavam-me de doido. De besta. Diziam que eu não ganhava, pois a justiça só dava direito aos oficiais.

Muitos quando me avistavam, procuravam até me apontar aos seus pares. Eles diziam:

“Olha, o besta...! Olha o doido...! Está perdendo o tempo. Aquilo é um tolo.”

Eu, porém, não dava a mínima para aqueles comentários sem fundamento. E, cada vez mais encontrava energia para lutar, isto porque a forte razão do direito não me deixava fracassar.

  • Capítulo 82

A batalha continuava

          A notícia sobre a minha vitória levou muita alegria ao meu lar, e a dezenas de pessoas - civís e militares - que me davam parabéns.

Mas, a luta ainda continuava, pois, o processo passaria pela Procuradoria Geral do Estado, para, em seguida, ir ao Tribunal de Justiça, a quem caberia confirmar ou não a sentença proferida pelo doutor juiz.

Na procuradoria, demorou-se 30 dias - o prazo legal. E foi ao tribunal. Pelas mãos do relator foi rápido, bem como pela Procuradoria Geral da Justiça. Mas, encalhou nas mãos do revisor. Fez o seu primeiro aniversário no tribunal.

Meus filhos, indagavam-me:

“Mas, pai!!... Que justiça é esta, pai!? O senhor ganhou e até agora, nada!!”

Foi pelos meus filhos que criei coragem e fui ao Tribunal de Justiça reclamar contra a demora. Dirigi uma carta ao Desembargador Presidente daquela Corte, através da qual eu fazia um relato dramático sobre a real situação que eu estava submetido com minha família.

Do tribunal, fui ao Diário de Natal e à Emissora de Televisão Tropical, levando o caso à opinião pública. E, na semana seguinte, o Tribunal de Justiça julgou o meu processo. Ganhei de sete a zero.

O processo foi, de novo, à Procuradoria Geral do Estado, com um prazo de 30 dias. Onde passou mais de 100 dias.

À época, eu estava trabalhando em Fortaleza, no Estado do Ceará, de onde mandei uma carta, pelo Sedex, ao jornal Diário de Natal, pela qual eu denunciava a demora da procuradoria com o processo, a qual ao tomar conhecimento da denúncia, de imediato, providenciou a sua devolução ao Tribunal de Justiça.

Retornei de Fortaleza, indo procurar o doutor Geraldo do Ó, ao qual solicitei que ele dirigisse documento ao doutor juiz requerendo que eu fosse reintegrado às fileiras da Polícia Militar num prazo de dez dias, pois eu estava temeroso de que, sem prazo, os meus perseguidores, como sempre, iriam retardar o cumprimento da decisão judicial.

O doutor juiz atendeu ao requerimento. E determinou a minha reintegração no prazo requerido. No dia 3 de outubro de 1988, portanto, o Oficial de Justiça entregou a determinação judicial ao próprio Procurador Geral do Estado, cujo prazo contaria a partir do dia 4 seguinte quando o Oficial de Justiça certificaria a citação judicial.

A procuradoria, não obstante, deixou de cumprir no prazo determinado, razão que me levou àquela repartição. Fui chamado ao gabinete do Procurador Geral, doutor Jales Costa, que me mandou sentar numa cadeira diante dele, e foi logo puxando um exemplar do jornal Diário de Natal - o dito da denúncia -, e dizendo:

  • Eu estou tomando conhecimento, hoje sobre uma decisão judicial, e o senhor foi envolver o meu nome na imprensa!
  • O senhor está enganado. Se o senhor tem alguma coisa contra mim, faça uma representação à justiça, que eu me defenderei, pois eu não tenho obrigação nenhuma de me justificar diante o senhor.

O doutor Jales mudou de cor. Ele  pensava que eu seria uma pessoa de pouco esclarecimento, e que facilmente sairia enrolado de lá. Mas estava, redondamente, enganado.

O procurador ficou todo atarantado quando eu retirei cópias da citação judicial, com o devido recebimento do dia 3 de outubro que ele mesmo havia assinado, entretanto, naquela oportunidade - dia 19 de outubro - o doutor procurador geral dizia estar tomando conhecimento naquele instante. Deixei-o todo sem jeito. Finalmente, eu disse que a respeito daquele jornal, eu jamais teria feito denúncia contra a pessoa do procurador, e sim, contra a repartição, e em seguido joguei em cima do seu birô uma cópia da carta que remeti de Fortaleza, dizendo-lhe:

“Eis aqui uma cópia da carta que eu mandei de Fortaleza ao Diário de Natal. Se nesta cópia tiver o seu nome, pode representar criminalmente contra mim ou senão, o senhor requeira ao jornal o original da carta.”

Mais sem jeito ainda, o doutor Jales disse-me:

“Não!! Não!! Não precisa, não. Eu estou acreditando.”

O procurador resolveu mudar de conversa. Assinou o ofício dirigido ao Comandante Geral da Polícia Militar, e fui deixá-lo para o seu fiel cumprimento.

Com a anulação do ato administrativo, eu fiquei com 31 anos e 8 meses de efetivo serviço. E no mesmo dia eu poderia requerer o meu retorno à reserva remunerada, não precisando me apresentar fardado, porém, obrigaram-me  a comprar farda para me apresentar.

Naquele dia que entreguei o ofício, fui abordado por um capitão, o qual, se lhe passasse um fiozinho de sensatez pela cabeça, teria me elogiado pela bravura de lutar por meus direitos, invés de preferir me fazer ameaças, dizendo:

“Subtenente, você falou demais naquele jornal. Você está merendo uma cadeia”.

Capítulo 83

Retorno triunfante à ativa da PM

            A Polícia Militar atrasou o cumprimento do expediente judicial - que não me seria nenhuma novidade - só o fazendo no dia 31 de outubro, publicando no boletim interno o meu retorno às fileiras da corporação, sem, todavia, me promover as graduações determinadas pela justiça - que, igualmente, não me foi novidade.

No dia primeiro de novembro, eu entrei, triunfantemente, no Quartel da Polícia Militar, fardado e com as insígnas de subtenente e tudo mais quanto eu tinha direito. Os subtenentes e sargentos indagavam-me:

“Mas, você não é segundo sargento”!?

E eu muito tranqüilo respondia-lhes:

“Não!!... Vocês estão enganados. Eu deixei de ser 2º sargento desde 31 de dezembro de 1975. E sou subtenente desde primeiro de janeiro de 1984.”

Encontrei-me com o comandante geral, coronel Tavares, o qual me perguntou:

  • Tudo resolvido, Júlio?
  • Não, senhor comandante.
  • Por que, Júlio?
  • Porque eu não sou 2o. sargento, coronel! Eu sou subtenente.
  • Ai, e suas promoções não foram publicadas no boletim, não!?
  • Não, comandante.
  • Vou mandar publicar hoje mesmo.

Realmente, ao meio-dia, as minhas promoções foram publicadas no boletim e lidas para a tropa.

Aqueles que me dirigiam pilhérias, que me desejavam cadeia e me apontavam, quando me viam, baixavam a cabeça querendo esconder o que eles não tinham: dignidade. Não obstante, centenas de policiais militares e amigos civis me davam parabéns e externavam o seu contentamento, deixando fluir aos seus límpidos olhares a sua sincera satisfação.  

Capítulo 84

Meus algozes não me

deixaram em paz

          No dia seguinte - sexta-feira - publicou no boletim do comando, as escalas de serviço do final de semana, como acontece rotineiramente, na qual eu estava escalado comandante do policiamento da Penitenciária Central João Chaves – o famigerado caldeirão do diabo.

         O escalão superior não me chamou para me dar qualquer instrução, apesar de me encontrar afastado da tropa há 8 anos. Meus malditos perseguidores, que nunca me deram tréguas e tramavam tudo, pensavam que eu me enrolaria. Mas, quebraram a cara!!... Deus, que me deu aquela grande vitória, não me abandonara.

Como todo militar tem que pertencer a alguma companhia, eles não me colocaram em lugar nenhum. Era como se eu não existisse. Mas continuavam me escalando de serviço. Requeri transferência para a reserva remunerada, pois eu estava com tempo de sobra, entretanto, o requerimento deixava de seguir os trâmites legais porque  não  tinha  comandante  de  companhia  para  prestar as devidas informações.

No dia 15 de dezembro, no início do expediente, um  cabo muito do abelhudo da Diretoria de Pessoal, que mandava mais do que o seu coronel-diretor, queria me colocar na Companhia de Polícia em Pau dos Ferros, a mais 500 quilômetros de Natal. Portanto, muito distante do meu lar. Não o fazendo, graças à intervenção do coronel José Francisco Pereira, Diretor de Apoio Logístico da corporação, o qual disse:

“Não!... Júlio, não!... Ele vai para a minha repartição. Podem publicar em boletim a classificação do subtenente na Diretoria de Apóio Logístico.”

O coronel José Francisco Pereira - coronel Pereira - também havia passado pelo mesmo processo, pois fora transferido para a reserva remunerada da PM, como capitão, e por força de decisão judicial retornara como tenente-coronel

Ao qual agradeço, profundamente, através desta obra.

No mesmo dia 15 de dezembro, entrei com requerimento de transferência para  a reserva remunerada, que fora transformado num processo.

Os meus algozes de plantão esconderam o processo na Diretoria de Pessoal. Eu, contudo, não lhes deu folga e exigi que eles descobrissem o destino do documento. Ora! De lá não se mexeu. O qual estava bem escondido num montão de processos velhos com destino ao arquivo morto. 

Da Polícia Militar, o processo foi levado à assessoria de imprensa do  Palácio  Potengi, a fim de ser publicado no Diário Oficial do Estado. O coronel Amanso (*), Secretário-Chefe do Gabinete Militar, pelas mãos do qual passavam os expedientes da PM, prazerosamente, exclamou: 

“É de Júlio...!? Deixa comigo, que vou dar um chá de gaveta”.

Esperei 15 dias e nada. Resolvi correr atrás. Cheguei à porta do gabinete do coronel e sem lhe cumprimentar, na presença de quem lá estava,  asseverei-lhe, com efusiva rispidez:

“Se amanhã, a minha transferência para a Reserva Remunerada não for publicada no Diário Oficial do estado, eu vou denunciar através dos meios de comunicação”.

Ora, no dia seguinte minha transferência foi publicada, com os proventos de 2º tenente. E, assim, eu vi concretizada até então, a maior vitória da minha vida, que seria anular aquele ato covarde e perverso.

Capítulo 85

Um direito constitucional

              Em 1989, no governo Geraldo Melo, ocorreu a reforma à Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, bem como nos demais estados do Brasil. Os policiais militares não tinham nenhum direito na Carta Magna Estadual. Algo que se referisse à situação salarial. Eu e um grupo de sargentos resolvemos preparar uma proposta na qual dizia que um coronel da Polícia Militar não poderia ter soldo inferior a 10 salários mínimos, seguindo-se o índice do escalonamento vertical para os demais integrantes da instituição, responsável por sua hierarquia salarial.  E como sócios do clube dos sargentos, procuramos o seu presidente, a quem sugerimos que procurasse o presidente do clube dos oficiais da mesma corporação, e juntos, apresentassem a referida proposta à Constituinte.

O comandante geral ao tomar conhecimento proibiu a apresentação de quaisquer propostas, a não ser feita pelo alto comando, pois ele era o comandante e caberia a ele fazê-lo. Na verdade, a Polícia Militar apresentou a sua proposta, mas  invés  do coronel, colocou o aluno soldado, que não podia ter soldo inferior ao salário mínimo vigente no país, sem, contudo, fazer referência ao escalonamento vertical que  delineava o reajuste dos soldos entre os policiais militares. 

Promulgada a Constituição, estavam certos os policiais de que aquele dispositivo constitucional  seria  respeitado  toda  vez  que o salário mínimo fosse reajustado. E reajustando o soldo do aluno soldado, reajustaria nos mesmos percentuais os soldos dos demais segmentos hierárquicos, uma vez que o aluno soldado era parte integrante do escalonamento vertical.

Puro engano. Muita decepção!

No mês de maio de 1990, após muita pressão, o comandante geral da PM mandou proposta ao governador Geraldo Melo fixando o soldo do aluno soldado em um salário mínimo, de acordo com a Constituição Estadual, e o coronel dez vezes o soldo do aluno soldado. A proposta estava errada. A qual fora redigida por um oficial de gabinete do comando, que falava muito e acertava quase nada. A proposta fixava os novos soldos só no mês maio. O certo seria a partir de maio, ou simplesmente omitisse limites de tempo. Com uma inflação absurda, não tardou a situação voltar à de antes.

O alto comando, já com gordíssimas gratificações, jamais teria interesse em solucionar a questão salarial dos policiais, pois é tradição no Rio Grande do Norte tratar com menosprezo os segmentos mais sofridos da instituição. E quem primeiro começa é maioria dos oficiais. É assim que tem registrado a história desde a então Força Pública, posto que, nos velhos anos da década de 40, um interventor do estado contemplou os policiais com um mísero reajuste salarial de dez réis – o equivalente ao preço de um cafezinho no mercado público da Cidade Alta, onde décadas depois foi construída a agência central do Banco do Brasil. 

Os oficiais do alto comando, com raríssimas exceções, procuraram impor uma vida agonizante e miserável aos seus praças, e ficavam no “bem bom”, divorciados da tropa. Sempre vinha aquela desculpa esfarrapada, de quem vivia na miséria e saiu dela: O estado é pobre! Não tem condições...! Contudo, não foi este o comportamento da maioria dos oficiais superiores do alto comando, no governo Geraldo Melo, os quais enviaram um documento fazendo uma consulta à Secretaria de Administração sobre o direito deles receberem as mesmas gratificações que os civis tinham direito em função de Secretário, Coordenador Geral e  Coordenador.

Um chefe de setor, que era amigo de um dos oficiais, deu um parecer favorável, e sem ouvir o secretário, foram implantadas as gratificações para os oficiais. E assim, a situação salarial deles estaria resolvida, deixando o resto da tropa na pior. 

Estas gratificações eram superiores ao que os coronéis ganhavam na PM. Por que eles não lutaram para reajustar as gratificações dos seus humildes e indefesos comandados? Porque eles não comandavam com amor e zelo à corporação.

Eu e alguns companheiros procuramos o presidente da Associação dos  Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar, mas faltava coragem para abraçar aquela luta. A inflação subia, assustadoramente entre sessenta e setenta por cento ao mês, enquanto os nossos vencimentos caiam com a mesma velocidade, e  nenhuma providência era adotada. Mudou de presidente na associação. Fomos procurá-lo, mas, sem sucesso. Ele - como o anterior - não tinha coragem. Era homem que vivia à sombra do gabinete do Comandante Geral e se borrava todo com medo dos agentes da segunda seção.

    Capítulo 86

No apagar das luzes

            O governo Geraldo Melo chegava ao fim. Os policiais militares viviam uma situação vexatória com os seus vencimentos defasados. E o comandante, como de praxe, nada fizera para melhorar a situação salarial da tropa, apesar de Geraldo Melo haver aberto as portas para esta oportunidade.

O governador já se preparava para deixar o governo quando um oficial de seu gabinete, disse-lhe:

  • Governador, vossa excelência vai deixar o governo, e a Polícia Militar está com o pires na mão.
  • Não é possível! - exclamou o governador.
  • É, governador!!...

O oficial retirou do bolso o seu contracheque, apresentando-o ao governador, dizendo:

  • Olhe, aqui, governador! Tirando a gratificação de gabinete, fica quase nada.
  • Mas, é verdade!... Mas, esta questão não foi resolvida com aquela lei de maio?
  • Foi não, governador! A lei foi editada errada. Dizia em maio. Era para ter sido a partir de maio.

Comentam-se de que o governador teria mandado chamar o comandante sucessivas  vezes, o qual lá não compareceu.

O doutor Geraldo Melo, que sempre teve as portas do seu gabinete abertas às questões da Polícia Militar, e vendo o descaso do comando, determinou o cumprimento do dispositivo constitucional, bem como a aplicação do índice escalonado, ficando um soldado com 5 salários mínimos de vencimentos. Não chegou, contudo, a pagar o primeiro reajuste, pois, foi dado mesmo no apagar das luzes. Mas, o novo governador, doutor José Agripino, honrou o compromisso.

Capítulo 87

Vêm as eleições do clube

               Era maio de 1991, e ocorreria eleição na Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar - o Clube Tiradentes. Eu precisava dar uma lição a meia dúzia de irresponsáveis da corporação, razão pela qual resolvi concorrer ao cargo de presidente daquela instituição, da qual eu havia exercido três mandatos de presidente. Candidatei-me com o firme propósito de se eleito, entrar com uma ação judicial, a fim de assegurar o cumprimento da Constituição Estadual e da Lei do Escalonamento Vertical, apesar de reconhecer que o dispositivo constitucional referente ao aluno soldado estava errado, porque não fazia referência ao escalonamento vertical. Tudo isto era o resultado da falta de responsabilidade de quem redigia a legislação da Polícia Militar, existindo muita conversa e pouca ação em nada positivo. Coisa, aliás, muito comum dentro da corporação.

O meu principal concorrente naquela eleição era o sargento Lavoisier, que teve o seu número de votos empatado com o meu. A mesa já havia me proclamado eleito quando chegaram quatro eleitores do sargento Lavoisier e queriam votar. Como não foi possível, houve uma verdadeira desordem na casa com murros na mesa e pontapés nas cadeiras.

A atitude insensata que acontecera na associação deixou-me indignado. E eu pensei até em renunciar.

A notícia sobre a minha eleição não agradou nem um pouco ao Alto Comando da Polícia Militar, especialmente, ao comandante geral, coronel Luiz Pereira, pois ele sabia que eu seria um “calo no seu sapato”. E porque não ser mais claro: Eu seria uma dor de cabeça para os coronéis do Alto Comando.

Inconformado, com o insucesso nas urnas, o sargento Lavoisier procurou o comandante geral, solicitando-lhe a anulação do pleito. O coronel Luiz Pereira mandou chamar o presidente em exercício, que era da segunda seção, ao qual orientou anular o pleito e realizar nova eleição, chegando a baixar editais tornando-o nulo, e convocando nova assembléia para processar novo pleito. Inicialmente, eu concordei, entretanto, diversos sócios me procuraram aconselhando-me não aceitar aquela absurda intervenção do comando.

Procurei o advogado Paulo Loto Saraiva, meu amigo há mais de 30 anos,  que  me  orientou   convocar  a   minha  diretoria,  e  com  ela  eu tomasse posse em ata, registrando-a em cartório para os seus efeitos jurídicos, e depois assumisse  solenemente. E, de imediato, entregasse documento ao presidente da associação solicitando a retirada dos editais. E assim o fiz.

Sabedor da minha posição, o sargento Lavoisier retornou ao gabinete do comandante, este, porém, disse que nada podia fazer, aconselhando-o ir à justiça. E o foi. Mas, além de não ter havido fraude nas eleições, o advogado ainda entrou com uma ação errada. Ele entrou com um mandado de segurança, cuja ação só tem efeito para quem exerce cargo público. E no caso da associação, era civil de direito privado.

Capítulo 88

Convenção da UBERSUSA

            Tão logo assumi a presidência da associação, recebi convite para ir a uma convenção promovida pela UBERSUSA - União Brasileira das Entidades Representativas dos Subtenentes e Sargentos das Polícias Militares e Bombeiros Militares do Brasil, que seria realizada em Porto Alegre,  Estado do Rio Grande do Sul.

Eu não podia viajar, pois estava aguardando expediente da justiça a respeito da ação impetrada pelo sargento Lavoisier, razão que me levou a designar o meu diretor de assistência jurídica e social, subtenente Emanuel Menezes, o qual requereu permissão para viajar, bem como dispensa de 15 dias por conta das férias que o mesmo tinha direito.

O documento ficou engavetado no gabinete do comandante geral, forçando Emanuel a ir procurá-lo. O coronel comandante informou para o meu assessor que a dispensa era com o subcomandante, coronel Dantas, este, não obstante, disse para o seu subordinado - subtenente Emanuel - que não era com ele, e sim com o comandante.

Diante daquele jogo de empurra deslavado, fui com Emanuel falar com o subcomandante, este, porém, determinou  ao seu o capitão-secretário que  só falaria comigo, e que o subtenente Emanuel ficaria esperando o resultado da conversa. Tratei logo sobre o assunto. O coronel, muito autoritário e sem titubear foi me respondendo dizendo:

“Este subtenente é muito folgado. Ele não tem 16 anos de praça e já é subtenente. Você não! Você é da reserva, tudo bem!... Mas, ele é da ativa. Você faça um ofício solicitando a dispensa e deixe que ele correr atrás.”

Percebi que eles queriam ganhar tempo e botar Emanuel para marchar, pois só faltavam 3 dias para a realização do evento. Na convenção seria discutida a desmilitarização das Polícias Militares e os coronéis eram contra porque o poder deles ficaria fragilizado. Aliás, eles usavam tal poder só para humilhar e massacrar os seus subalternos, aplicando-lhes  punições de prisões  e dezenas de expulsões injustas, utilizando um regulamento disciplinar caduco, que fora editado no tempo de Dom Pedro II e reformado à maneira da ditadura militar de 31 de março. Com efeito, tudo era nulo na justiça. No entanto, não lhes servia de lição. Eles continuavam praticando as mesmas arbitrariedades.

Capítulo 89

A questão salarial

            No mês de outubro de 1991, o governo do estado enviou a sua mensagem à Assembléia Legislativa, na qual falava sobre um realinhamento salarial. Aos servidores da Secretaria da Fazenda concedia 100% de reajuste; à Polícia Civil, 96% proposto pelo Secretário de Segurança, dr. Manoel de Brito. Os servidores civis tiveram um reajuste razoável.

O Comandante Geral da Polícia Militar foi chamado para apresentar a sua proposta à área econômica governamental. Ele, para a nossa decepção, lá não compareceu, nem apresentou qualquer manifestação.

O abandono do comando levou os assessores da área econômica entenderam que “tudo ia maravilhosamente bem na PM” e colocaram, simplesmente, um mísero reajuste de 31.5% para os policiais militares, deixando grande parte do soldo em abono, prática esta herdada de governos anteriores.

Os salários dos policiais militares estavam defasadíssimos, mas as gratificações dos oficiais do alto comando estavam gordíssimas. Um soldado que ganhava cinco salários mínimos sofrera uma drástica redução para um salário e meio.

Já que o comando não se mexeu e mostrava um falso mundo maravilhoso dentro da corporação, formei uma comissão e com ela fomos à Assembléia Legislativa.  Falamos com todos os deputados da bancada governista, mostramo-lhes  o direito constitucional do aluno soldado e a seqüência salarial do  escalonamento vertical. Eles se mostraram sensíveis à causa. Conversamos com todos os deputados oposicionistas, que estavam conosco.

Os deputados, porém, ouviam a voz do comandante, o qual, rotineiramente, dizia através dos meios de comunicação que tudo ia bem na PM. Que não havia insatisfação na tropa.

No dia da votação nós conseguimos lotar as galerias da Assembléia Legislativa, levando dezenas de policiais militares e seus familiares.

O deputado oposicionista Álvaro Dias fez um discurso em plenário, dizendo que:

“O governo estadual revoga uma lei constitucional através de uma resolução interadministrativa e institui um piso salarial abaixo do mínimo.”

O mais chocante para nós foi o fato dos deputados do governo baixarem suas cabeças - querendo esconder a vergonha - e não deram ouvidos ao nosso clamor.

A omissão do comando com suas informações inverídicas contribuiu seriamente para o descaso dos deputados agripinistas.  Infelizmente, por ser um homem fraco, o comandante se borrava todo quando o assunto era falar com o governador sobre as nossas reivindicações.

A gratificação de comandante, que, como oficial de polícia jamais pensou que um dia chegaria àquela posição,  o deixara cego, mudo e surdo aos sofrimentos de sua tropa. 

Decepcionado com a atitude dos deputados e do comandante, e contando com o apoio de minha diretoria, procurei os meios de comunicação e comecei companha salarial, inclusive, acusei a Assembléia Legislativa de haver rasgado a Constituição Estadual que eles mesmos haviam aprovado.

Enquanto eu denunciava os salários baixos e a tensão que aumentava na tropa, vários policiais militares me procuravam apresentando os seus contracheques com líquido a receber quase zerado. Os quais, revoltados  indagavam-me:

“Sub Júlio, eu vou pagar água, luz e comprar gás, mas, não fica dinheiro nem para pagar o aluguel da casa. O que vou fazer!?”

Aquela situação de miséria deixava-me revoltado, razão pela qual eu estava sempre impulsionado a buscar uma solução para o problema cruciante que atormentava a vida dos policiais militares com reflexos tristes nos seus lares.

Capítulo 90

O simpósio

             Seguindo orientação da União Brasileira das Entidades Representativas dos Subtenentes e Sargentos - UBERSUSA, convoquei minha diretoria e programamos um simpósio reunindo as entidades dos subtenentes e sargentos das Polícias Militares e Bombeiros Militares do Nordeste, que seria realizado nos dias 7, 8 e 9 do mês de novembro de 1991, no Plenário da Câmara Municipal de Natal.

Procurei divulgar o evento através dos meios de comunicação - rádios, jornais e televisão. O comandante geral havia viajado para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a fim de participar de um encontro com os comandantes das  Polícias Militares do Brasil. O assunto era, basicamente, o mesmo: A desmilitarização. Só que, os comandantes eram contra porque eles temiam perder a força que tinham no poder. Entretanto, os subtenentes e sargentos estavam divididos.

O coronel  Dantas ao tomar conhecimento sobre as minhas entrevistas determinou ao major Cavalcanti, chefe da segunda seção, que me chamasse para ir falar com o comandante geral, coronel Luiz Pereira, que acabara de retornar do Rio Grande do Sul.

Passei 4 horas esperando para falar com o comandante. Aquela demora toda era justamente para me massacrar, comportamento este, que não tinha discípulos, senão mestres na corporação.

Depois daquela exausta espera, um oficial de gabinete mandou-me entrar. O comandante estava só, mas, de imediato, entrou também o seu chefe de gabinete, o coronel Luiz Franklin Gadelha, o qual conduzia um exemplar de um jornalzinho da associação “O Tiradentes”, no qual existia um trabalho assinado por mim, e nele eu me posicionava contra  a desmilitarização das Polícias Militares. O coronel Gadelha, em voz alta, começou a ler a matéria. Ele lia...lia... Parava e perguntava-me:

  • Foi você mesmo Júlio, que escreveu isto aqui?
  • Foi sim, senhor.

O comandante, atentamente, assistia à leitura e balançava com a cabeça aprovando o que eu houvera escrito.

Finda a leitura, o comandante pegou xerox de um dos jornais que dei entrevista, e disse-me:

“Não, Júlio...! Não é nada não. Isto é coisa de Dantas!... Mas, eu quero lhe dizer que você está com a razão. A partir de agora as portas do meu gabinete estão abertas para a diretoria da associação.”

Com a minha posição contra a desmilitarização, o comandante estaria do nosso lado, transmitindo-nos uma certa confiança, vez que eu e minha diretoria estávamos nos preparando a fim de buscar diálogo junto ao governo do estado, através do comando.

Capítulo 91

Procuramos o comandante

               Com aquela franqueza do coronel Luiz Pereira, tudo nos levaria a crer que teríamos o seu apoio na nossa pauta de reivindicações que já estava pronta, a fim de apresentar ao governo do estado, por intermédio dele.

Convoquei os subtenentes e sargentos à associação, sendo minha proposta de reajuste salarial discutida e aprovada. Constitui uma comissão sob a minha responsabilidade e fomos ao comando na certeza de que ele iria ao governador buscar uma solução plausível, já que ele demonstrava haver se transformado ao retornar da convenção dos comandantes.

O coronel Luiz nos recebeu divinamente bem no seu gabinete com ar condicionado, garçom para servir chá, cafezinho e refrigerantes. Fantástico...! Fenomenal!.... Nota 10!!

O coronel Dantas, subcomandante, foi convocado pelo comandante, para assistir a nossa conversa.

Apesar de tanta gentileza com os permanentes serviços de garçom, o coronel Luiz era muito devagar quando o assunto se referia aos nossos vencimentos e dependendo de ir falar com o governador. Para acabar de acertar, existia um membro da comissão que não parava de dar razão ao comandante, deixando-o se deleitando.

Foram mais de duas horas de conversa com o comandante, que em nenhum momento externou uma posição firme em defesa dos salários de seus comandados. Parecia até que nós estávamos reivindicando uma coisa totalmente impossível. Concluindo, perguntei:

  • Senhor comandante, a situação não é mais de esperar. Quando é que o senhor vai ao governador?
  • É!!... Numa oportunidade...né! num namoro!!... O comando!... Fala com o governador, né.

Dantas tomou a palavra dizendo que o estado vivia em dificuldade financeira e não podia dar o que nós estávamos pedindo. Dava a entender que ele seria alguém da área econômica, e saberia quanto o estado arrecadava.

O coronel Dantas teria mais do que razão se ele e os demais coronéis do alto comando não recebessem altíssimas gratificações de cargos de confiança, bem acima dos seus vencimentos, que somando tudo, nadavam num mar de mordomia, tornando-os seus reféns e ficavam de bocas caladas, enquanto toda a tropa vivia “a ver navios”. Coronéis amigos...!? Mui amigos!!...

Capítulo 92

O comandante cruzou os braços

           Passados 45 dias da audiência com o comandante, retornamos ao seu gabinete. Ele, entretanto, não havia dado um passo a fim de ir ao governador apresentar a nossa proposta. Ele, contudo, preferiu aumentar o seu poder de fogo ao convocar os coronéis do alto comando, com o objetivo de participarem da reunião, que procuraram nos encurralar com um verdadeiro interrogatório, no intuito de nos intimidar.

Os coronéis, com tanto afinco, defendiam os cofres públicos dizendo que o estado não tinha condições para dar aquele reajuste, porém, eram logo rechaçados na sua mesquinhez quando lhes eram apresentados os valores que o estado arrecadava mensalmente.

O coronel Luiz não apresentou nada de concreto. Continuava dizendo que estava esperando uma oportunidade para falar com o governador, enquanto os demais secretários de governo não tinham facilidade para marcar audiência com o chefe do executivo potiguar, o comandante - também secretário igual aos outros - fugia do assunto como o diabo foge do nome de Jesus.

Saímos do gabinete sem nenhuma perspectiva de negociação com o governo. E acima de tudo decepcionados com o homem que nos franqueara as portas do seu gabinete.

Chegamos à conclusão de que, não só o comandante, mas, todos os coronéis que formavam o alto comando não tinham interesse nenhum em buscar melhores vencimentos para a sua tropa. Eles viviam bem obrigado, com as gratificações de cargo de confiança. E o resto?....

A tropa - do tenente-coronel ao simples policial militar - não gostou da posição assumida pelo comando. E as pressões me impulsionavam a uma providência mais radical.

Passamos 90 dias esperando uma posição do comandante que nos levasse a uma negociação com o governador. Ele, lamentavelmente, não se mexeu dando total descaso ao nosso pleito.

Diante de tal atitude do comando, convoquei os subtenentes e sargentos. Reunidos, decidimos deixar o comandante para lá e tentarmos contato direto com o governador, tendo como elo de ligação o deputado Getúlio Rego, líder do governo na Assembléia Legislativa, mas não obtivemos êxito, isto porque o comandante prestava informações ao Chefe do Gabinete Civil do Governador, doutor Leônidas Ferreira,  de que não existia insatisfação na tropa,  que tudo ia bem e sob controle. O governador, entretanto, acreditava no que o seu auxiliar lhe informava.

Esgotadas as possibilidades de uma negociação, nomeei uma comissão, a fim de promover uma urgente reforma no estatuto social da entidade, pois o atual não me dava poderes para contratar um advogado que iria impetrar Mandado de Segurança Coletivo junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, cuja medida já estava liberada pelos subtenentes e sargentos, sócios do Clube Tiradentes.

Para efetuar a reforma designei o sócio Luiz Carlos como presidente da comissão de reforma estatutária. Este delegou poderes ao secretário da comissão, Gilvan Clemente, que se encontrava com 6 meses de licença especial, ficando responsável pelas alterações em regime de urgência, para em seguida convocar a comissão e concluir os trabalhos.   Ocorre, todavia, que o secretário gozou o seu período de licença e não havia feito nada, razão que me levou a avocar os trabalhos da comissão, e em regime  urgentíssimo, com a valorosa colaboração de Luiz Carlos, fiz a reforma estatutária, que  foi aprovada e registrada em cartório.

Capítulo 93

Mandado de Segurança

           Para ficar à frente da ação contratamos o advogado José de Ribamar de Aguiar, professor de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e Promotor Público Aposentado.

No início de fevereiro de 1992, o doutor José de Ribamar deu entrada no Mandado  de Segurança  Coletivo  junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Como o próprio nome já o diz, o mandado assegurava os direitos coletivos só dos associados do clube, pois é assim que determina a Constituição Federal.

Na ação, o advogado argüiu a inconstitucionalidade do abano que estava sendo recebido pelo aluno soldado, pois se o estado pagasse o seu soldo igual ao salário mínimo, os soldos dos impetrantes seriam reajustados no mesmo percentual. E, uma vez reconhecido tal direito, o advogado requereu o cumprimento do índice escalonado dos impetrantes - 556 sócios do clube -, cuja listagem foi anexada à ação.

O mandado gerou uma grande polêmica dentro da corporação. E muita gente - que nunca fez nada pelo engrandecimento da PM – fazia-me críticas sujas. Teve coronel, que formara muitos sargentos, chamou-os de analfabetos, comentando:

“Sargentos analfabetos! Eles chamam mandato de segurança!... É mandado de segurança!!...”

Outros diziam:

“O direito é do aluno soldado. Júlio é um besta. Ele está perdendo tempo”.

Houve coronel que me debochava frontalmente, dizendo:

“Você não ganha, não Júlio!!... Cá... cá... cá...cá!!...”

Enquanto os coronéis do alto comando me tratavam assim, os demais policiais militares  aplaudiam-me. Até os tenentes-coronéis - estes não tinham direito às gratificações do alto comando e ralavam com a tropa - procuravam me encorajar, dos quais teve quem dissesse que eu era a salvação da lavoura.

Capítulo 94

Coronel Mendonça na briga

                  O coronel Mendonça - o então aspirante Mendonça da greve dos sargentos de 1963 - estava na direção do Presídio Central Doutor João Chaves, e era presidente do Clube dos Oficiais da Polícia Militar, o qual resolveu entrar na briga jurídica seguindo o exemplo do Clube Tiradentes. O coronel pediu demissão  do cargo de diretor, e perdeu a boa gratificação que recebia. Ele convocou os oficiais a uma reunião no seu clube, que opinaram pela impetração de um mandado. Teve coronel do alto comando que se fez presente, concordou e assinou o livro de presença, mas recuou e pediu ao coronel Mendonça para retirar o seu nome.

A fim de agilizar a ação, o coronel Mendonça contratou o advogado Ivan Maciel, que entendeu ser a legitimidade só do aluno soldado. Ora, mas o cidadão que está fazendo um curso para ser incorporado aos quadros da Polícia Militar, jamais entraria com um mandado de segurança contra o estado. E foi justamente aí que faltou inteligência de quem elaborou a proposta apresentada pela Polícia Militar à Constituinte Estadual. E isto foi protestado à época. Porém, o autor da proposta apresentada pela Polícia Militar à reforma constitucional, que se julgava um todo poderoso, não deu ouvidos às nossas sugestões. 

O Coronel Mendonça conseguiu que um aluno soldado assinasse uma procuração. O comandante ao tomar conhecimento, determinou à segunda seção que destacasse um agente para descobrir o nome  do autor da assinatura. Foi fácil. Identificado, portanto, o nome do cidadão, que entrou no caminho para ser desligado do curso, não o sendo porque houve a interferência do Coronel Mendonça e vários coronéis da reserva.

O que o comandante nunca soube foi que, após aquele fato, eu também peguei uma procuração de outro aluno soldado, e da mesma turma do primeiro. Nem eu para ser sincero, gravei o seu nome, nem tampouco a sua fisionomia. Mas, a procuração, apesar de estar no processo, chegou depois que o Procurador Geral da Justiça havia formulado o seu parecer. E esta demora ocorreu em virtude da repressão feita pela segunda seção, deixando em pavorosa todos os alunos soldados.

   Capítulo 95

O cala boca dos coronéis

             Um fato que passou a chamar à atenção dos policiais militares e visto com muita estranheza era o pagamento de gratificações aos coronéis do alto comando, sem existir nenhuma lei, que se propagou rapidamente no meio da tropa. E os policiais as chamaram de cala boca.

Inconformado com o descaso dos oficiais do alto comando fui à Procuradoria Geral do Estado, a fim de colher informação sobre as tais gratificações, e quem me atendeu muito interessado no assunto foi o Procurador  do  Estado,  doutor  Francisco de Souza Nunes, ex-coronel da Polícia Militar, o qual se manifestou contra as gratificações, e me forneceu vários documentos contendo pareceres da Procuradoria Geral contra ao pagamento das gratificações que o alto comando recebia. Ele,  todavia, não deixou de criticar-me dizendo:

“Se eu fosse o comandante lhe daria uma punição, pois existe um regulamento disciplinar, e você vive dando     entrevista em jornais, rádios e televisões.”

Ora, ora que procurador mais besta, o qual continuava com a cabeça de coronel de polícia!

Num dos pareceres, que era de novembro de 1991, o procurador considerava ilícito o pagamento de tais gratificações.

De posse dos documentos, procurei os meios de comunicação e denunciei aquela irregularidade. Deixei os coronéis transformados numas feras, os quais só estavam interessados no bem-estar deles mesmos. Era incrível!!!

Capítulo 96

Nova proposta ao governo

           No dia 25 de março de 1992, eu e minha diretoria nos reunimos com o deputado Getúlio Rego, no Gabinete Civil do Palácio Potengi, oportunidade em que foi entregue nova proposta ao Secretário Leônidas Ferreira, chegando às mãos do governador José Agripino naquela mesma data.

O documento alertava ao governador que os baixos salários pagos pelo estado aos policiais militares estavam levando reflexos negativos à tropa, declinando a disciplina, causando desmotivação para o trabalho. Continuando, falava sobre a falta de profissionais, levando os policiais militares a enfrentarem uma desumana escala de serviço de 24 por 24 horas, ferindo, violentamente, a Constituição Federal, que determinava uma carga horária de 44 horas semanais, enquanto os PMs estavam obrigados a trabalhar 96 horas semanais, levando-os a um total desequilíbrio emocial, pondo em risco, especialmente, o desempenho de suas funções.

Na questão salarial, mostrava ao governador que no início do seu governo um PM de 3a. classe recebia de vencimentos o equivalente a  três salários mínimos e meio, e que naquele mês de março, os vencimentos do mesmo PM não passava de um salário mínimo e três décimos. Um coronel, que no início do governo José Agripino, ganhava dez salários mínimos de soldo, estava ganhando dois salários e meio. Nada disto incomodava  aos coronéis que havia desprezado os seus soldos e correram à procura das altas gratificações, deixando-os, vergonhosamente, omissos aos clamores dos seus comandados.

Na reivindicação, era solicitado ao governador que o soldo do coronel PM fosse elevado para seis salários mínimos, aplicando-se o escalonamento vertical, com o mesmo percentual, para o resto da tropa, e que as gratificações dos praças fossem equiparadas às dos oficiais, referentes aos cursos de formação e aperfeiçoamento. E o auxílio de moradia que era de 10% para os oficiais e sargentos, fosse elevado para 30% para toda a tropa.

Do Palácio Potengi, fui à Assembléia Legislativa, de onde dei uma entrevista ao jornalista Jurandy Nóbrega, do jornal Tribuna do Norte.

Falei sobre a situação de absoluta miséria que estavam vivendo os policiais militares, tornando-se impossível controlar uma tropa faminta, e culpei o descaso do comando que vivia alheio à crise na corporação. Alertei sobre toda aquela situação, considerando que os policiais estavam dispostos a parar as suas atividades profissionais.

O comandante geral havia dado entrevista em outro jornal, e negava que houvesse insatisfação dentro dos quartéis, nem havia movimento de oficiais ou praças referente a melhores salários, porém, admitiu que os baixos vencimentos levavam os sargentos a demonstrarem insatisfação generalizada.

O governador determinou que a proposta do Clube Tiradentes fosse remetida ao Chefe do Gabinete Militar, a fim de proceder estudos e ser devolvida ao Gabinete Civil para as devidas providências. Porém, de maneira estranha ficou engavetada naquele Gabinete Militar. E de lá só se movimentou com o coronel Salatiel que assumiu o referido setor, no governo Vivaldo Costa, que atendeu a proposta que eu havia apresentado em nome do Clube Tiradentes, corrigindo uma grande injustiça que  fora praticado pelos próprios oficiais da Polícia Militar contra os praças - os seus irmãos de farda.  

Capítulo 97

Reação do alto comando

            No outro dia - 26 de março - a manchete do jornal Tribuna do Norte, estava fumaçando,  bem destacada:

“GREVE NA PM É IMINENTE POR CAUSA DOS          BAIXOS SALÁRIOS”.

Na  manhã daquele dia, fui ao Hospital da Polícia Militar, onde me procurou um major chefe da segunda seção, que sempre vivia me perseguindo, o qual muito descortez,  que,  aliás,  nunca  foi  novidade, disse-me para ir falar com o comandante geral, urgente. Alguns companheiros da reserva que se encontravam comigo, seguiram-me até ao quartel, onde impaciente, o oficial de dia me aguardava, levando-me direto ao gabinete do comandante geral, e lá fiquei 3 horas esperando numa sala, enquanto em igual tempo, os coronéis estavam reunidos, reservadamente, com o comandante às portas fechadas.

No tempo que passei esperando, policiais da ativa e da reserva foram até à sala diversas vezes, os quais me informavam de que a tropa estava sendo mobilizada, inclusive com o apoio de alguns oficiais subalternos. E tudo estava certo: Se eu ficasse preso, seria deflagrada uma greve.

Já bastante impaciente com tanta demora, finalmente a porta do gabinete do comando geral foi aberta. Era o Coronel Dantas - o subcomandante - que me chamou fazendo sinal com a mão.

Entre o comandante e o subcomandante existia uma cadeira vaga. Era para mim, na qual ordenou o comandante que eu me sentasse.

“Senta Júlio! Senta Júlio!”

E continuou o comandante:

“Olhe, Júlio, nós mandamos lhe chamar aqui, não é pra lhe prender não. É só pra conversar com você.”

Notei a fragilidade incrível do comandante, porém, esta era assanhada com a presença hostil do coronel Dantas, que impiedosamente aplicava pesadíssimas punições contra os seus subordinados menores, os  subtenentes, sargentos, cabos e soldados. O qual, de cara fechada, me olhava por cima dos seus óculos de graus.

Sobre a mesa do comandante estava um exemplar da Tribuna do Norte que tinha a minha entrevista. A conversa teve início pela manchete. Os coronéis queriam atribuir a mim um trecho da reportagem que falava sobre a “chamada lei dos 30” instituída pelo coronel Dantas e destacava:

“Os PMs responsabilizam o Coronel Dantas, subcomandante da Polícia Militar, pelo retorno da lei dos 30”.

O comandante queria que eu enviasse carta à redação do jornal, a fim de desmentir aquela reportagem, pois os coronéis entendiam ser eu o responsável pela acusação feita ao Coronel Dantas.

Como Presidente do Clube Tiradentes, disse ao alto comando que as declarações seriam mantidas, e que eu não era responsável pelo que não disse.

Só analfabeto não entenderia quem teria dado as declarações sobre o Coronel Dantas.

Os coronéis insistiam em querer me atribuir as acusações, quando, de repente, chegou à reunião o jornalista Jurandy Nóbrega, que de viva voz informou ao comandante  que eram os PMs na rua que davam aquelas declarações, quando abordos.

O comandante, sem ter mais como me pressionar ordenou-me:

“É, Júlio, pode descer, né...! Mas, antes tome um refrigerante. Toma, Júlio. Toma...”

Retornei à tropa, que estava tensa, inclusive até oficiais superiores, que não participavam do generoso festival de gratificações, faziam severas críticas ao comandante.

Capítulo 98

Apoio do coronel Mendonça

           O coronel Mendonça, no dia 27 de março, em entrevista ao jornal Tribuna do Norte denunciava a vida de miséria que os policiais militares estavam enfrentando. Ele dizia que a situação não comportava mais esperar. Tendo que ser já. E que a preocupação de urgência era para evitar que se chegasse ao ponto que os oficiais perdessem o comando da tropa, a qual vivia a espera de um comando para deflagrar uma greve.

Reconheceu o coronel que a greve na PM era proibida por lei. Consciente disso fez um apelo ao governador para ser concedida, pelo menos, antecipação salarial levando em consideração a gravidade  do momento, sendo preciso obter uma forma de concessão de aumento emergencial para minorar a situação atual da tropa. Do contrário, poderiam enfrentar a  mais grave crise da história da Polícia Militar do Rio Grande do Norte.

Na verdade, o coronel Mendonça estava certo. A situação não era de brincadeira. Na Assembléia Legislativa, o deputado Antônio Capistrano lia, em plenário, cópia de um boletim da PM em que o soldado Djalma fora preso “por haver contraído dívidas além de suas possibilidades  financeiras  e  se  esquivado de saldá-la, comprometendo assim o bom nome da classe e da corporação.” O deputado considerou o episódio, um desrespeito ao ser humano.

O comandante não dava um passo em busca de melhores condições financeiras para os seus subordinados, mas aplicava punições exageradas e vivia me ameaçando com punições, utilizando um regulamento disciplinar totalmente arcaico, que fora reformado na fumaça da ditadura militar. E ainda reunia a impressa para informar que não havia insatisfação na tropa e que estava tudo bem.

Nos quartéis da Polícia Militar, os comentários eram grande sobre a posição do coronel Mendonça. Os policiais não poupavam acusações contra o comandante, inclusive divulgavam fatos comprometendo a sua administração.

Temeroso de que a posição de Mendonça iria fortalecer a campanha que  eu estava promovendo, determinou que a segunda seção seguisse os meus passos.

No início do mês de abril, o comandante mandou me chamar ao seu gabinete, fazendo-me ameaças de me prender se eu concedesse alguma entrevista aos meios de comunicação.  Dois dias depois, os jornais publicaram uma entrevista minha. E o comandante nada fez. Ele temia prender-me e a tropa se revoltar.

Capítulo 99

Bate panelas

            A inoperância do comando levou-me a convocar uma assembléia geral unificada com a presença da família policial militar. Na reunião ficou decidido promover um bate panelas em frente ao Palácio Potengi, a fim de mostrar a cara da miséria ao governo e a sociedade.

Impassível, o comandante geral ao tomar conhecimento tentou impedir a manifestação da família policial militar, mandou chamar o coronel Mendonça ao seu gabinete, ao qual disse:

“Mendonça, procure Júlio e peça para ele não fazer esse  panelaço.”

O coronel respondeu:

“Eu não!... Tomara que ele faça!!”

Às 16:00 horas do dia 15 de abril de 1992, ocorreu o bate panelas, que  contou com o apoio do pessoal da Polícia Civil e seus familiares. E foi sucesso total. Utilizando um carro de som, diversas esposas de policiais militares e civis fizeram discursos condenando o descaso do governo e denunciando o quadro de penúria que castigava os lares dos policiais militares.

Às 14:00 horas do dia 14, à véspera da manifestação, eu me encontrava no Clube Tiradentes. Uma coisa incrível me aconteceu: Deu-me um frio infernal, e tremia, descontroladamente. Fui levado, às pressas, ao Hospital da Polícia Militar. E lá, fiquei internado quatro dias.

Não tive condições de comparecer ao bate panelas. Enquanto eu estava doente, um subtenente comentou para um companheiro:

“Você viu o que foi que Júlio fez? Botou todo mundo numa fria com aquele bate panelas e inventou que estava doente e lá não foi.”

O outro companheiro contestou:

“Mas, como é que você diz uma coisa desta...! Eu sou técnico de enfermagem, como você é, trabalho no Hospital da Polícia Militar. Vi quando Júlio chegou lá e fui visitá-lo. Ele está doente mesmo.”

A manifestação da família não sensibilizou em nada as autoridades do executivo. Deveras, os policiais militares não eram problema, tendo um alto comando daquele.

 

Capítulo 100

Posição do clube dos oficiais

          Dispostos a resolverem a questão salarial, os oficiais solicitaram a convocação de uma assembléia em seu respectivo clube para o dia 28 de abril, numa terça-feira.

Depois de discutirem diversas propostas, eles resolveram aprovar um aquartelamento que se concretizaria no dia 4 de maio - segunda-feira. A posição dos oficiais foi tomada em razão do clube haver realizado uma assembléia anteriormente, à qual compareceram o comandante geral, o subcomandante, em companhia do coronel Waldomiro, este, Secretário Chefe do Gabinete Militar. Naquele momento o coronel Luiz Pereira apresentou uma proposta que foi aceita pela oficialidade. Ocorre, todavia, que os oficiais souberam, de imediato, de que a tal proposta teria sido  falsa, a fim de segurar os oficiais.

No dia seguinte àquela última assembléia, o coronel Mendonça publicou nota na imprensa anunciando o aquartelamento se o governador não resolvesse a questão salarial até a data que seria executada a decisão.

Com a publicação da nota, as coisas esquentaram dentro da corporação. Era o assunto que se comentava. Os PMs, de fato, queriam mesmo o aquartelamento. Por outro lado, existia coronel do alto comando arquitetando planos diabólicos a fim de derrubar o coronel Luiz Pereira, e, com bastante habilidade, mandou os policiais de sua absoluta confiança  incentivarem a tropa para o dito aquartelamento, botando mais lenha na fogueira.

Capítulo 101

Ameaças do coronel Dantas

        A posição assumida pelo Clube dos Oficiais da Polícia Militar e pelo Clube Tiradentes, levou o subcomandante, Coronel Josemar Dantas, a pressionar os oficiais, especialmente, os que comandavam tropas.

O coronel Dantas, que os policiais militares o alcunharam de o ditador da PM, aterrorizava a todos com descontroladas punições disciplinares malvadas. Ele era tão cruel que agravava as punições de 8 dias de detenção aplicadas pelos comandantes de companhia para 30 dias de prisão, sem, contudo, dar o direito de defesa aos seus subordinados. Todos os dias, os boletins da caserna aumentavam suas páginas para dar espaço à avalanche de punições desatinadas, sem qualquer formalidade legal. Sem chamar os policiais para se justificarem. Era uma verdadeira ditadura. Ao arbítrio da tirania do subcomandante.

Reunido no seu gabinete, com outro oficial superior, tido como linha dura, o Coronel Dantas mandou chamar os oficiais que comandavam tropas e com o Código Militar aberto à frente dos seus subalternos, dizia:

“Olhem aqui!!... Olhem!!... É crime militar. Se vocês se meterem nisso, eu mando instaurar Inquérito Policial Militar contra vocês. E vocês vão para a cadeia e não serão promovidos.”

Os oficiais saíam aterrorizados.  Alguns, de fininho deixaram o gabinete de Dantas, e ficaram na deles, mas, outros, temendo a ação devastadora do subcomandante reuniram os seus comandados, orientando-os a não participarem das reuniões promovidas pelo Clube Tiradentes, inclusive ameaçavam com punições para quem desobedecesse.

Era estranho aquele comportamento, tanto do alto comando, bem como dos oficiais, os quais conviviam, cotidianamente, com os problemas dos seus comandados, ouvindo suas lamúrias requintadas pela miséria.

A situação estava tão caótica que a TV Ponta Negra mostrava o policial militar J. Santos, que para sobreviver com a família, catava lixo. J. Santos deu uma entrevista que sensibilizou a opinião pública, mas, não atingiu a sensibilidade dos oficiais do alto comando. Os quais não passavam de vavassalos palacianos, ficando, de maneira amesquinhada, contra aos anseios dos seus sofridos e humildes praças.

Eles não eram capazes de enxergar a miséria que passava a tropa, inclusive, puniam os policiais que procuravam um trabalho fora da corporação, nos seus horários de folga, submetendo-os aos seus sádicos e mordazes desejos, nutridos para aniquilar a vida do homem.

Apesar de sua crueldade na aplicação das punições, o coronel Dantas não teve punho suficiente para aplicar punição contra o PM J. Santos, em virtude das famílias dos policiais militares e civis haverem anunciado um bate panelas como forma de protesto.

O soldado J. Santos, que era corredor dedicado, ganhou inúmeros troféus representando a Polícia Militar. Ele, de tanto ser perseguido, acabou sofrendo das faculdades mentais.

Uma coisa, contudo, tinha-se certeza: De que o alto comando não deixaria J. Santos em paz. Verdadeiramente, foi o que aconteceu. Ele não conseguiu fugir das humilhações. E foi tão humilhado pelos serviçais do alto comando, que certo dia retornou correndo para a sua residência localizada numa distância de 20 quilômetros, chegando sem coturnos, e só de calça.

Capítulo 102

Apoio do clube dos oficiais

         A diretoria do Clube Tiradentes não acreditava que o aquartelamento ocorresse na segunda-feira, tendo em vista as ameaças.

Os meus diretores estavam temerosos, pois os coronéis do alto comando, que  haviam se separado da tropa,  não sabiam fazer outra coisa, senão ameaçar os policiais militares que se manifestavam favoráveis ao aquartelamento. Eu assumi a responsabilidade ao distribuir nota da associação, que foi publicada nos grandes jornais de circulação do estado.

Através da nota ficava marcada uma assembléia geral unificada,  às 14:00 horas, do dia lº de maio de 1992 - dia do trabalhador -, no Clube Tiradentes.

Na reunião seriam discutidas as providências a serem adotadas na segunda-feira com o aquartelamento, enquanto as famílias realizariam uma passeata, também, no mesmo dia.

O coronel Luiz Pereira, a fim de analisar a decisão tomada pelos dois clubes, reuniu-se com os oficiais do alto comando, o qual em entrevista à imprensa, disse que o coronel Mendonça contava com a minoria, e daquele modo, uma pessoa só não podia falar em nome da corporação.

Mas, a corporação do comandante não passava dos 5 coronéis das gratificações e alguns oficiais medrosos. Concluindo, o coronel Luiz Pereira encerrava dizendo que se tratava de problemas pessoais específicos e ia analisar isoladamente cada situação de indisciplina e punir; quando ele deveria ter um pingo de solidariedade e ir ao Governador do Estado buscar uma solução plausível em defesa de sua tropa. Mas, que nada! Que nada!... Para quem jamais sonhou que um dia tomaria assento naquela cadeira, faria qualquer negócio, exceto defender os direitos de sua tropa.

O coronel Mendonça no mesmo jornal deu entrevista, dizendo:

“A atitude do alto comando é de pagar para ver. Os coronéis que fazem parte do alto comando estão divorciados da tropa no seu dia-a-dia, por isso não acreditam que os oficiais farão a paralisação.”

 

Capítulo 103

A revolta da tropa

              Com tantas ameaças, os oficiais - dos tenentes aos tenentes-coronéis - calaram-se, não obstante, a divulgação da assembléia continuava, sem cessar, no seio da tropa, que em nada mudara a sua posição.

Os praças revoltados acusavam os oficiais do alto comando de cruzarem os braços porque recebiam gratificações extras, levando-os ao surdimutismo antagônico à causa dos seus comandados.

Na quinta-feira,  dia 29,  às 9 horas, o coronel Mendonça fizera uma convocação para 8 oficiais que integravam uma comissão sob a sua presidência, no Clube dos Oficiais da PM. E para surpresa dele, lá não compareceu ninguém, os quais alegaram a opressão no interior do Quartel do Comando Geral.

A oficialidade estava apavorada. Os oficiais faziam filas, diariamente, para falar com o subcomandante, que não abria mão de suas ameaças. Tudo em nome das gratificações.

Teve oficial que, chamado à presença do comandante Luiz Pereira, mudou até de religião. Aderiu à religião do comandante: O PROTESTANTISMO. E segundo o zunzunzum dentro do quartel, o comandante só sabia dizer:

“Vamos orar!... Vamos orar!... Vamos orar, né"!!...

Enquanto o alto comando promovia as suas ameaças, os meios de comunicação  divulgavam  a  assembléia  geral  do  dia 1º de maio, às 14:00 horas, no Clube Tiradentes. E, em cada nota divulgada era confirmado o aquartelamento na segunda-feira.

Capítulo 104

A assembléia do dia 1º

             No dia 1º de maio, pela manhã, convidei os oficiais que se diziam apoiar o aquartelamento para comparecerem ao Clube Tiradentes, uma vez que antes da assembléia seria feita uma reunião com eles, os quais, temerosos às ameaças do subcomandante Dantas, recuaram. À hora marcada, lá eles não compareceram, senão o coronel Mendonça.

Os policiais levaram suas famílias, deixando o clube lotado. Eles estavam dispostos ao aquartelamento e aguardavam, tão somente um comando. Exatamente, às 13 horas e 30 minutos, fui chamado ao telefone. Era o coronel Waldomiro Fernandes da Costa, Secretário Chefe do Gabinete Militar, o qual me comunicava que o Governador José Agripino, que  se encontrava no Rio de Janeiro, o havia autorizado levar uma proposta de melhoria salarial para os policiais, na reunião daquela tarde.

Pela proposta do governo, anunciada pelo telefone, a partir do dia 1º de maio, seria dado um reajuste de 140%, de uma só vez no soldo, igual ao aumento do salário mínimo, e reajustaria a gratificação de função (GF-1) de 30% para 67.33%. 

A diretoria do Clube Tiradentes se reuniu, preliminarmente, com o coronel Mendonça, entendendo-se que a proposta do governo não era o que se estava esperando, mas seria viável não podendo ser rejeitada. Chegando-se a esta conclusão, convocamos os policiais, a fim de informá-los sobre a proposta do governo e solicitamos controle emocional durante as discussões com  o  seu representante. Fizemos ver aos policiais que não podíamos recusar a proposta, considerando que o governo havia recuado e que devíamos sair da reunião de cabeça erguida. De início, a proposta foi aceita por 80% dos presentes, enquanto os outros queriam o aquartelamento.

Aguardamos a chegada do coronel Waldomiro, quando fomos surpreendidos com as presenças inesperadas do Comandante Geral da Polícia  Militar, do coronel Dantas e os demais coronéis do alto comando e os majores Reis e Josemar, que se apareciam até dois ferozes leões. Que, sem a juba, davam esturros de franzir testas e sobrancelhas.

Os policiais que se encontravam sentados nas primeiras cadeiras da frente, gentilmente, cederam os seus lugares aos oficiais. Eis que chegou o coronel Waldomiro, o qual se sentou ao lado da diretoria, onde já estavam o comandante e o coronel Mendonça.

O comandante vendo que os seus oficiais do alto comando estavam sentados ao lado dos policiais, disse:

“Júlio, convide os coronéis para participarem da mesa.”

Convidei-os. Porém, não gostei porque a presença deles à reunião,  era  exclusivamente  para  inibir  os  policiais.  De  fato,  o foi. Dando início aos trabalhos, foi passada a palavra ao coronel Waldomiro, que anunciou a proposta do governo, o qual justificou a demora do chefe do executivo na solução dos problemas financeiros dos policiais militares e culpou a desinformação, ao enfatizar:

“Não existe mal maior do que a desinformação.”

Após a fala do Chefe do Gabinete Militar, foi dada a palavra ao comandante, coronel Luiz Pereira, que nada acrescentou às palavras do seu colega.

Durante a apresentação da proposta, o sargento Peixoto(*) perguntou que garantia o governo daria, a fim de cumprir aquela proposta, citando o que houvera acontecido no clube dos oficiais há poucos dias.

Os coronéis não gostaram da pergunta, mas de imediato, fiz uma colocação dizendo que o sargento estava certo, contudo, eu não acreditava que o governador recuasse, pois tudo estaria sendo documentado pela imprensa presente - jornais, rádios e televisões. E, se isso acontecesse, o governador ficaria desacreditado perante a sociedade, os policiais e seus familiares.

O terceiro a fazer uso da palavra foi o coronel Mendonça dizendo que a proposta satisfazia, em parte, aos anseios dos oficiais, esclarecendo:

“Não é a proposta ideal ainda, mas é muito próxima  do que os oficiais desejam e não deixa de ser uma boa conquista para a tropa inteira, pois os percentuais  oferecidos serão pagos de uma vez, o que muitas categorias de servidores estaduais não terão um aumento que representa 172.33%.”

Ouvidos os 3 oficiais, chegou a minha vez. Iniciando, eu disse que:

“Apesar de aceitar a proposta do governo, ela era boa para um salário mínimo de 96 mil até ontem - dia 30 de abril -, mas, a partir hoje - lº de maio -, quando o salário mínimo passou para 230 mil cruzeiros, a proposta governamental já não é boa, mas, como nós estamos com um Mandado de Segurança na justiça e já sentindo o cheiro do direito... Ela é aceitável.”

Após minha fala, houve a votação. Foi aprovada a proposta, muito embora existisse insatisfação dentre boa parte dos presentes, que não se  manifestou porque considerou constrangimento a presença dos coronéis, que ficavam atentos até a um piscar de olhos, quando deveriam ter o mínimo de sensibilidade e respeito para com os seus comandados.

Terminava a reunião, e com a saída dos coronéis, vem, então a revolta dos policiais que não estavam de acordo, e que temerosos não externaram os seus pontos de vista.

Revoltados e de posse do microfone, partiram para os protestos. Eles diziam que o reajuste não iria resolver, basicamente, nada, e a fome continuaria castigando as suas famílias.

Em meio àquela confusão chegou o major Paulo Frassatti de Oliveira, que sempre esteve do nosso lado cultivando bom relacionamento com os seus subordinados. O major não se conformou com a proposta, e o recuo dos oficiais, chamando-os de covardes.

Os policiais exaltados decidiram ia buscar a reportagem do Aqui Agora, da Tv Ponta Negra, que se localizava em frente ao Clube Tiradentes. Com a presença da reportagem houve manifestação dos policiais, causando indignação aos “poderosos” coronéis.

No outro dia - 2 de maio -, nas unidades policiais militares, o que se comentavam eram os últimos acontecimentos da assembléia do dia 1º, e naquele mesmo dia, o comandante resolveu punir o major Paulo Frassatti e o Soldado Gonzaga.

Capítulo 105

Vingança do comando

         Os dias iam se passando. Tudo permanecia calmo dentro dos quartéis. Desapareceram as ameaças e as opressões. Eu sempre desconfiei, pela experiência de outros fatos, que nem eu, nem o coronel Mendonça ficaríamos imunes à sanha do comando.

Realmente, o comandante esperava unicamente que se acalmassem os ânimos da tropa. E, assim, no boletim do dia 14 de maio de 1992, portanto, 14 dias após a assembléia, publicou 6 dias prisão para o coronel Mendonça, que seria cumprida em sua residência, e 4 dias de prisão para mim, para ser  cumprida no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar.

Isto foi numa sexta-feira. Eu me encontrava no Clube Tiradentes, às 15:00 horas, quando chegou um dos meus filhos comunicando haver ido à minha residência uma guarnição da PM comandada pelo capitão Ricardo,  à  minha  procura. Adiantou  meu filho que antes de chegar ao clube, havia passado pela Capemi, onde eu trabalhava como corretor, e teria visto uma outra guarnição parada em frente àquela empresa. Certamente, a fim de prender-me. Ciente, telefonei para um amigo que se encontrava de serviço no Copom - Centro de Operações da Polícia Militar -, o qual me informou de que o comandante havia me punido com 4 dias de prisão, determinando o meu recolhimento ao Quartel do Comando Geral da Corporação.

Eu estava esperando viajar ao Recife no dia seguinte,  15 de maio, por conta da Capemi, onde, durante uma semana, faria um curso de reciclagem sobre  promotoria de vendas junto com os promotores que haviam sido selecionados no Nordeste, e concluída a reciclagem seria contratado pela Capemi com um excelente salário.

Entrei, imediatamente, em contato com o meu advogado, doutor José de Ribamar de Aguiar, que me aconselhou a viajar e fazer o curso, pois, ele resolveria junto ao comando. Depois dessa conversa, retornei a casa, quando minha esposa informou de que teria ido outra guarnição me procurar. Minha  esposa não se sentia bem. Apesar dos oficiais não lhe haver dito sobre o que se tratava, ela desconfiava que eles queriam me prender.

Eu precisava contar tudo a ela e aos meus filhos. Chamei-os e lhes comuniquei de que eu precisava viajar ao Recife, e não poderia me apresentar antes de realizar o curso. Minha família concordou, mas eu estava aguardando a liberação da empresa para viajar.

Na manhã do dia seguinte, bem cedo, fui à residência de um amigo. De lá telefonei para o Copom, e fui cientificado de que uma guarnição  comandada  pelo tenente Albuquerque, irmão do capitão Ricardo, acabara de deixar o Quartel do Comando Geral, com destino à minha residência, a fim de prender-me e conduzir-me ao Quartel do Corpo de Bombeiros.

Não me demorei na residência do amigo, e retornei para casa. Minha esposa não estava passando bem, a qual chorava bastante. Com a sua voz trêmula, ela queria que eu fosse realizar o curso no Recife, e ao mesmo tempo queria que eu me apresentasse para cumprir a punição.

Ela ficara indignada quando o tenente Albuquerque lhe dissera:

“Se ele não se apresentar hoje, até às 14:00 horas, no Corpo de Bombeiros, a prisão de 4 dias poderá agravar para 15 ou 30 dias. Ele sabe. Ele não é menino.”

Revoltada, minha esposa - Maria Aparecida - disse para o tenente:

“Enquanto vocês estão procurando meu marido como se fosse um marginal, mas, é ele quem luta pelos direitos de vocês, que não têm coragem”.

Vi-me numa situação delicada. Eu cheguei a conclusão  que não poderia viajar deixando minha esposa sofrendo as amarguras patrocinadas pelas perversas estrelas da Polícia Militar. Estrelas estas, que humilhavam e massacravam quem tinha coragem de levantar a voz defendendo os direitos, não só dos praças, mas também de toda a oficialidade. Faltava-lhes respeito aos sentimentos da fome e da miséria, sem um só pouquinho de sensatez.

Aflito, deixei minha residência e fui ao Clube Tiradentes, isto porque eu tinha certeza de que o tenente fora lá me procurar. De fato, a guarnição acabara de sair, onde demorou uma hora, havendo o tenente repetido as mesmas palavras que dissera à minha esposa.

Do clube, telefonei para o doutor José de Ribamar, que me mandou viajar, mas, faltava a liberação da empresa. Porém, o estado de saúde de minha esposa  deixava-me  indeciso. Tive medo de viajar e ela ser molestada pelas ações do comando que mandava os oficiais me caçarem como se eu fosse um bandido. Telefonei para um amigo do Corpo de Bombeiros, que me informou sobre as determinações do coronel Dantas que não parava de telefonar para o oficial de dia perguntando se eu já tinha sido preso, e aos gritos pelo telefone, dizia:

“Eu quero esse subtenente preso! Eu quero esse subtenente preso”!

Muitas guarnições davam uma volta e retornavam ao seu ponto de origem, informando ao coronel Dantas que não me haviam localizado.

Aproximava-se do meio-dia. Eu continuava esperando autorização para viajar. E mais aumentava a minha preocupação com a saúde de Aparecida, minha esposa.

Do clube, fui à residência de um amigo da reserva remunerada da Marinha, que  era promotor de vendas da mesma empresa, onde fiquei até às 15:00 horas. Telefonamos ao gerente da Capemi a fim de saber sobre a liberação, e nada!... Eu sabia que minha família estava sofrendo. Resolvi ir para casa, e em seguida me apresentar para cumprir a punição. O meu amigo concordou, levando-me no seu carro.

Comuniquei a Aparecida que eu iria cumprir a prisão, ela, contudo, respirou aliviada. Apanhei uma bolsa, na qual coloquei roupa e material de higiene pessoal, e fui com o meu amigo ao Corpo de Bombeiros, onde me apresentei ao oficial de dia, ao qual falei:

“Tenente, diga aos meus opressores que eu estou aqui.”

No Corpo de Bombeiros, fiquei no alojamento dos sargentos com direito a me locomover pelo interior daquela unidade militar. O doutor José de Ribamar ao tomar conhecimento sobre a minha decisão foi, de imediato, fazer-me uma visita. Ele, como advogado da associação, mobilizou os meios de comunicação, que não tardaram chegar ao Corpo de Bombeiros, inclusive alguns correspondentes da mídia Nacional.

Ao ser anunciado o local, as visitas e os telefonemas não pararam. Recebi visitas de políticos famosos, e de policiais militares importantes.

Nas entrevistas, protestei contra a minha prisão, que fora irregular, sem me darem o direito de defesa, ilegalidade esta, que se praticava, costumeiramente, na Polícia Militar aos arrepios do bom senso. Denunciei do alto comando que me odiava, porque eu havia criticado o recebimento ilícito  das gratificações irregulares que engordavam os contracheques dos seus coronéis.

O que mais me causou indignação foi a guerra psicológica que o alto comando promoveu junto a minha família.

As punições que nos foram aplicadas teriam efeito moral sobre a tropa. Os coronéis pensavam deixar a tropa amedrontada, e não aconteceria nenhum movimento.

Capítulo 106

Minhas irmãs apareceram

            No dia 20 de maio de 1992, portanto, 6 dias após haver cumprido os 4 dias de prisão, eu me encontrava no Clube Tiradentes quando duas mulheres me procuraram.

A mais nova perguntou-me:

  • O senhor é o subtenente Júlio?
  • Sou, sim.
  • É que eu lhe vi pela televisão!...

Eu pensei, já emocionado:

“Puxa! Estou ficando famoso.”

E continuou a mulher:

  • O senhor conhece Serra de São Bento?
  • Conheço, sim.
  • É por que o nome do meu avô é igualzinho ao seu. O nome do meu avô é Antônio Ribeiro da Rocha. O nome de minha vó é Isabel Firmino da Conceição. E esta aqui - apontando para a outra - é Maria, minha mãe e sua irmã. O senhor tem um irmão chamado Dedé, um chamado Adão, outro chamado Pedro e outra irmã chamada Belinha.

Fiquei pasmo com aquela conversa, pois, há 48 anos que os meus pais haviam me abandonado, e, só 35 anos depois localizei Pedro, o qual, também não conhecia nenhum irmão, bem como não me falou se existia mais alguém, com exceção de Belinha.

Pedi a identidade da mulher mais idosa. Realmente, era minha irmã. Aceitei-a como sangue do meu sangue. Era a mais velha da  família. Chorando, pedia-me perdão dizendo:

“Quando nossos pais nos deixaram, você chorava muito dizendo que eu lhe havia abandonado. Perdoe-me”.

Assisti toda aquela cena sem sentir nada. Era como se eu estivesse vendo uma pessoa qualquer chorando. Fiquei confuso alguns dias, e perguntando a mim mesmo: “Por que eu não havia sentido nada, nem um pouquinho de emoção naquela oportunidade”?

Entendi, depois de vários dias, que o tempo e a falta de contato com a minha família,  falta de carinho, de amor e uma vida sofrida; sem ter vivido uma vida de criança. Sem um colo materno que me acolhesse.  Os meus sentimentos de amor aos meus irmãos de sangue estavam destruídos.

Meses depois, minha irmã Belinha me fez uma visita. E foi a partir daquela visita que comecei a me esforçar para recuperar o amor por elas, que dentro de mim estava totalmente ausente.

 

 

 

 

Capítulo 107

Candidatei-me a vereador

             Em julho de 1992, afastei-me da presidência do Clube Tiradentes, a fim de fazer minha campanha para vereador à Câmara Municipal de Natal.

Os meus amigos - civis e militares - apostavam na minha vitória. Concorri pelo PDT. Sem estrutura financeira, minha campanha era feita junto aos policiais militares e amigos de outros segmentos sociais.

Nas minhas caminhadas, passei algumas vezes pelo Corpo de Bombeiros, conversando, individualmente com todos, que me diziam:

“Subtenente Júlio, nós e nossa família vamos votar no senhor. Nós conhecemos o seu heroísmo. E foi aqui que o senhor ficou preso porque defendeu o nosso direito. O senhor sofreu por nós.”

Dentro do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar e outras unidades da corporação, a conversa era a mesma: Todos votariam no subtenente Júlio.

Meus algozes, que jamis me davam trégua,  faziam  uma campanha nojenta com o objetivo de prejudicar-me. Um subtenente da reserva remunerada da mesma corporação, que pedia votos para um candidato civil, que fora oficial da Polícia Militar, fez-me uma acusação muito grave, espalhando entre os policiais ativos e inativos:

“Vocês estão sabendo o que foi que Júlio fez, aquele cabra safado!? O governador lhe deu 3 milhões de cruzeiros e ele retirou o mandado de segurança.”

A fim de provar que eu não teria feito nada daquilo, fui à Secretaria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, de onde peguei uma certidão provando que o Mandado de Segurança estava lá aguardando julgamento, mas, para muitos, as mentiras que se misturaram com a falta de conhecimento, foram transformadas em verdades, e a certidão da justiça era falsa. Como era cruel!!...

Outros comentavam:

  • Não votem em Júlio por que ele retirou o mandado de segurança.
  • Júlio quer é um emprego.
  • Júlio quer ganhar é vinte e dois milhões.
  • É danado! O cara ganha 2 milhões e 300 mil cruzeiros, e passa para 22 milhões!!

O comandante também fazia a sua campanha negativa, quando falava à tropa:

“Júlio está fazendo tudo isso porque é candidato a vereador”.

E maioria dos policiais, que formava o bloco dos  menos esclarecidos, saia dizendo:

“É mesmo!... Ele está fazendo isso porque é candidato. O comandante está certo.”

Deste modo,  a   campanha  difamante  tomava  corpo gigantesco  no  meio  dos  policiais militares, e tais pessoas capciosas iam ganhando terreno com a sua campanha imunda.

Às vésperas das eleições - nos dias de pagamento do funcionalismo - o mesmo subtenente da reserva, inventou outra calúnia triste:

“Vocês estão sabendo da novidade de Júlio, aquele cabra safado!? O governador comprou uma casa muito boa para ele, empregou todos os seus filhos, e ele está do lodo do governador.”

Quem escutou aquela mentira, não só deixou de votar em mim, como também fez campanha contra.

O alto comando mandou a segunda seção fazer uma pesquisa, a qual constatava que, apesar de tudo, eu seria eleito. 

As estrelas poderosas vendo a minha eleição como certa, resolveram determinar que os policiais que votavam em Natal, fossem cobrir as eleições no interior do estado.  Mas, atingido o número solicitado pela Justiça Eleitoral, ainda era grande o número de policiais que votava na capital, razão pela qual o comandante determinou  que o excesso de tropa fosse deslocado  para o interior, mandando pagar diárias para todos. E assim, só ficaram na capital, os policiais que votavam em outras comarcas.

Chegou o dia da eleição. Não se via um policial militar que votasse na capital. O plano do alto comando foi perfeito.

Ocorreu o resultado oficial do pleito. Vi que os policiais haviam me traído, pois, apesar da campanha infame que promoveram contra mim, só os inativos me elegeriam. E as famílias dos policiais da ativa!? Por que não me deram o voto? Por que eles não conscientizaram as famílias a me derem os seus votos? Tive, apenas, 1.069 votos.

Não foi só a ação do comando e de outros elementos que me prejudicou. Contribuiu também a falta de politização, somando-se à cultura da maioria dos policiais. A exemplo disso, nos bairros que o maior número era de policiais militares, eu tive menos votos.

Nas minhas visitas, eu estive na residência de um policial militar da reserva remunerada, o qual me disse:

“Subtenente Júlio, aqui são 10 votos para o senhor!”

Um amigo meu, do Ceará, que durante muito tempo teve negócios em Natal, deixou sua  residência em João Pessoa, no Estado da  Paraíba,  e  no  dia  da  eleição  foi  à  Natal,  a  fim  de  pedir  votos aos amigos no bairro Dix-Sept Rosado, onde ele havia morado. Depois de votar, já pela tarde, foi à residência de um seu compadre, e era justamente o dito policial da reserva que me prometera 10 votos. O amigo perguntou:

  • Compadre, já votaram?
  • Já!!...
  • Votaram no tenente Júlio?
  • As chapinhas que eu tinha, distribui com o pessoal que eu estava pedindo votos. Eu vou votar agora, mas não tenho uma chapinha. Vocês têm uma chapinha para mim.
  • Temos não.
  • Então, diga-me o número...
  • Nós não sabemos, não.
  • Seus covardes, eu já votei. Eu estava só lhes testando!... Vocês não votaram no tenente Júlio, seus covardes!!...

E assim foi a consciência da maioria dos policiais militares, que tiveram chance de votar em mim e não votaram. Centenas - do coronel ao mais simples policial - votaram em candidatos civis e fizeram campanhas dentro da corporação para eles. E, muitos para mudarem a cabeça dos PMs, denegriam a minha imagem com muita sujeira e baixaria.

Nas minhas visitas, passei pela guarda da Assembléia Legislativa, e quando eu me retirei, o sargento Floriano (nome fictício) que fazia parte daquela guarda, comentou:

“Um porqueira desse quer ser vereador!...”

Capítulo 108

Mais ilegalidade do comando

               O reajuste que o governo dera em 1º de maio já havia sido engolido pela inflação absurda. A tropa vivia desesperada. Temendo que a oficialidade poderia juntar-se aos praças, o alto comando conseguiu estender as benevolentes gratificações a mais 15 oficiais superiores, os quais ficaram de bocas caladas e passaram a reprimir quem se manifestasse a favor de uma possível paralisação. Mas só quem teve direito às gratificações foram os da graça do comandante - preferencialmente os de sua religião – o protestantismo.  E assim, a tropa era cada vez mais penalizada com a falta de competência e sensatez do alto comando, que se tornara o inimigo número um dos praças.

Minha pressão contra as gratificações continuava. Os coronéis do alto comando queriam ver o capeta na frente deles, menos o subtenente Júlio. Teve um deles que me xingou:

“Cadê o escalonamento, Júlio!? Se eu fosse o comandante, lhe expulsava hoje mesmo da polícia”.

E saiu bufando e atirando faíscas para todos os lados.  Parecia a besta fera!

O alto comando conseguiu, sutilmente, legalizar as gratificações através de decreto governamental, instituindo cargos de confiança e comissionado dentro da corporação para os oficiais superiores - a pior coisa que foi praticada e odiada pela tropa. Pela interpretação do comando, nem todo policial militar tinha confiança, coisa mais do que absurda, posto que todo militar é digno de confiança - é o que se presume. É isso que a ética lhe impõe.

Agora, recebendo gordas gratificações, os oficiais viviam um mundo novo  floreado de felicidade. E o resto da tropa amargava o desprezo de quem poderia defendê-la.

Foi em meio a tanto desespero que um soldado PM tentou suicídio ao jogar-se na frente dos carros, no meio da Av. Rodrigues Alves, em frente ao portão principal do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar.

Capítulo 109

Julgamento do mandado

              Depois de 9 meses de espera, finalmente o Mandado de Segurança foi colocado em pauta para julgamento, em data de 11 de novembro de 1992, às 14:00 horas, na sede do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Às 13:00 hora, existiam mais de 100 policiais militares em frente ao tribunal. Todos ansiosos por assistir ao julgamento que seria - como muitos diziam - a salvação da lavoura.

Começaram a chegar os carros pretos de luxo, que conduziam os desembargadores. Era um carro para cada desembargador. A esperança dos policiais estava depositada na consciência daqueles homens, que, elegantemente vestidos com os seus impecáveis paletós,  dirigiam-se ao plenário daquele corte.

Os policiais militares foram ocupando os corredores em busca do plenário localizado no 3º andar. Todos sentados. Ninguém se mexia. Eram 11 desembargadores com o seu presidente, desembargador Deusdedit Maia.

De fisionomias serenas, os policiais aguardavam o julgamento. Quão, porém, foi grande a insatisfação deles ao tomarem conhecimento que o julgamento do Mandado de Segurança não aconteceria naquele dia em virtude de haver faltado um documento para fazer juntada. Foi o alegado do tribunal. Muitos diziam que o tribunal estava com enrolada.

E saíram gritando:

“É enrolada!... É enrolada!...”

Na impossibilidade de realizar o julgamento, ficou marcada nova data para a quarta-feira seguinte, dia 18.

Os policiais militares, depois daquela frustração, reuniram-se em frente à sede da justiça, e decidiram que na nova data levariam mais companheiros e familiares.

Capítulo 110

2a. Data do julgamento do mandado

            Dia 18 de novembro, 13:00 horas. Os policiais e seus familiares ocuparam as 150 cadeiras do plenário e superlotaram as galerias do Tribunal de Justiça do RN. Dava para notar que os desembargadores nos olhavam com certa estranheza, afinal de contas não seria comum tanta gente naquele plenário, a fim de assistir a um julgamento.

Entraram em pauta “habeas-corpus” e outros processos. O tempo passava, e a inquietação aumentava. Os desembargadores cochichavam entre si. Acabaram-se os cochichos e passaram a falar em voz alta. Pelo avançar da hora, a tensão tomava conta do ambiente, que envolvia julgadores e policiais. Houve um instante de silêncio, que foi rompido pelo desembargador Newton Pinto que anunciou a precedência de outros processos com mais urgência, e considerando o horário, não seria possível, em tal circunstância julgar o mandado da associação dos Subtenentes e Sargentos. E marcou nova data, pela 3a vez, para o dia 25 de novembro - quarta-feira.

Decepcionados e vivendo a uma situação de miséria e sem condições de assegurar um eficiente desempenho profissional, os policiais militares viam que o mandado de segurança seria o único veículo que os reconduziria a uma vida digna.

Daquela vez, por nossa orientação, eles não dirigiram palavras de ordem  aos julgadores.

Capítulo 111

Finalmente, Julgado o mandado

            Finalmente, no dia 25 de novembro - quarta-feira Em frente ao Tribunal de Justiça, estava faltando chão. Policiais militares, esposas e filhos ocuparam grande parte da praça 7 de setembro.

Formando fila, foram subindo para o 3º andar do tribunal, e ocupando as cadeiras do plenário. Ocuparam as cadeiras e todos os espaços das galerias. À porta de acesso ao plenário amontoaram-se dezenas de policiais.

O Presidente do Tribunal abriu a sessão. Inicialmente, foram julgados os  “hábeas corpus”, que exigiam prioridade.

Os olhares se voltavam aos julgadores. Silêncio! Nem um cochicho... Nem um!... Todos confiantes que os desembargadores enxergariam à ótica da razão, e à luz do direito. É claro!

Momentaneamente, o silêncio da platéia foi interrompido com a chegada das equipes das Televisões Ponta Negra e Cabugi.

Houve-se a voz do relator do mandado, desembargador Francisco Lima, que lia os pareceres nele contidos, os quais em nada nos agradou... E continuado, leu o seu voto e do revisor julgando improcedente a ação.

 Seguiu-se a sustentação oral feita, brilhantemente, pelo advogado José de Ribamar de Aguiar. Cuja defesa feita com esmero, em nada adiantou.

Vem, a seguir, o voto de cada desembargador.  Por unanimidade, eles negaram aos policiais militares o maior dos seus direitos – o cumprimento do índice escalonado do soldo. Só o desembargador Ivan Meira Lima, que se negou a seguir os seus iguais,   aliou-se ao direito. E votou a favor dos policiais.

Para negar, os desembargadores alegaram que o mandado de segurança pedia reajuste de vencimentos, cujo assunto só quem teria competência para resolver seria o Poder Executivo. Interessante! Muito interessante!!... Mas...  Que absurdo!!?...  O mandado não falava em reajuste de soldo, nem de vencimentos. Ora! Ora! Que engano dos diabos!!

Na ação, foi questionada a falta de obediência à Constituição Estadual e ao Escalonamento Vertical.

A justiça dinamitava a esperança da tropa. A revolta foi geral. Indignados, os policiais afrontaram os desembargadores, gritando:

“Ladrões!!!... Ladrões!!!... Ladrões!!!... Já era carta marcada. O presidente do tribunal é primo do Governador José Agripino. Já estava tudo sacramentado”.

Horrível...! Foi triste. Que justiça, hein!

Tomados pela revolta e espanto, os policiais seguiram as  galerias. Chutes e palavrões invadiram o ambiente, causando espanto aos funcionários de todos os andares. 

Na praça 7 de setembro, em frente ao tribunal, eles se aglomeraram. Indignados e injustiçados, promoveram uma manifestação protestando, fervorosamente, contra a decisão judicial. Gritavam palavras agressivas, assacando-as contra aquela injusta e desastrosa decisão. Concentraram-se em frente ao Palácio Potengi, e queriam deflagrar uma greve naquela mesma tarde. E incentivaram ao cabo Sobrinho, Presidente da Associação de Cabos e Soldados, a acompanhá-los. Sobrinho, porém, seguiu a minha orientação e não se envolveu, ficando descartada a possibilidade de greve.

A manifestação dos policiais militares chamou à atenção das autoridades civis e militares e do povo. Policiais e seus familiares tomaram conta da praça.  Era grande a multidão civil que se aproximou e ficou pasma com aquela manifestação jamais vista, cujos protagonistas eram os preservadores da segurança pública. O povo nunca assistira tamanha manifestação. Formou-se, na verdade, uma imensa multidão de civis e policiais. Surgiram discursos e calorosos aplausos em nada recomendáveis para quem preservava a ordem pública. Todavia, eles não encontraram outro caminho, senão, de público, expressarem a sua decepção.

Do plenário da Assembléia Legislativa, o deputado Antônio Capistrano, líder do PMDB, em pronunciamento naquela mesma tarde, dizia:

“Que os desembargadores do Tribunal de Justiça perderam a chance de corrigir uma injustiça que vem sendo praticada contra os policiais militares”.

    Capítulo 112

O descrédito na justiça

            Com o resultado não satisfatório, o doutor José de Ribamar teria que esperar a publicação do acórdão, para interpor recurso em mandado de segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça - STJ.

Os policiais militares sem estímulo, diziam que não acreditavam em nenhum resultado positivo que dependesse da justiça. Na concepção de muitos, eles estavam rejeitados e jogados ao total descaso uma vez que  as  autoridades  da  corporação não lutavam pelos direitos da tropa, e o único poder que acreditavam - o Judiciário - não se tornara digno de, pelo menos, merecer o respeito de quem preservava a ordem pública.

Apesar do descrédito para com a justiça, eu e o cabo Sobrinho convocamos uma assembléia geral unificada - reunindo subtenentes, sargentos, cabos e soldados. A finalidade da reunião, dentre outros assuntos, era para esclarecer aos policiais militares que o próximo passo na justiça seria interpor Recurso em  Mandado de Segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça, com sede em Brasília, Distrito Federal.

O número de policiais militares presentes à reunião não correspondeu à expectativa das associações, mas os policiais que compareceram estavam destemidos e prontos para enfrentar o que preciso fosse em defesa de seus direitos.

Eles  solicitaram que eu e o cabo Sobrinho fizéssemos a convocação de nova Assembléia Geral Unificada, para o dia 9 de dezembro de 1992, às 14:00 horas, inclusive, todos ficariam encarregados pela divulgação no seio da tropa.

Foi  aceita a sugestão, sendo os editais distribuídos nos locais de destaques e aos meios de comunicação.

Nos quartéis, o assunto era a reunião do dia nove. Ocorre, que surgiram pessoas com orientação não se sabendo de quem, envenenando a cabeça dos policiais, incitando-os a uma greve. Existia gente apostando na queda do comandante geral, e até sonhando que se sentaria naquela cadeira tão cobiçada e responsável pela brutal transformação de personalidade de alguns coronéis gananciosos, que ficavam inebriados pelas fantásticas mordomias oferecidas pelo poder.

Esta mesma gente, que promovia a insatisfação da tropa, exibia xerox dos contracheques do filho do comandante, que era segundo tenente, percebendo gordíssimas gratificações, e apresentava também xerox dos contracheques de três  policiais femininos, as quais trabalhavam no gabinete do comandante, e comiam do bolo que fora levado pela  tempestade das gratificações; estas, mais altas que os vencimentos de um segundo tenente, motivo que causava revolta à tropa. Conhecendo o comportamento dos praças, os referidos mentores não se lhes pouparam à instigação por que estavam certos nas posições radicais que seriam adotadas pela assembléia unificada.

Aos quatro cantos dos quartéis, ouviam-se os comentários que os policiais faziam sobre a realidade dentro da corporação e convocavam a todos para a referida assembléia. Irados, os policiais acusavam o comandante de haver abandonado a tropa porque não moveu uma palha em defesa dos seus soldados. Concomitantemente, os meios de comunicação  acusavam-no pela prática de gastos excessivos do dinheiro público, e que estava sem prestígio perante aos seus comandados.

Corriam os boatos de que, no carnatal - nos dias 11, 12 e 13  de dezembro - não teria policiamento ostensivo, e os PMs cruzariam os braços. Até palavras de ordem e músicas para o dia foram ensaiadas. Eu só tomei conhecimento de tudo isto, meses depois.

Capítulo 113

A tropa parou

            Como se viu, existia gente querendo a cabeça do coronel Luiz Pereira. E as pressões que eu recebia dos praças e dezenas de oficiais subalternos tiravam-me o sono.

Chegou o dia 9. Não havia mais espaço com tanta gente. Policiais e famílias lotavam as dependências do Clube Tiradentes. Televisão, rádios e jornais presentes.

Abertos os trabalhos e facultada a palavra, surgiram várias propostas; Quase todas eram sobre a paralisação das atividades profissionais dos PMs a partir daquele momento, indo até a segunda-feira seguinte, após o carnatal. Os policiais entenderam que uma parada antes do carnatal, cujo evento atraia turistas do Brasil inteiro e do exterior, forçaria o comandante ir ao governo e resolver a questão salarial da tropa logo no primeiro dia.

A proposta foi submetida à apreciação. Aprovada sem nenhuma rejeição. Minha posição, como presidente do clube, seria respeitar as decisões da maioria e administrá-las. Tentei mudar a cabeça dos policiais, explicando-lhes sobre os sérios riscos de uma paralisação. Deixei bem claro que iríamos pagar um preço alto porque eu já   conhecia as conseqüências de uma decisão daquela, entretanto, fui rechaçado, à unanimidade, de maneira acintosa.

Houve, então, outra proposta que seria seguir em passeata ao palácio do governo, naquela tarde, a fim de entregar um documento reivindicatório ao Secretário Chefe do Gabinete Civil, com o objetivo de fazê-lo chegar às mãos do Governador do Estado. A sugestão foi aceita pela maioria. Já que eles haviam decidido cruzar os braços, a minha sugestão foi  a  de  aquartelamento,  com  a  finalidade  de  evitar  tumultos e não perder o controle da tropa. Contrário à minha proposta, o soldado Gonzaga sugeriu que a tropa teria que ficar fazendo passeatas, não permanecendo dentro dos quartéis, indo à noite para casa, e ficando em assembléia permanente no Clube Tiradentes, durante o dia. Postas em votação foi aprovada a do soldado Gonzaga.

Os policiais elegerem uma comissão para ficar à frente do movimento paredista, a qual foi constituída por mim, cabo Sobrinho, o vice-presidente Alcides Pinheiro, o diretor financeiro José Matias do Nascimento e outros companheiros. Eles elegeram, ainda, uma segunda comissão de reserva para substituir alguns companheiros que, porventura, fossem presos, da qual participava o soldado Gonzaga.

Redigimos um documento à vista de todos, que entrando numa fila o assinaram.

Os policiais seguiram em passeata com destino ao Palácio Potengi, no centro da cidade. À frente ostentavam uma faixa bem grande com os dizeres:

“FAMÍLIA POLICIAL MILITAR UNIDA PELOS LAÇOS DA FOME”.

Com os contracheques nas mãos cantavam as músicas que foram feitas com antecedência, e quem sabe até maestradas pelos tramoieiros do alto comando que envenenaram a cabeça dos praças.

“Eu não vou pro carnatal

Porque tô passando mal.".

“A polícia está nas ruas, governo a culpa é sua...”

“Ê... Ô...Ê ...Ô... o governo é um terror!”

Ocupavam ruas e avenidas, causaram surpresa à população, que nunca tinha presenciado uma manifestação daquela natureza. Mas, nada restaria aos PMs, senão expressar os seus sentimentos de revolta e protestar, de público, contra o arrocho salarial imposto pelo governo do estado. Por onde eles iam passando, recebiam aplausos da população. Comerciantes, comerciários, médicos, advogados, donas de casas e o povo em geral manifestaram-se favoráveis ao movimento paredista dos policiais militares.

A passeata parou em frente ao Palácio Potengi. Eu e o cabo Sobrinho tentamos falar com o Secretário Chefe  do Gabinete Civil, doutor Leônidas Ferreira, mas não foi uma pessoa nos receber. E como não apareceu ninguém, os policiais decidiram parar em frente ao Poder Legislativo. Fui com outros companheiros ao gabinete do líder do governo, deputado Getúlio Rego, a quem entregamos uma proposta na qual pedíamos a reposição dos valores que haviam desaparecido dos nossos vencimentos.

Em frente à Assembléia Legislativa foi cantado o Hino Nacional e vários policiais discursaram. Quase todos os deputados de oposição foram assistir à manifestação, enquanto os deputados do governo preferiram ficar dentro dos seus gabinetes.

Findos os discursos, os policiais decidiram retornar às  residências, e no dia seguinte, às 7 horas, teriam que se reunir no Clube Tiradentes.

     Capítulo 114

Segundo dia de greve

                Na manhã do dia 10, compareceu maior número de policiais militares, mas foram poucos os que levaram a família. A maioria não aceitava a participação de sua família, a qual teria mais condições de fazer pressão junto ao governo, enquanto a tropa ficaria aquartelada. Inútil, tentei convencê-los, os quais  estavam  tão decepcionados da vida que não aceitavam as minhas sugestões, e não admitiam que eu ou qualquer membro da diretoria recuasse.

A tensão dos policiais gerava grande preocupação à comissão, que temia perder o controle da tropa, considerando o seu firme propósito de só retornar às atividades quando o governador atendesse as reivindicações.

À reunião compareceram os deputados oposicionistas Leonardo Arruda, Antônio Capistrano, Júnior Souto, Carlos Eduardo Alves e Antônio Jácome, que  prestaram solidariedade aos policiais militares.

A assembléia permaneceu reunida até às 15:00 horas, ficando decidido que  no  dia seguinte - sexta-feira,  às 7 horas, os policiais e suas famílias estariam se reunindo na Quadra de Esportes do Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, a fim  de ouvirem a palavra do comandante geral, e mais uma vez a tropa  retornaria ao gabinete do Secretário Chefe do Gabinete Civil, a fim de saber sobre a posição do governo quanto à proposta entregue pelo deputado Getúlio Rego, no primeiro dia de greve.

  Capítulo 115

Terceiro dia de greve

                Vem o dia 11. Eu me preparava para ir ao quartel, quando fui procurado em minha residência por um sargento, o qual me comunicou que um capitão, ganhando também uma merreca, cujo contracheque não comprava a crédito no comércio nem um televisor portátil, havia se oferecido ao comandante geral para me pegar “pelo fundo” da calça, dar uma surra e jogar-me no xadrez. Enquanto nós, infelizmente, lutávamos também pelos seus esfomeados filhos, que, iguais aos demais membros da família policial militar, ansiavam por uma vida condigna.

Com o sargento, seguimos para o quartel, às 9 horas, quando já estariam reunidos todos os policiais militares, e tornar-se-ia mais difícil o tal oficial me prender. O meu companheiro, também preocupado, orientou-me para chegarmos ao quartel pelo portão do hospital, que se ligava ao Quartel do Comando Geral. E assim procedemos.

A quadra de esportes estava lotada!

O comportamento do dito oficial chegou ao conhecimento da tropa, naquela manhã. Um grupo de policiais passou a cuidar da minha segurança e outros mais exaltados queriam pegar o capitão, mas eu os desaconselhei.

Minha grande decepção ao chegar à quadra de esportes foi verificar que os policiais não haviam levado as famílias, conforme ficara decidido em assembléia. Comecei a perceber que aquela tropa não era obediente como o foi a tropa de 1963, e que dificilmente teríamos um movimento com sucesso, isto porque dentre os policiais existia gente insuflando-os à baderna, com instinto de violência.

Quem sabe!... Até orientados por poderosos do alto comando, a exemplo de induzirem os policiais para a deflagração da greve.

Compareceram policiais de todas as companhias, inclusive das operacionais - Choque, Rádiopatrulha e Corpo de Bombeiros.

Com a tropa rebelada e concentrada na quadra de esportes, lá se ia chegando o capitão comandante da Rádiopatrulha, que se aproximou à tropa e gritou:

“O pessoal da Rádiopatrulha, coluna por três, comigo!!..."

Foram poucos os que obedeceram ao comando. Como a sua ordem não foi cumprida, o mesmo mandou que um tenente anotasse os nomes dos policiais desobedientes. O tenente, todo cheio de desalento, anotava os nomes, mas eles não davam a mínima!... Os PMs queriam mesmo era uma solução para o problema.

Foi naquele momento, que o coronel Altamiro Galvão de Paiva, Subcomandante da Polícia Militar, mandou me chamar com o cabo Raimundo Sobrinho de Medeiros, presidente da Associação de Cabos e Soldados.

Com o nosso afastamento, os policiais fizeram silêncio, e com suas vistas acompanhavam-nos. E ficaram fixando os seus olhares na direção do gabinete do subcomandante.

À porta do gabinete do subcomandante estava um capitão, que era o seu secretário. Com o coronel se encontrava um oficial que foi convidado a nos deixar a sós. O coronel Altamiro levantou-se e fechou à chave a porta do seu gabinete. Ele iniciou a conversa dizendo:

“A manifestação feita ontem, quarta-feira, foi bonita e sensibilizou a opinião pública. Não sou contra as tais manifestações, contudo, desejaria que os policiais trabalhassem durante o carnatal, e após este, retornariam às reivindicações”.

Mandou o subcomandante que nós retornássemos à tropa, a fim de controlar as suas emoções, que em seguida ele desceria para conversar com os policiais.

Ao deixarmos o gabinete do subcomandante, o coronel Afonso(Nome fictício), que estava ambiciosamente doido, doidinho da “Silva” para assumir o comando da Polícia Militar, chamou-me reservadamente, e disse-me:

“Olhe, o que eu vou dizer aqui, morre aqui. Esse comandante é um incompetente. Eu vou lhe dar uma orientação. Você prepara um documento em nome das duas associações; você assina com o cabo Sobrinho e através desse documento,  peçam ao Governador do Estado a queda desse comandante. Esse incompetente. Olhe, o que eu estou dizendo é segredo!!!...”

Finda a conversa daquele mui esperto, eu e o cabo Sobrinho nos dirigimos à tropa, que inquieta, recebeu-nos com calorosos aplausos. Repórteres de rádios, jornais e televisões estavam presentes. Todos nos centralizaram seus olhares. Informados sobre a presença de Altamiro, os policiais se agitaram, aos quais solicitamos calma e respeito à autoridade do subcomandante, que já se aproximava do local.

O coronel Altamiro repetiu as mesmas palavras que nos havia dito no seu gabinete, acrescentando mais alguma coisa. E começou enfático e demagogicamente:

“Movimento bonito!... Mais do que justo!... Vocês em passeata pacificamente lutando pelos seus direitos. Asseguro-lhes que não haverá punição para ninguém. Mas eu queria lhes fazer um pedido: Hoje começa o carnatal. Vocês suspendem este movimento hoje, vão preservar a ordem pública do carnatal, e na segunda-feira, retomam o movimento...”

E foi interrompido:

“Ah!!!...”

Ele continuou e concluiu:

“Vou deixar o cabo Sobrinho e o subtenente Júlio para decidirem com vocês sobre suspender ou não a manifestação e retornarem na segunda-feira”.

Muita gente tentou se manifestar quando o coronel Altamiro falou sobre o retorno ao trabalho, mas eu fiz sinal reprovando qualquer manifestação com a finalidade de evitar possíveis perseguições posteriores, pois esse era o comportamento mesquinho da maioria das grandes estrelas, que, sem remorso, ficava até provocando moralmente os seus comandados.

A tropa não aprovou a idéia de Altamiro. Cada vez mais temeroso, eu não acreditava num movimento pacífico, pois, na manhã daquela sexta-feira, um  grupo de policiais havia feito piquete em frente ao portão principal do quartel, gerando um desentendimento com o major Leonardo, o qual, já recebendo gratificação, mudara o seu comportamento, vez que antes apoiava as nossas reivindicações.

Foi começada a marcha para o Palácio Potengi. Porém, antes de ultrapassar o portão, o comandante geral mandou chamar os dois presidentes das entidades de classe - eu e o cabo Sobrinho. Os policiais ficaram espantados e achavam que seria uma armadilha para nos prender. O comandante nos informou de que o governador José Agripino não se encontrava no estado. Porém, falava sem firmeza, entrecortando a voz. Inseguro, apertava as suas pálpebras. Parecia estar com a vista ofuscada. Engasgou-se todo!... Ou não foi nadica bobo para falar mais!

Tomei a palavra:

“Comandante, fique do nosso lado. O senhor é o nosso líder. O senhor está vendo, no dia-a-dia, o drama que envolve os seus comandados”.

O comandante não se desentalou direito e ficou:

“Mas... mas... você sabe, né!... Você sabe, né!...”

E continuando, insisti:

“Comandante!!... Fique do nosso lado, comandante!”

Não encontrando saída, adiantou que ele e o subcomandante iriam ao Gabinete Civil, a fim de conseguir que o doutor Leônidas nos recebesse.

Naquela manhã, o movimento contava com mais de 600 policiais.

Deixamos o gabinete do comandante e seguimos com destino ao Polácio Potengi – Sede do Executivo Potiguar. Durante o percurso alguns policiais adotaram um comportamento que comprometia seriamente a ética policial militar. Compraram garrafas da cachaça e beberam em plena passeata. Pintaram as caras. De gaiatice, desmaiavam diante das câmaras das televisões. Passavam além dos limites. Eles chegaram à baderna, pois, não obedeciam à orientação da comissão.

E deram início ao cântico:

“Eu não vou pro carnatal

Porque tô passando mal.

“Ê...Ô...Ê...Ô o governo é um terror”.

Para aquele comportamento havia uma razão bastante lógica. É que sendo vítimas de opressões e injustiças, eles encontraram uma maneira de jogar para fora o monstro que latentemente vivia no seu interior.

De cima dos edifícios, o povo jogava papel picado e os aplaudia fervorosamente.

Finalmente, a passeata chegou ao Palácio do Governo. A nossa grande surpresa foi o número de familiares dos policiais que aguardava a passeata para a ela se juntar.

 Eu e Sobrinho fomos ao gabinete de Leônidas, onde estavam o coronel Luiz Pereira, o coronel Altamiro, e o Secretário-Chefe do Gabinete Militar - Coronel Paiva. A nossa grande surpresa foi o número de familiares dos policiais que aguardava a passeata para a ela se juntar.

Eu e Sobrinho nos dirigimos ao gabinete do doutor Leônidas, enquanto a tropa, ansiosamente, aguardava o nosso retorno. Conosco foram também os deputados Antônio Capistrano, Júnior Souto, Carlos Eduardo Alves e Getúlio Rego. O secretário informou de que o doutor José Agripino estaria na capital pernambucana, de  onde tomaria destino a Milão - Itália. Disse-nos o secretário que o governador iria conceder um reajuste ao servidor público, e para a Polícia Militar seria diferenciado. Perguntei-lhe para quando seria o reajuste, e qual seria o percentual para os policiais militares, ele, todavia, não soube responder. Fui mais claro com o secretário:

“Secretário, e que resposta vamos levar para a tropa que está aqui, em frente ao palácio”?

O coronel Paiva, Secretário Chefe do Gabinete Militar, com suas mãos geladas e soadas mais do que tampa de chaleira, pediu-me  calma, mas não interferiu no assunto em  nossa defesa.

O comandante e o seu auxiliar - coronel Altamiro - não dirigiram uma só palavra em defesa de sua tropa rebelada. Perderam a língua! Foram totalmente omissos. Os deputados tentaram uma conciliação, o que levou o  doutor  Leônidas a esclarecer que o governador iria convocar, extraordinariamente, a Assembléia Legislativa, para o dia 10 de janeiro de 1993, quando seria enviada a mensagem de reajuste salarial.

A resposta do secretário não agradou aos policiais, que decidiram continuar  com  a  passeata  tomando destino ao Alecrim para chegar ao Clube Tiradentes, onde seria realizada nova assembléia.

Os policiais contaram com o apoio de diversas entidades de classe, dentre elas o Sindicato dos Trabalhadores na Saúde, e os Sindicatos dos Rodoviários, este último, colocou um carro de som a disposição do movimento. Quem ficou fazendo a locução foi o PM Gonzaga, que saiu puxando a passeata.

Antes de deixarem o palácio, os policiais receberam a solidariedade do  capitão  José  Walterler  dos  Santos,  que  indignado  com  os baixos salários recebidos, e sendo bacharel em direito, mostrou o seu contracheque aos meios de comunicação, com o qual não se cadastraria no comércio.

Seguiu a multidão tomando ruas e avenidas interrompendo o tráfego dos coletivos e demais veículos, provocando um grande congestionamento no trânsito.

Em frente ao cemitério do Alecrim, uns policiais exaltados e apoiados pelo PM Gonzaga se dirigiram a um veículo policial comandado por um tenente, os quais desrespeitaram o oficial tentando levar, à força, os seus companheiros que estavam na viatura.

Fui correndo ao local, e reclamei a atitude dos policiais, mandando-os retornar à passeata, e pedi desculpas ao oficial que se manteve calmo. Naquele momento, peguei o microfone do carro e orientei aos policiais a não procederem  de tal maneira.

Eles passavam em frente a Companhia de Trânsito, quando alguns policiais tentaram convencer aos seus companheiros que se encontravam de serviço a acompanhá-los, mas foram impedidos pelo tenente Klecius, havendo o PM Gonzaga, mais uma vez, dirigido palavras agressivas ao dito oficial. Incontinenti, peguei o microfone e pedi desculpas ao tenente. A passeata seguiu pelo centro do Alecrim, deixando as principais ruas engarrafadas durante horas. O comércio parou. O povo corria para ver, de perto, a manifestação dos policiais. E muitos aplausos!!

No Clube Tiradentes, já estavam aguardando a tropa os deputados Antônio  Capistrano,  Júnior Souto e Carlos Eduardo  Alves. Foram logo tomadas  decisões para ir todo mundo embora, a fim de evitar qualquer repressão. Reafirmaram, mais uma vez, que não iriam para o policiamento do carnatal. O telefone do clube não parava  com  os  policiais  que não puderam ir à reunião pedindo informação sobre as decisões adotadas. Os que lá não  compareceram  seguiram  a vontade da maioria.  Ficou  decidido que sábado e domingo, eles se ausentassem de suas  residências e fosse para as residências de parentes para não serem localizados e presos.

O capitão Walterler que para lá também foi, fez uso da palavra dizendo que os policiais militares deviam trabalhar durante o carnatal, a fim de conquistar a credibilidade da sociedade, cuja sugestão não foi aceita. Eles estavam irredutíveis e não atendiam à voz dos líderes.

A última deliberação foi uma nova assembléia para às 7 horas, da segunda-feira - dia 14 de dezembro. Finalmente, estava encerrada a reunião, e os policiais saíram apressados temendo alguma manobra de prisões.

Eu também ia saindo, quando me chamaram ao telefone. Era o comandante geral - coronel Luiz Pereira, o qual queria que eu convencesse os policiais a trabalharem no carnatal. Informei para o comandante que seria impossível, posto que, oitenta por cento da tropa não se encontrava mais no clube, e os policiais não aceitariam. Ele insistiu, dizendo:

“Mas!... Mas, você pode convencê-los. Eu mandarei pagar diárias para eles. É um ganho extra.  Você pode fazer isto. Você é líder deles”.

Respondi ao comandante que eu não era líder de nada, e não haveria mais possibilidade para reuni-los. Desculpei-me e desliguei o telefone.

      Capitulo 116

Ordem para me prender

              Fui direto para casa, mas, com bastante cuidado, pois eu sabia que andavam querendo me prender. Na minha residência, tomei conhecimento de que um elemento desconhecido havia me procurado e feito algumas perguntas. Não sai mais de casa e fui procurado duas vezes por oficiais à paisana com ordem para me prender, aos quais minha família informou que eu não havia chegado.

Ainda pela tarde, através dos meios de comunicação, foi lida uma nota oficial do alto comando da Polícia Militar, através da qual era determinado aos policiais militares que se apresentassem aos seus respectivos quartéis sob pena de punição disciplinar. Ninguém se apresentou.

Antes da nota, um companheiro, que se encontrava no Quartel do Comando Geral, foi à minha residência e comunicou-me que os oficiais haviam detido e recolhido aos xadrezes cerca de dez policiais, inclusive teve coronel que arrastou policiais pela gola da camisa, surgindo até socos, jogando-os dentro do xadrez demonstrando  que tudo quanto eles podiam oferecer era a falta de dignidade e respeito por seus subordinados. Informou, ainda, o companheiro que os comandante e subcomandante teriam sido chamados à presença do general comandante da 7a. Brigada, que lhes dera uma  bronca para eles colocarem “ordem na casa” sob pena dele - o general -  intervir no Quartel da Polícia Militar. Se o general fizera tal afirmativa, o fez para intimidar os coronéis, pois, um ato deste, tem início com um pedido do governador feito ao Presidente da República, a quem cabe conceder ou não. E sendo o coronel Altamiro formado em direito, ele sabia que o general não tinha poder suficiente para fazê-lo. Mas, o poder dos coronéis era tão fraco fora dos portões da corporação, que uma briga de galo para eles, seria a “Guerra das Malvinas”.

Retornando ao quartel, os coronéis queriam expulsar 50 policiais naquela tarde sem qualquer procedimento jurídico. Entretanto, acharam que não daria certo. Partiram para a prática de atos violentos e estúpidos. Bravos!!... Bravos coronéis!!

No sábado - dia 12 -, bem cedo, fui à residência de um amigo, na Zona Norte, de onde telefonei para as redes de televisão, rádio e jornal. O jornal O Poti publicou a seguinte manchete:

“LIDER DO MOVIMENTO ATIÇA E SE ESCONDE”.

Da residência do amigo, tomei conhecimento, por telefone, que a falta dos policiais em suas unidades era acima de cinqüenta por cento, inclusive o pessoal da Colônia Penal João Chaves.

Com a notícia de que eu estaria na Zona Norte, o comandante geral determinou o deslocamento de várias unidades motorizadas comandadas por oficiais, a fim de prender-me, mas, quebraram a cara, pois, eu já estava na minha residência, onde, aliás, havia uma guarnição na entrada da rua, que também “dançou”, porque não passei às suas vistas.

Os agentes da segunda seção não paravam de infernizar minha família  perguntando  sobre  o meu destino, e eu bem comodamente dentro de casa, apesar, da imprensa continuar anunciando que eu estaria escondido na casa de um amigo na Zona Norte.

A grande decepção daquele sábado foi a apresentação espontânea do cabo Sobrinho, que acovardado se entregou, causando indignação aos policiais militares. Para muitos, certamente, o comportamento do cabo Raimundo Sobrinho não lhes causou surpresa, vez que os policiais diziam que ele era do  “esquema do alto comando”.

No domingo - 13 -, os policiais faltaram ao serviço. O comando desde a sexta-feira que mandara colocar no policiamento ostensivo os alunos soldados, com 15 dias de curso,  totalmente despreparados, não sabendo nem sequer lidar com o público.

                   Capítulo 117

Sexto dia de greve

             Chegou a segunda-feira - 14 -, o sexto dia de greve. Fui bem cedinho para o Clube Tiradentes. Os policiais, também, chegaram cedo, mas, faltava muita gente. As prisões continuavam. Alguns policiais telefonaram-nos avisando de que centenas de PMs, que não participaram das decisões nas assembléias, foram para o Quartel da Polícia Militar, na manhã daquela segunda-feira, pensando que a tropa se encontrava lá, e iam chegando e sendo presos e recolhidos aos xadrezes, enquanto outros ficavam sem sair. O quê deixava a comissão preocupada era o fato dos policiais estarem sendo presos porque não iam às reuniões e ficavam tomando cachaça na rua, motivando esvaziar o movimento.

Recebi um telefonema do doutor Odúlio Botelho, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/RN, o qual me comunicava sobre uma conversa que tivera com o comandante geral.

Relatei-lhe todo o drama que envolvia os policiais militares, inclusive o descaso do alto comando que não movia uma palha em nosso benefício.

Naquela oportunidade o doutor Odúlio me convidou para uma reunião na OAB, às 15:00 horas, do mesmo dia.

Quem compareceu ao clube, às 7 horas e 30 minutos, naquela manhã,  foi o major Câmara, Comandante do Corpo de Bombeiros, que educadamente externou o desejo de ser mediador entre os policiais e o coronel Altamiro:

  • Se eu trouxer o coronel Altamiro aqui, vocês o receberão? - perguntou o major.
  • Pode trazê-lo, que o receberemos com muito prazer - respondi.

O major foi apanhar o coronel Altamiro, e não se demorou a voltar. Deixamos os dois no gabinete da presidência do clube, e fomos primeiro preparar o espírito dos policiais e familiares, inclusive diversas esposas que se destacavam na luta paredista.

Com o subcomandante presente à reunião, e depois de ouvir alguns companheiros, apresentei a proposta que os policiais aceitavam:

  • Coronel foram presos dezenas de policiais. A nossa proposta é que o senhor interrompa as punições, a tropa retorna às suas subunidades de origem, e quando passar os conflitos emocionais, o senhor recomeça as punições, pois tudo feito tomado de emoção é drástico.
  • Lamento tudo quanto está acontecendo. Não posso interromper as punições. Determino que todos os policiais militares retornem às suas subunidades de origem. Vou me afastar, e vocês analisem minha proposta - concluiu Altamiro.

A proposta do subcomandante foi rejeitada. À reunião estavam presentes representantes de várias instituições, que foram prestar solidariedade aos policiais militares. A tensão tomava conta deles e de seus familiares. A maioria dos policiais que se mantinha com serenidade estava se afastando das reuniões devido o radicalismo de muitos. As prisões continuavam. Em frente ao clube  estavam estacionadas 5 guarnições sob o comando de oficiais com a finalidade de prender os que estavam lá, que  também lutavam pelo direito deles.

Contando com a presença dos mais exaltados, estes, podiam nos levar a um caminho bem diferente. Como eu disse ao coronel Altamiro: Tudo feito tomado de emoção é drástico.

Desde o início que eles não seguiam a orientação das lideranças do movimento. E fatalmente se configurava a derrota. Tentei convencê-los a colocar a família para protestar, e eles retornariam ao trabalho, pois, o povo estava do nosso  lado, e  as  autoridades  governamentais  já  haviam anunciado uma solução imediata para atender as nossas reivindicações, entretanto, tentei em vão.

Perto do meio-dia, foi encerrada a reunião. As guarnições continuavam lá e chegara mais um carro choque. Um dos oficiais me percebendo entrou na viatura, e deu partida em minha direção, mas, rapidamente, apanhei um  ônibus que acabara de parar na frente de outro e o oficial seguiu o de trás. Muito distante, quando o outro ônibus mudara de rota e a guarnição seguindo-o, desci e apanhei outro coletivo. Fui para minha residência.

Em casa, comecei a refletir sobre os rumos que o movimento estava tomando com a maioria dos policiais recuando, e todo dia ocorrendo dezenas de prisões. Nós acabaríamos presos. Eu teria que procurar uma saída honrosa, levando em consideração que estavam conosco além dos sindicatos já consignados, os Sindicatos   dos Petroleiros e dos Médicos, as Igrejas Católica e Evangélica, a OAB, e Direitos Humanos. Depois de meditar, decidi me comunicar com o major Câmara, pois, a sua maneira diplomática e tão educada teria me transmitido confiabilidade.

Telefonei para o major:

  • Major, aqui é o subtenente Júlio. Eu revolvi tomar uma posição; amanhã, bem cedo, haverá uma assembléia no clube dos sargentos; convocarei a imprensa; direi que o recado já foi dado; vou tentar convencer aos companheiros a retornarem ao trabalho, e em seguida eu irei ao Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, a fim de apresentar-me ao comando.
  • Ótimo Júlio! Ótimo! Às 15:00 horas, eu estarei na Companhia de Trânsito, no Alecrim. Vá lá para a gente conversar.
  • Não senhor major! O senhor não entendeu...! Eu não quero ser preso, não. Lá na Companhia de Trânsito, os oficiais vão me prender.
  • Então, vamos marcar em outro lugar...
  • Às 15:00 horas, eu vou a uma reunião na OAB. De lá, 1eu irei me encontrar com o senhor na Praça Kennedy, no centro da cidade.
  • Ótimo!!... Combinado!... Até mais tarde.
  • Até, major.

Capítulo 118

Traição do major Câmara

          Duas guarnições sob o comando de oficiais estavam, permanentemente, estacionadas, à entrada da minha rua.

Reuni meus filhos, aos quais comuniquei que de uma hora para outra, eu poderia ser preso, e que eles tivessem cuidado com a saúde da mãe deles, aos quais esclareci sobre a conversa que eu teria com o major Câmara, deixando-os tranqüilos de que aquele oficial era digno de confiança.

À hora da reunião na OAB, desloquei-me para lá. As guarnições da PM continuavam no mesmo local. Consegui ir por outro caminho que os oficiais não sabiam e fui para a reunião, que se prolongou até às 17 horas e 20 minutos.

  • Exatamente, às 17 horas e 30 minutos, encontrei-me com o major Câmara, no local acertado. E mal começamos a conversa, eis que vem se aproximando - de cabeça baixa como quem não queria e querendo - o Major Cavalcanti, chefe da segunda seção, que me foi logo dizendo grotescamente: O comandante mandou lhe buscar.
  • Mas, eu estou conversando com o major Câmara - respondi.
  • Não adianta, você vai de qualquer maneira - enfatizou o major.
  • Mas, o que foi que eu fiz? Eu matei? Eu roubei? O que foi que fiz, major? Diga!!... Diga, major!!...

Foi quando o Major Câmara interrompeu:

“Calma Júlio!!... Calma Júlio!!...”

Desconfiei que o Major Câmara, covardemente, teria comunicado ao comando que iria se encontrar comigo. Ele havia me traído e não era, em nada, diferente dos meus perversos algozes. Bem à minha frente estava estacionada uma viatura da segunda seção, com dois sargentos sentados no banco traseiro, a serviço dos tiranos prazeres do alto comando, e a porta do lado do passageiro aberta. Eu não quis mais conversa com os oficiais; fui direto à viatura e sentei-me no banco de trás entre os dois graduados.

O major Cavalcanti embarcou no veículo, mandando o seu motorista seguir para o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar. Já próximo, ele mandou estacionar o veículo e disse:

“Vou telefonar daquele orelhão para o coronel Altamiro”.

Retornou logo, ordenando ao motorista ir para o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças - CFAP, por determinação do subcomandante.

Preocupado com a saúde de minha esposa, solicitei ao major:

  • Major, minha esposa é doente cardíaca, sofre de pressão alta e taxas altas. Se a notícia de minha prisão chegar ao conhecimento dela pela televisão, ela pode sofrer um ataque e morrer. Eu gostaria de ela pode sofrer um ataque e morrer. Eu gostaria de passar lá em casa. O senhor pára a viatura distante, eu vou conversar com ela, e em seguida nós vamos para o CFAP.
  • Mas, era só o quê faltava!... Preso, ainda quer passar por sua casa!! Ne...ga...ti...vo!!... Vamos para o CFAP!

A resposta do major me deixou angustiado. Via-se, portanto, evidenciada quanta maldade existia no coração daqueles oficiais, os quais usavam o poder que lhe fora dado temporariamente só para fazer o mal. Fiquei amargurado, preso e temendo um acontecimento triste dentro de casa. 

Eles  estavam  tão certos de que eu seria preso, que o major Reis, comandante do CFAP, estava me aguardando. Ora! Com uma traição daquela!!... Chegamos ao  CFAP,  e  eles  haviam mandado ir para casa os alunos sargentos, cabos e soldados e cerca de 200 alunos soldados. Ao descer do veículo, fixei meu olhar na face do major Cavalcanti, ao qual disse:

“Por favor, não passe nem perto de minha residência, e tudo quanto vocês estão fazendo comigo, eu anularei na justiça”.

O Major Reis conduziu-me ao refeitório dos subtenentes e sargentos, onde estavam quatro sargentos jantando e aos quais disse:

“O subtenente Júlio vai jantar aqui e ficará no alojamento de vocês”.

Preocupado que poderia acontecer algo de grave com minha esposa, solicitei que o subtenente Amadeu, residente a poucos minutos do CFAP, fosse à minha residência, a fim de comunicar a minha família, mas apesar de sua presteza, a televisão já havia divulgado. E por sorte, na hora de notícia Maria Aparecida - minha esposa -  não estava assistindo.

O comandante do CFAP recebeu ordem do Comandante Geral da PM para colocar uma sentinela armada de revólver à porta do meu alojamento,  deixando-me incomunicável como se eu fosse um bandido perigoso. Mas, bandido é quem pratica ato às margens da lei. E isto eu não fiz.

Os sargentos não gostaram da sentinela colocada ali, e assim que o major Reis chegou, no dia seguinte, foram solicitar a sua retirada. Eles argumentaram de que os presos perigosos gozavam de liberdade dentro do presídio; muitos até saiam para a rua, e eu, sem ter praticado nenhum crime, estava incomunicável.

Os sargentos insistiram junto ao major Reis, que resolveu convocar os oficiais, mas, dentre os quais teve quem dissesse:

“Não só deve permanecer a sentinela no alojamento do subtenente Júlio, como também colocar sentinelas nas laterais”.

Cientes sobre a posição dos oficiais, os sargentos não desistiram e o major mandou retirar a sentinela, que passou a circular pelos corredores do estabelecimento militar.

Capítulo 119

Ninguém falava comigo

             Dezenas de companheiros que foram me visitar, voltaram do portão de entrada, pois, a guarda tinha ordem para não deixar ninguém falar comigo. Minha família só depois de muita luta foi que conseguiu ter acesso ao meu alojamento. O meu advogado, doutor José de Ribamar de Aguiar, só falou comigo após apresentar as suas prerrogativas de advogado.

Os policiais militares quando tomaram conhecimento sobre a minha prisão, abandonaram os postos de serviço e não se intimidaram com as ameaças, e na tarde do dia 15, fizerem uma assembléia no Clube Tiradentes, elegendo o meu vice-presidente, subtenente Alcides Pinheiro, como o seu novo líder à frente da  greve e decretaram assembléia permanente com a presença de representantes da OAB, direitos humanos e sindicatos.

O clube foi cercado por oficiais e praças fiéis ao comando. Os policiais grevistas e seus familiares ficaram todos juntos, a fim de evitar possíveis prisões. De fato,  diversas vezes alguns oficiais tentaram invadir as dependências do clube,  com  o  objetivo de prender os subtenentes Alcides e Matias. Tentaram prender outros líderes. Mandaram bloquear o telefone do clube.

Todo desenrolar do movimento no Clube Tiradentes, eu acompanhava através da televisão. Vi que no final, as esposas, especialmente, estavam unidas. E assisti uma entrevista da senhora Crizelda, esposa do companheiro Gonçalo, a qual fazia sérias acusações aos oficiais, inclusive, ao major Cavalcante, que insistiam em querer invadir o clube, a fim de efetuarem prisões em massa, quando eles deveriam ter um pouquinho de dignidade, pois aquele movimento os beneficiaria também.

No dia 15 de dezembro, foi publicado no boletim do comando um processo de Conselho de Disciplina contra mim com o fito de aplicar-me crudelíssimas punições. Para presidir o processo foi dignado o tenente-coronel Emanuel Freire, e no dia seguinte - 16 - o boletim do comando publicou  30 dias de prisão que me foi aplicada pelas perversas e insensatas estrelas da PM.

Outras prisões, entretanto, foram ocorrendo diariamente, aumentando o número de policiais que ia sendo preso nas ruas. O clube cercado, faltando alimentação  para os policiais e seus familiares, quem tentava sair era preso e recolhido ao quartel do comando geral. E os que permaneciam dentro do clube, estavam passando fome, apesar do apoio financeiro dado pelos deputados Júnior Souto, Carlos Eduardo Alves e Antônio Capistrano.

O movimento foi se desgastando pela demora. A maioria dos policiais deixou o movimento. Uns conseguiram burlar as guarnições e foram para suas residências, e outros se apresentaram aos seus comandantes de subunidades. Os poucos que permaneceram no clube, não viam chance de vitória. Os subtenentes Alcides Pinheiro e José Matias do Nascimento deixaram o clube, e foram presos. Matias foi recolhido ao Complexo Policial da Zona Norte, e Alcides Pinheiro ao Quartel do Corpo de Bombeiros.

Perplexo, assisti pela televisão, a humilhante prisão do soldado Luiz Gonzaga, em sua residência.  No outro dia, 16 de dezembro, li nos jornais que o soldado Gonzaga teria sido espancado pelos seus próprios companheiros de farda, e estava recolhido a um dos xadrezes, no Quartel do Comando Geral.

 

 

 

Capítulo 120

Fui levado ao médico

 Não me dei com a alimentação do CFAP, precisando ir ao Hospital da Polícia Militar. Cumprindo ordem do major comandante do CFAP, um  1º tenente me escoltou. Não consegui me consultar e tive atendimento no posto de urgência. Vi diversas pessoas que me chamavam de herói se escondendo para não falarem comigo. Quando me preparava para retornar ao CFAP, encontrei-me com o Coronel Emanuel, o presidente do Conselho de Disciplina,  o qual se expressou:

“Você está sabendo que eu sou o presidente do Conselho de Disciplina contra você!? Mas, fique tranqüilo que todos nós estamos do seu lado”.

Agradeci a solidariedade do coronel. Naquela oportunidade, o tenente recebeu uma determinação para me conduzir à presença do comandante Luiz Pereira que nos aguardava em seu gabinete. O  comandante não me adiantou nada, senão o quê eu já sabia - sobre minha prisão de 30 dias e conselho de disciplina.

No gabinete do comandante se encontrava um coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar, o qual na minha retaguarda, sinalizou com a mão para o comandante me castigar mais.  Contudo,  não  me causou surpresa. Aquele ato mesquinho era banal na corporação. E infelizmente, a minha luta também beneficiava ao tal coronel. Sem temou a Deus!

Apanhamos a viatura e retornamos ao CFAP. As dores que me castigavam não me deixavam em paz, e no outro dia, tive que retornar ao hospital. O major Reis mandou o 1º sargento Geraldo Martins me escoltar. Falei para Geraldo que iria com ele pelo motivo de está doente, mas, só quem poderia me escoltar era um policial militar com posto igual ou superior ao de 2º tenente.

Daquela vez consegui me consultar e fui medicado. Ao retornarmos ao CFAP, o major mandou chamar o sargento, ao qual perguntou:

  • Sargento, o subtenente se consultou? O quê ele tinha? O quê foi que ele falou para o médico?
  • Eu não sei não, major. Não fui escutar consulta, não. E o subtenente disse que vai representar contra o senhor porque ele não podia ser escoltado por um 1o. sargento.

Chegando ao alojamento, um sargento informou-me:

“Subtenente, quando o major mandou o sargento Geraldo Martins lhe escoltar, um tenente disse ao major que teria que ir um oficial porque o senhor era subtenente, quando o major Reis disse: Sabe de uma coisa... Eu agora vou mandar um cabo...! E mandou. Mas, vocês já haviam saído”.

       Capítulo 121

O conselho de disciplina

            O presidente do Conselho de Disciplina e seus membros foram ao CFAP para procederam ao meu interrogatório.

Sem a presença do meu advogado, impuseram-me como defensor o capitão Jorge, bacharel em direito, mas não o convocaram para assistir ao meu interrogatório, de acordo com a lei. Mas, era daquele jeito que eu queria mesmo!... E a ausência do defensor naquela oportunidade iria me favorecer na anulação de tudo quanto estavam fazendo comigo.

Após a leitura de um tal libelo acusatório eivado de calúnias, passaram a me interrogar, cujas perguntas eram por demais descabidas, buscando, a todo custo, o perverso desejo de prejudicar-me. Não acreditei mais na afirmação do coronel Emanuel que se dizia estar do meu lado. Mas... que lado!!... Ele era tenente coronel e queria ser promovido a coronel. Era muita graça!...

Terminado o interrogatório, o escrivão - capitão Reinaldo - retirou o papel da máquina, mandando-me assinar o quê eu houvera declarado.

De início, comecei a ler o documento. Existiam algumas palavras que eu não as havia dito. Rejeitei assiná-lo. A comissão se retirou do recinto, ficando de corrigir a falha, e, no dia seguinte, procurar-me para efetivar a minha assinatura. Realmente, corrigiu. E, após lê-lo, estando certo, assinei-o.

Diante da posição dos membros do conselho, e conhecendo o comportamento da maioria dos oficiais daquela época, eu não tinha dúvida de que a minha sentença já estava de há muito proferida. Em brincadeira, porém, com um pouco de verdade, passei a dizer aos sargentos do CFAP de que eu ia ser excluído da reserva remunerada da corporação, e seria considerado um homem morto.

Os sargentos até mesmo para me deixar menos tenso encaravam aquela minha conversa como uma brincadeira e me chamavam de fantasma.

Capítulo 122

As festas de final do ano

          Chegou véspera de Natal. O comandante dispensou os policiais presos que se envolveram na greve a fim de passarem Festa de Natal nas suas residências, mas só me mandou quando doutor Ribamar entrou em contato com ele.

Ao deixar o CFAP, observei que duas guarnições estavam me seguindo à distância. Apanhei o coletivo, e elas saíram acompanhando. Desci do coletivo bem próximo de casa, e as guarnições pararam, colocando-se à entrada da rua.

Minha família recebeu-me com profunda alegria. As viaturas da polícia ficaram rua-a-acima, rua-a-abaixo. Ou ficavam horas e horas paradas na esquina.

No dia 26 de dezembro, bem cedo, apresentei-me ao major Reis, no CFAP, para dar continuidade ao cumprimento da pena.

No dia 30 de dezembro, os policiais presos foram para suas residências e retornariam depois do dia de ano. Não houve determinação para mim. No mesmo dia 30, telefonei para o coronel  Altamiro, que se encontrava em sua residência, o qual me saiu com conversa fiada:

  • É, Júlio! Você sabe!... O comando!....
  • O comando o quê, coronel!?...

Não tendo mesmo alegação nenhuma, não me dispensou. Na manhã do dia 31, resolvi insistir com o coronel Altamiro, telefonando para a sua residência, quando me informaram de que ele teria ido para o Quartel do Comando Geral, a fim de assistir aos exames físicos dos candidatos à seleção de cadetes.

Telefonei para o gabinete do mesmo coronel, e recebi a informação de que ele estaria assistindo aos tais exames no campo de futebol da corporação, a poucos metros de seu gabinete. Após este último contato, recebi um telefonema do doutor Geraldo do Ó, que ao tomar conhecimento sobre a minha luta tentando passar o dia de ano com minha família, o qual me disse:

“Altamiro foi meu colega de turma na faculdade. Vou telefonar para ele, e tenho certeza de que serei atendido.”

Minutos depois, o doutor Geraldo do Ó me telefonou dizendo que haviam lhe informado de que o coronel Altamiro não estaria no quartel.

Eu agradeci o empenho do advogado, mas, reafirmei dizendo que o coronel estava lá, e não queria atendê-lo.

Já perto do meio-dia, procurei telefonar para o doutor José de Ribamar de Aguiar, a quem lhe fiz ciência sobre o que se passara, e lhe forneci o número do telefone do comandante, coronel Luiz Pereira, que se encontrava na sua fazenda, no município de  Touros, no Rio Grande do Norte. O doutor Ribamar não demorou me informar de que o comandante dissera-lhe que já havia determinado a minha saída para casa.

O comandante, desprovido de escrúpulos, mentiu para o advogado, uma vez que não havia dado nenhuma ordem para o oficial de dia do CFAP. Na tardinha daquele dia telefonei ao doutor  Ribamar, ao qual fiz ciência de que o comandante o havia enganado. Quase duas horas depois, ele me deu o retorno, dizendo:

“Acabei de falar com o comandante, ele disse que você procurasse o oficial de dia e lhe informasse que o comandante quer falar com ele, urgente”.

Procurei o tenente que se encontrava de serviço ao CFAP, que depois de muito tempo conseguiu falar com o comandante. O oficial ficou ao telefone:

“Sim, senhor!... Sim, senhor!... Sim, senhor!...”

Findo o telefonema, o tenente virou-se para mim e disse:

  • O comandante disse que você fosse liberado agora, e amanhã, às 18:00 horas, era para estar aqui. E durante o caminho você não conversasse com ninguém. Você entendeu o quê eu estou dizendo, Jú...li...0!!?...
  • Entendi, sim senhor! Não precisa dizer-me mais nada.
  • Então, pode ir - ordenou-me.

Cheguei ao meu lar, às 20:00 horas. Era grande a tensão que minha esposa e meus filhos estavam vivendo. Passei o dia de ano com minha família. Às 17:00 horas daquele dia, apresentei-me ao oficial de dia do CFAP.

Vem a festa de reis - dia 6 de janeiro. Os policiais presos foram liberados para retornarem depois daquela data festiva. O comandante, porém, não me liberou. Eu não procurei mais o meu advogado. Preferi ficar aguardando os acontecimentos. O coronel Luiz,  desde  a  festa  de Natal, havia ficado furioso porque muito antes da minha prisão, um advogado impetrara um “Habeas-Corpus” preventivo em minha  defesa,  cuja  finalidade  seria evitar minha prisão, mas a justiça, devagar quase parando passou mais de dois meses para julgar o pedido. E o indeferiu porque se tratava de assunto disciplinar. E sem respeitar a lei e os direitos dos policiais, o comandante, que era auxiliado por seu subcomandante, coronel Altamiro, resolveu como castigo, não me permitir passar os dias festivos com a minha família, a exemplo dos outros presos.

      Capítulo 123

Fui posto em liberdade

            Passava um dia do limite máximo para minha prisão disciplinar, que seria de 30 dias, mas não existia ordem para me colocar em liberdade.

Telefonei ao coronel Altamiro, a fim de contestar o excesso de tempo:

  • Coronel, hoje está completando 31 dias que eu estou preso. Por que eu continuo aqui?
  • Você não foi liberado porque falta publicar em boletim, Júlio.
  • E quando será publicado em boletim, coronel?
  • Será publicado hoje, ao meio-dia, Júlio!... Você como vai?
  • E o quê o senhor acha, coronel?
  • Sua esposa vai bem de saúde, Júlio?
  • Não senhor coronel. Ela está mais doente.
  • Cá...cá...cá!... Diga ao major Reis que você está sendo liberado hoje.

A gargalhada do coronel Altamiro bem que o identificava como um oficial  que  vivia agasalhado no poder e cobiçava a cadeira de comandante geral - aquela cadeira que deixava os coronéis irresistíveis - com a finalidade de engordar mais os seus vencimentos.

Fui correndo ao gabinete do major Reis, que apesar de tudo, se tornara maleável, fazendo-lhe ciência sobre a minha liberdade.

“É Júlio - disse ele - o boletim sai ao meio-dia, você pode ir agora para casa”.

Encontrei minha esposa e filhos apreensivos, tendo em vista haver passado o prazo para a minha liberdade. E fiquei 17 dias sem sair de casa.

Capítulo 124

Fui excluído da PM

              No início do mês de fevereiro, tomei conhecimento de que desde o dia 27 do mês de janeiro, o boletim interno da caserna havia publicado a minha exclusão da reserva remunerada da Polícia Militar, cujo ato fora assinado pelo comandante geral, coronel Luiz Pereira.

O coronel Emanuel Freire de Melo, aquele bondoso oficial que se dizia estar do meu lado, mostrara a sua diabólica solidariedade, através do relatório que ele elaborou, acusando-me de haver praticado os crimes de motim, aliciamento de policiais militares, e insubordinação. Acusando-me, ainda, de haver lameado a corporação. No documento ele pediu a minha exclusão sob a alegação de que eu havia me tornado incapaz de permanecer na reserva remunerada da instituição. Mas, o seu contracheque estava cheio de direito que eu havia conseguido para ele e toda a tropa.

No ato do comando geral, existia uma referência mais do que ridícula, e denotava, sobretudo a ausência de intelectualidade e zelo com o vernáculo. E assim se expressava:

“O conselho entendeu não caber o presumido entendimento de cerceamento de defesa, diante de clarividência dos fatos publicados ESCATOLOGICAMENTO pela imprensa escrita e televisada, conforme provas inclusas”.

Um tenente-coronel, Chefe da Ajudância Geral da Polícia Militar, que teve a oportunidade de ler o pernicioso documento, interrompeu a leitura,  e  foi pesquisar no dicionário da língua portuguesa o significado daquela palavra estranha, e ficou passando as páginas correndo a vista, apontando com uma caneta:

“Escatologicamente... Escatologicamente... Cadê!.... Cadê!... Achei!! Ah! Rá...rá...rá... É restos fecais!!? Mas, menino!! Quem foi o autor desta célebre idiotice!?” – protestou o coronel.

A notícia sobre aquele ato perverso do comando caiu como uma bomba nos meios de comunicação. Os jornais publicavam manchetes como esta:

“Comando da PM mata subtenente por haver liderado a paralisação”.

Para concretizar o seu ato malvado e de terrível crueldade, o comandante Luiz Pereira - o mesmo que dizia “vamos orar!... vamos orar!...” - utilizou-se de uma lei feita no tempo da  ditadura militar, que à época seria aplicada somente aos militares da ativa.

Pela lei imbecil, o militar seria tido como morto, ficando os seus filhos menores e esposa  recebendo uma pensão mensal.

Para a Polícia Militar e o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado, fui considerado como morto. E, minha esposa Maria Aparecida ficaria recebendo uma pensão como viúva de marido vivo. Procedimento fantasticamente  imoral. Um golpe sujo, com o fedor imundo dos meus perseguidores.

 

 

 

Capítulo 125

O processo foi à Auditoria Militar

           O processo do Conselho de Disciplina foi velozmente remetido à Auditoria Militar. Lá chegou carregado de ira e ódio.

Ao tomar conhecimento, fui àquela repartição, e tive a oportunidade de lê, demoradamente, os seus autos. Fiquei conhecendo todas as acusações que me eram imputadas de maneira covarde e desumana, com o único objetivo: Atender aos cruéis e mesquinhos caprichos do alto comando.

Auditoria Militar ficava bem próxima à minha residência. Deixei aquela repartição às 16:00 horas, com destino ao meu lar. Sai de cabeça virada numa profunda depressão. Perdi o rumo do meu destino.  Às 18 horas e 30 minutos, dei-me conta. Eu estava zanzando pelo centro da cidade. Tomei rumo certo, e fui para casa.

No alto comando, onde era praticada toda perversidade contra os indefesos policiais,  já estava tudo certo: Se a auditoria aceitasse a funesta acusação,  o Conselho de Sentença, que era composto pelos “justiceiros” oficiais da polícia  - escolhidos aos olhos do Comandante Geral - iria me condenar a 4 anos de penitenciária, sem eu haver praticado nenhum crime, senão lutar defendendo melhores salários, inclusive para os tiranos que me submeteram a toda aquela humilhação.

Como prova disto, basta dizer que tenente Sebastião, que teve oportunidade de lê o processo,  perguntou ao coronel Altamiro:

  • Coronel, e o cabo Sobrinho o senhor vai expulsar também?
  • Não. Sobrinho, não! Sobrinho é nosso amigo.

 

 

 

Capítulo 126

Como se eu vivo fosse

            Excluído e sem salário, fui com minha esposa ao Instituto de Previdência dos Servidores do Estado - IPE -, onde nos deram uma relação de documentos, a fim de habilitá-la ao recebimento da pensão.

Dentre os documentos que a Polícia Militar nos forneceu, um teve assombroso destaque na mídia. Era uma declaração, na qual dizia textualmente:

“OS BENEFICIÁRIOS FICARÃO RECEBENDO O EQUIVALENTE AO QUE ELE RECEBERIA SE VIVO FOSSE”.

O serviço social do IPE preparou o processo avisando que levaria uns quatro meses para começar a receber a pensão, mas, só pagaria à viúva o equivalente ao meu salário base, que seria um terço dos meus vencimentos. Entretanto, não era o que a Constituição Federal dizia ao assegurar que a pensão era igual ao que o cidadão ganharia se estivesse vivo.

Uma advogada do setor social que mantinha filhos,  genros, parentes, aderentes, gatos e papagaios faturando como servidores do IPE, com altos salários, era literalmente contra ao recebimento certo, com a qual travei acirradas discussões.

Até a Assistente Social, sem nenhum conhecimento de causa, dizia que o recebimento só do salário base, seria uma maneira de me penalizar, com a qual tive violento diálogo.

O processo tomou destino à Assessoria Jurídica do IPE, aonde eu fui discutir com os advogados, os quais  não conhecendo a legislação da corporação, entendiam que  o direito de minha esposa seria só o salário base.

Mas, eu não lhes dei tréguas. Não desisti. Resolvi acabar de vez com aquela dúvida ao perguntar a um dos advogados:

  • Doutor, quem estar aposentado com mais de 30 anos de serviço, perde algum direito?
  • Não.
  • Doutor!... Eu estou na reserva, doutor. Servi mais de 30 anos. E minha esposa tem o mesmo direito. Estou certo, doutor!?
  • É!?... Estar, sim.
  • E, então!? Como é que o senhor quer prejudicar minha esposa?
  • Não!... Assim, não! Ela tem direito integral - concluiu inteligentemente.

Venci a batalha, mas, faltavam vários meses para o recebimento da pensão. E a grande guerra que eu estava travando era contra a fome, sem ter nenhuma reserva financeira. Eu e minha família já estávamos passando dias sem nos alimentar.

Capítulo 127

Fui à Justiça

          Possuindo cópias de todos os documentos, procurei o doutor José de Ribamar, ao qual passei procuração para impetrar mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, objetivando anular a minha exclusão. Aquele ato imoral teria que ser nulo, pois para a Polícia Militar e o IPE eu não existia. O mais grave é que eu havia perdido as minhas prerrogativas de subtenente. Não tinha nem documentos!

O doutor Ribamar ajuizou a ação, na qual requeria a anulação daquele ato cruel, bem como a minha reintegração à Reserva Remunerada da Polícia Militar. Este procedimento levaria meses para ser julgado, que para mim e minha família, representariam anos de sofrimento.

Os meus malditos algozes ao tomarem conhecimento sobre a ação procuraram me ridicularizar, dizendo:

“Ganha nada!... O nó que foi dado, ninguém desmancha”.

Outros descaradamente, diziam-me:

“Estás perdendo o teu tempo, Júlio! Você não ganha esta, não. Estás lascado!...”

Aqueles que me chamavam de herói, quando se encontravam comigo, viravam-me as costas. Muitos baixavam a cabeça querendo esconder  a  sua  fraqueza  ou  faziam  que não me viam. Mas, quando eles precisaram de uma voz forte para defendê-los, foi a minha que ouviram bradar em todos os quartéis sem nenhum temor à tirania dos poderosos coronéis de inteligência obscurecida pelo maléfico desejo que os mantinha  no poder.

Certa manhã, eu estava conversando com um cabo, quando um capitão o chamou, com o qual conversou de maneira grosseira, porém, não tive condições de escutar. O cabo, muito revoltado, retornou à conversa quando lhe perguntei:

  • O que foi que ele falou, cabo, que você ficou tão chateado?
  • Esse capitão me chamou para dizer: “Na próxima vez que eu encontrar você conversando com este subtenente velho que fez uma greve e deu em nada, eu lhe dou uma cadeia”.

Cruel!!... Infeme!!...  A greve rendeu ao capitão e toda a tropa o maior aumento concedido nos últimos dez anos.

Capítulo 128

Gonzaga foi absolvido

             O soldado Luiz Gonzaga depois de passar 60 dias incomunicável, foi posto em liberdade e expulso pelo comandante. E a esposa do companheiro passou, também, a ser viúva de marido vivo.

A OAB e os Direitos Humanos da Igreja Católica estavam preocupados com as atitudes perversas do alto comando, que geravam uma péssima repercussão perante a sociedade. Evidentemente, que não seria esta a preocupação do comandante que se tornara fiel escudeiro a serviço de interesses adversos às necessidades dos humildes policiais militares.

O doutor Hélio de Vasconcelos, presidente da Ordem dos Advogados da Brasil - OAB, garantia que se fosse preciso a Ordem iria até ao Governador do Estado para solucionar o impasse, e se o problema fosse salarial iria às últimas conseqüências, até esgotar as possibilidades de negociação. E foi com a interferência  dos Direitos Humanos da Igreja Católica e da Ordem dos Advogados que o governo concedeu um reajuste à Polícia Militar chegando à casa de 300%, e para os outros servidores um índice bem inferior. Não obstante, aquele desatualizado capitão dissera ao seu indefeso subordinado que a greve teria dado em nada.

Não tardou, contudo, a inflação, que era muito alta, acima de 60% ao mês, consumir o percentual de reajuste salarial. Apesar do salário mínimo acompanhar o índice inflacionário, o governo não reajustava os soldos dos policiais, e sim, colocava mais abono, ocasionando a redução dos vencimentos da tropa, chegando o triste abano até ao primeiro sargento.

Capítulo 129

Mais de 300 policiais punidos

            Os policiais militares que faltaram ao serviço nos dias da greve, ou que foram identificados e relacionados pelos oficiais ou algumas praças “puxa sacos” do comandante, sofreram severas punições de 30 dias de prisão sem qualquer direito de defesa ou qualquer procedimento legal.

Centenas de policiais foram punidos com 8 dias de detenção pelos comandantes de suas subunidades, mas descontrolado na sua sede de vingança, o comandante mandou agravar todas para 30 dias de prisão.

Desorientado e colocado numa posição que jamais sonharia tê-la, o coronel comandante perdera mesmo a noção da realidade democrática e jurídica, ao assumir a postura de um verdadeiro ditador. Basta dizer que, com o mais absoluto abuso de poder, ele determinou a aplicação de duas punições de 30 dias de prisão, portanto, 60 dias, ao cabo PM Kennedy Antônio Xavier pela mesma transgressão. O cabo foi acusado de haver faltado às escalas de serviço durante a greve.

O interessante é que estas punições passavam pelo coronel Altamiro, que sendo bacharel em direito, andava fugindo da balança e da espada - símbolos da justiça. E, assumia, com o comandante, o perfil de um homem arbitrário, que até parecia estarmos vivendo no tempo dos trogloditas, quando o princípio da autoridade era exercido com o emprego da violência, com a ausência do direito, prevalecendo o mais brutalmente forte.

    Capítulo 130

Fui absolvido pela auditoria

           O vergonhoso processo instaurado pelo conselho de disciplina tramitou rápido na Auditoria Militar. Tramitou e despencou!

Como é certo, vinha primeiro o parecer da douta Promotoria de Justiça Militar. Numa ilustre interpretação, com um extraordinário saber jurídico, à luz do Direito Penal Militar, a doutora Genivalda, representante do Ministério Público, depois de provar que eu não havia praticado crime nenhum, pediu o arquivamento do processo.

No parecer, a promotoria fez referência, inicialmente, à prática de crime de motim. Ora, veja bem como diz o Código Penal Militar:

  “MOTIM, ou também chamado de amotinamento, é uma espécie de rebelião de um certo número de militares à autoridade de um superior. Crime de ALICIAÇÃO é o ataque às Forças Armadas como instituição nacional e em sua função política de defesa interna e externa do país. Crime de INSUBORDINAÇÃO ou DESOBEDIÊNCIA seria no caso de assunto estritamente de serviço ou pertinente ao explícito dever militar”.

O incrível é que o coronel Emanuel, presidente do conselho, que dava uma de protestante, enquadrou-me nos mesmos artigos do Código Penal Militar que a promotoria se baseou para pedir o arquivamento do processo. Incongruente com a realidade, o coronel preferiu seguir as malvadas orientações do seu senhor - o Comandante Geral. Contudo, o fez consciente de que tudo aquilo era uma bárbara crueldade. Mas, ele também era da religião do comandante. Que bela doutrina!!!...

Com magistral magnanimidade, o Juiz, doutor José Mário,  concluiu que:

“...não houve a caracterização de crime militar, e sim, transgressão disciplinar, diante da qual foi o indiciado severamente punido ...”

Por fim, o nobre julgador determinou o arquivamento do conselho de disciplina, e que fosse comunicado ao Comandante Geral da Polícia Militar.

No outro dia, bem cedo, o comandante se encontrava jogando tênis na quadra da PM, quando  tenente Mariano Xavier disse-lhe:

  • Comandante, o subtenente Júlio foi absolvido pela Auditoria Militar.
  • É. Eu fiz a minha parte, né!!... Eu fiz a minha parte, né!...

 

 

 

         Capítulo 131

Fome e humilhação

             O último salário que eu recebi, como policial militar, foi o relativo ao mês de janeiro. Minha família foi submetida a momentos de amargura e desespero, além dos humilhantes cortes de água e luz. 

Faltaram medicamentos e alimentação para minha esposa, que teve agravado o seu estado de  saúde. Amanhecia e anoitecia sem nos alimentar. Meu filho mais novo, com 16 anos de idade, ficou desnutrido e apanhou uma ameaça de rompimento da flora intestinal.

O meu lar ficou pelo avesso.

Minha família nunca havia passado nenhum momento de desespero. Foi uma verdadeira catástrofe. Toda aquela situação  passou  a  ser o nosso cotidiano. Sem dinheiro, sem emprego, e não sabendo que destino tomaria nossas vidas, eu saia de casa, a fim de pedir ajuda aos poucos amigos que não me abandonaram, e muitas vezes retornava sem nada, encontrando esposa e filhos chorando, tal qual eu os havia deixado.

Eles choravam o dia inteiro. Foi a pior humilhação que eu e minha família passamos, não havendo nada neste mundo que apague aqueles meses horrorosos.

Eu continuei alguns dias na presidência do Clube Tiradentes, pois sendo uma entidade civil, de direito privado, só os sócios poderiam me tirar do cargo. O  clube tinha conta bancária e crédito na praça. Se eu quisesse, teria utilizado verbas que estavam ao meu alcance e não deixaria minha família  passar  terríveis dificuldades,  mas  não  tive coragem de meter a mão no que não me pertencia. Muitas vezes, fui ao clube a pé, e retornava a pé porque não tinha dinheiro para o ônibus, e não utilizava os recursos da entidade.

Minha filha cursava estatística na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, era estagiária de uma bolsa do PET - Programa Especial de Treinamento -, que representava uma boa ajuda financeira. Ela foi à faculdade, a fim de realizar uma prova deixando mãe e irmãos chorando. Sem condições emocionais, não conseguiu realizar boa prova e perdeu a bolsa.

Alguns sargentos, ligados ao alto estrelado, tentaram fazer um abaixo-assinado com a finalidade de expulsar-me do clube, mas o movimento  não  criou  corpo  porque  foram  rechaçados  pelos demais companheiros, os quais disseram:

“Mas, o subtenente foi expulso  da reserva, está sofrendo com a família e vocês ainda querem colocá-lo fora do clube”! 

No final do mês de abril de 1993, eu cheguei ao Clube Tiradentes, a fim de passar o cargo de presidente ao meu vice, subtenente Alcides Pinheiro. Naquela oportunidade se encontrava presente o subtnente José Lima da Silva, mais conhecido por J. Lima, que estava dando entrada num requerimento a fim de inscrever-se como candidato a presidente da entidade. Vendo-me com os olhos cheios de lágrimas, perguntou-me por que eu estava chorando. Solidário com a minha dor, J. Lima ausentou-se do local e retornou tempo depois levando uma doação em dinheiro referente a uma campanha que o mesmo fizera junto a alguns comerciantes próximos ao clube.

No dia seguinte, retornei ao referido clube, quando J. Lima solicitou-me apoiá-lo para presidente da entidade, pedido  este que jamais eu poderia recusá-lo.

Naquele mesmo dia, após a saída de J. Lima, eis que o sargento Edson Siqueira de Lima, também deu entrada num documento requerendo o registro de sua candidatura a presidente do clube.

 O sargento Siqueira  solicitou o meu apoio à sua candidatura ao qual fiz ciência de que estava com o subtenente J. Lima. Não se dando satisfeito com a minha recusa, Siqueira disse:

  • Se você não me apoiar, eu tenho um documento que, se eu soltar, lhe prejudico.
  • Apois solte, Siqueira!... Solte!!!... Que eu não tenho rabo de palha! Eu nunca fiz sujeira em lugar nenhum - protestei.

Na manhã do outro dia, eu me encontrei com       o sargento França, presidente da Associação dos Inativos da Polícia Militar, que estava numa rua por trás da Assembléia Legislativa, o qual lia um documento para o sargento Lavoisier, acusando-me de está utilizando o clube para interesse próprio e que eu era considerado morte.  Ouvi bem estas palavras. O sargento França mudou de cor quando me viu, e foi logo dizendo:

  • Olha, Júlio nós estávamos mesmo querendo falar com você para lhe dar uma cópia deste documento.
  • Mas, que documento é esse? - perguntei.
  • Nós estamos pedindo a intervenção do comandante no clube.
  • Mas, de quem é o clube!? É dos sargentos ou da PM?
  • É dos sargentos?
  • Então, quem manda no clube são os sócios, portanto vocês devem pedir uma assembléia, a quem cabe decidir. Por sinal, já estou passando a presidência da instituição ao meu vice.
  • É, mas nós vamos entregar ao comando assim mesmo.

Fui correndo até ao corpo da guarda da Assembléia Legislativa, aonde serviam os sargentos Lavoisier e Siqueira, este, porém, negou dizendo que não tinha nada com o que estava acontecendo, todavia, inútil tentava esconder, isto por que eu tinha certeza ser aquele o dito documento que o tal sargento me fizera ameaças.

Não tardou, contudo, chegar o sargento Lavoisier, que foi dizendo:

“Siqueira, entregamos o documento ao comando”!

O sargento Lavoisier, que posteriormente, provou ser um cidadão de bem, não gostou do recuo de Siqueira, e protestou afirmando o envolvimento do seu colega de farda.

Passaram-se dois dias, e fui ao clube aonde o tenente Washington Pontes me procurou, a fim de tomar o meu depoimento numa sindicância que o comandante mandara apurar atendendo às denúncias injuriosas do sargento França, o qual fora induzido por seus colegas Lavoisier e Siqueira.

Respondi ao tenente Washington que informasse ao comando que não daria depoimento nenhum, pois defunto não falava.

 O tenente deixou o clube sem obter sucesso nas suas investigações, porém, se comportou educadamente.

Um deputado estadual pelo Rio Grande do Norte, que eu o visitava constantemente e esteve presente às assembléia da greve, convidou-me para integrar a assessoria dele, na Assembléia Legislativa. Mandou anotar os meus dados, e disse:

“Eu faço parte da mesa da casa; vou preparar a resolução e levar para o presidente assinar”.

Uma comissão de esposas dos PMs liderada pôr Crizelda, esposa do sargento Gonçalo, foi ao gabinete do deputado ao qual  fez ciência de que eu estava sofrendo com minha família, estando com água e luz cartadas, e sem alimentos.

O deputado mandou me chamar e entregou um cheque, dizendo:

“Júlio, sei que você está passando necessidade. Tome este cheque, que será descontado do seu primeiro ordenado, no meu gabinete”.

Fiquei indo quase que diariamente ao gabinete do parlamentar,  que me dizia:

“Júlio, o presidente ainda não assinou. Ele está estudando. Ele vai assinar”.

Os meses foram se passando, até que certo dia, um dos policiais da assembléia, informou-me:

“Subtenente, o senhor desista! O sargento Floriano(*) procurou o deputado e disse: “Deputado, o senhor não confie no subtenente Júlio, não. Ele vai se candidatar a deputado, e lhe dará uma rasteira”.

Continuando, disse-me o mesmo policial:

“O sargento Floriano disse ao coronel Afonso(*) que o senhor estava no gabinete de um deputado, aqui na assembléia, ganhando um alto salário”.

De fato, a nomeação não aconteceu. Enquanto isto, o tal coronel  Afonso dizia à sua tropa nas formaturas gerais:

“O subtenente Júlio foi quem se deu bem com essa história toda. Ele está com um alto salário no gabinete de um deputado, na Assembléia Legislativa”.

Entramos para o 4º mês sem Aparecida receber a pensão. Os policiais   militares   não   se   sensibilizaram  com  o  nosso  sofrimento, preferindo darem-nos as costas e ignorar todo o nosso sofrimento. Os mesmos que eu lutei tanto defendendo seus direitos, sacrificando a minha própria liberdade além de ser submetido com minha família às cruéis ações de uns oficiais perversos e tão maus. Eu me conformaria com os 31 dias de prisão que já os havia cumprido. Mas me  excluir da reserva, sem nenhum dispositivo de lei que autorizasse fazê-lo, atingindo amargamente minha família, que foi brutalmente vítima da mais cruel das injustiças, foi uma ação imunda. Medida nojenta praticada pelo comandante e o seu subcomandante à margem da lei ao bel-prazer de sua terrível brutalidade, tudo isto em nome de um poder que não ultrapassava as fronteiras do quartel que comandavam. 

Sem receber salário e pelo atraso do IPE em pagar a pensão à minha esposa, perdi cartões de crédito,  conta  bancária  e  fui fichado no Serviço de Proteção ao Crédito. Horrorosas cicatrizes se abriam na minha vida e na de minha família. Choros e lágrimas transbordavam os quatro cantos do meu lar. Era o desespero de minha esposa e filhos, que passavam semanas se alimentando de pão e café, enquanto os meus algozes riam de mim. E ainda praticavam atos covardes contra mim, com todos os requintes de tirania.

Miseráveis!!..

Sai pedindo ajuda pelas residências dos poucos amigos. Daqueles que não me virariam as costas. Dentre os quase 8 mil homens, só encontrei ajuda dos seguintes companheiros: Sargento Antônio Luiz Soares, subtenentes da reserva Ivaldo Teixeira, Mário de Araújo Figueiredo, Severino Barbosa, Antônio Batista dos Santos e esposa - dona Almerinda -, Alcides Pinheiro, sargento Gonçalo e esposa – Crizelda -, sargento Edivan e mais uns 10 companheiros da ativa, Coronel Antônio Morais Neto, e major José Cipriano Filho.

No meio civil contei com a colaboração do Sindicato dos Policiais Federais, cujo presidente era o agente federal Sérgio. Também contei com o apoio do meu amigo Fernando, que naquela época era  representante do Cheque Cardápio, o qual  sensibilizado com minha dor, prestou-me  a sua colaboração.

Enquanto até pessoas que não eram da farda me prestaram solidariedade, as Associações de Subtenentes e Sargentos, Cabos e Soldados, cujos presidentes  viviam no auspicioso esquema do coronel Altamiro, já como Comandante Geral,  não me prestaram nenhum apoio.

O subtenente J. Lima, ao assumir a presidência do clube, mudara o seu comportamento logo por ocasião de sua posse,  inspirado no discurso do comandante Altamiro, que disse:

“O Clube dos Sargentos agora está entregue a um homem com a cabeça no lugar”.

Capítulo 132

Visita maldita

             Numa manhã próxima à data que passei a presidência do clube ao meu vice-presidente, fui visitar os sargentos que estavam fazendo o Curso de Aperfeiçoamento no CFAP. Conversava com os sargentos, que se encontravam reunidos na sua sala de aulas, quando lá chegou o Comandante Geral, o qual baixou a cabeça, não olhou para ninguém. Deu meia-volta e desapareceu.

Não contei em casa o quê acontecera no CFAP. À tarde, sai de casa e retornei às 19 horas e 30 minutos. A alguns metros de distância de casa, escutei os gritos de minha esposa. Acelerei os passos. Encontrei-a chorando, com a face bastante roxa e inchada. Acalmou-se com a minha presença. Depois de alguns minutos, já tranqüila, ela disse-me que estava na sala assistindo televisão, quando uma pessoa apareceu à porta e recuou. Levantou-se e foi até lá. Era um homem, ao qual perguntou o que ele desejava.

  • Júlio está? - perguntou ele.
  • Não senhor.
  • Que hora ele chega?
  • Não sei!
  • Para onde ele foi?
  • Não sei.
  • Ele foi para o clube?
  • Não sei. Diga-me uma coisa: O senhor é da polícia?
  • Eu sou o major Reis.
  • Mas, o que é que vocês querem com o meu marido. Vocês o expulsaram da polícia. Nós estamos aqui sofrendo. Vocês querem o quê?

Sem dizer mais nada, o major Reis foi embora. No outro dia, logo cedo, ainda telefonei  para  o  dito  cidadão querendo saber sobre o motivo da sua ida ao meu lar, cujo oficial me fez uma pergunta parecida com a que eu lhe fizera:

“Que motivo lhe levou ao CFAP, Júlio”!?

Após o contato com o tal oficial, tomei conhecimento que o comandante, muito furioso, havia transferido, como punição, para outra subunidade da corporação, o único oficial que se encontrava no CFAP por ocasião da minha visita.

Capítulo 133

Tortura emocional

           Com a divulgação feita em grandes proporções pela mídia, tornei-me fácil de ser identificado pelo povo. Ao sair de casa, dezenas de pessoas me abordavam sobre o assunto que nos torturava tanto.

Elas queriam saber de tudo, detalhadamente, e muitas externavam a sua indignação contra o comandante.  Aonde eu chegava... nos coletivos, nas repartições, nas ruas, ficava repetindo toda aquela triste história.

Muitas pessoas me perguntavam, de maneira cômica:

“Você é o subtenente Júlio? O homem que o comandante da Polícia Militar matou”!?

Eu não suportava toda aquela conversa. As lágrimas começavam a descer. E profundamente amargurado, retornava correndo para casa, onde encontrava minha família se afogando nas lágrimas.

Não existia mais equilíbrio emocional para sair à rua. Mas, ficar dentro da casa com tanto choro, eu não suportaria.

Tentei superar todo o sofrimento do meu lar. E busquei trabalho. Um meu amigo - Emanuel Nunes -,  profissional  de  vendas, trabalhava na praça de Natal para uma empresa de turismo de Fortaleza, Estado do Ceará. Emanuel  me  deu parte do seu material, e fui à luta. O público alvo localizava-se na classe empresarial, funcionários públicos graduados e profissionais liberais.

Quase todas as pessoas que eu me dirigia com o objetivo de fechar um negócio, ficavam me olhando querendo me falar algo... E falavam mesmo:

  • “Eu estou lhe reconhecendo! Você não é o subtenente Júlio, o homem que o comandante da polícia matou”!?.

Ou senão, diziam:

“Você é o policial daquele caso da polícia, não é?”

Os meus pretensos clientes não se interessavam mais pelo produto que lhes oferecia, e sim, pela minha história. Sem fechar um negócio, eu ia embora, totalmente, desmotivado, desiludido da vida, e sem nenhuma perspectiva de um mundo melhor.

Deixei os contatos pessoais para fazê-los pelo  telefone. Eu acertava  com  as  pessoas,  e  em seguida telefonava para Emanuel, que à hora marcada iria comigo, e fechava o negócio, ficando deste modo, muito limitado, vez que dependia do tempo de Emanuel.

Capítulo 134

Saiu a pensão

             Depois de 120 dias, Aparecida foi comigo receber os 4 meses da pensão. Ela ficou na fila, e eu me afastei. Algumas mulheres pensionistas perguntaram:

  • Você é novata?
  • Sou, sim.
  • Mas, seu marido bem não acabou de morrer, você já está com outro!!?
  • Não!... Não é isso que vocês estão dizendo, não! O meu marido é ele.
  • Que conversa é esta, mulher!!... Pra cima da gente!!...

Sofrendo mais, ainda, Aparecida explicou às mulheres que ela era a esposa do subtenente Júlio, que o comandante da Polícia Militar havia excluído, considerando-o morto.

Minha filha, Maria Aparecida Ribeiro de Aquino Rocha, que era estudante, teve direito a uma pensão. Indignada com tudo quanto estava acontecendo nas nossas vidas, passou uma procuração para a mãe e não quis nem vê a cor do contracheque.

De posse do dinheiro, fomos pagar água e luz que estavam cortadas. Compramos gás e alimentos que há mais de um mês  haviam desaparecido do nosso lar.

     Capítulo 135

A Justiça anulou tudo

            Decorreram-se 10 meses da impetração do mandado de segurança que anularia a minha expulsão da reserva da Polícia Militar. Ocorreu, finalmente, o julgamento.

Fui assistir em companhia do doutor José de Ribamar. Após abrir os trabalhos, o Desembargador Francisco Lima, Presidente do Tribunal de Justiça, disse:

“A justiça do Rio Grande do Norte está diante de um caso hilariante: Vai ressuscitar um homem que o comandante da Polícia Militar matou”.

Teve início o julgamento. Ganhei de 10 a zero. O tribunal anulou o ato insensato do comando, e reintegrou-me à reserva remunerada da Polícia Militar.

Com a esmagadora vitória obtida perante a justiça estadual, despencavam todas as ações dos meus malfeitores. Todavia, parte da vida de minha família estava destruída. Parte da minha vida, também, fora destruída.

Com sensacionalismo, os jornais publicavam a decisão do tribunal e uma das manchetes dizia:

“Ressuscitou dos mortos no terceiro dia”.

Publicado o acórdão e decorrido o prazo, fui à Secretaria do Tribunal de Justiça, a fim de pegar o ofício dirigido ao comando da corporação, através do qual lhe seria comunicada a decisão judicial.

No quartel, encontrei os meus algozes derrotados e cabisbaixos. Encontrei-os dentro do seu mundo sujo igual a eles. Não tiveram dignidade para me encarar.

Há 10 meses, confiante em Deus, eu dissera a dezenas de companheiros numa reunião no Clube Tiradentes, que anularia tudo, e ao retornar, encontraria cabisbaixos os que me perseguiram, que me humilharam, que me massacraram. Deveras, os encontrei.

Capítulo 136

        Mais sujeira

          O IPE só pagou a pensão até dezembro de 1993. E, a partir de janeiro de 1994, eu receberia pela Polícia Militar.

Meus perseguidores não se emendaram com tanta derrota, pois, para quem só sabia maquinar maldade, não seguia outro caminho. E assim, retardaram o andamento do processo de minha reintegração. Chegou o dia do pagamento do meu salário do mês de janeiro. Não encontrei o contracheque no Serviço de Pessoal Inativo. Na mesma hora, procurei o Departamento de Pessoal da Polícia Militar, onde encontrei o dito processo parado há 45 dias, sem se mexer, pelo menos de uma gaveta para outra, e dependendo do trabalho burocrático de um soldado que me atendia  com  desleixo  e  queria  mandar  mais do que o coronel chefe do departamento. E mandava! Reclamei ao coronel sobre o descaso da repartição, o qual determinou o andamento do processo.

Uma semana depois, retornei àquela repartição, e para minha tristeza o processo continuava lá, cheio de poeira e teias de arranha. Aos gritos, fui perdendo a delicadeza, e exigindo que fossem tomadas as providências para encaminhar o expediente à Secretário de Administração, a quem caberia efetuar a implantação do meu salário. O coronel, chefe da repartição tomou a defesa protestando que a demora não era da repartição, mas, de pronto, protestei:

“É não!? E de quem é!!... Hein, coronel!!?”

Não dei mais espaço, e no dia seguinte fui ver como estava o processo, o qual já havia sido remetido para a Secretaria de Administração. Após 2 dias, procurei o documento na administração, onde só demorou 5 dias, e retornou à Polícia Militar. Corri atrás. Encontrei-o na Diretoria de Finanças a espera para refazer os cálculos.

Confiei na repartição, certo de que no mês de fevereiro receberia os dois meses. Chegou o dia do pagamento. Fui buscar meu contracheque. Nada!... Nada de contracheque.

Como da outra vez, fui à Diretoria de Finanças. Encontrei o processo  parado,  e  basicamente  não haviam feito nada dos cálculos. E o que me chocou mais foi saber que o processo teria que ir ao Tribunal de Contas, e que lá demoraria muito.

Com dois meses sem receber dinheiro, submetido com minha família  aos  mesmos  flagelos  de  antes,  descontrolei-me  dentro  da repartição e joguei para fora tudo que me devorava por dentro:

“Seus miseráveis! Desgraçados! Comandante monstro! Bando de injustos! Cabras safados! No dia que eu morrer, se minha alma tiver vergonha, não passará em frente ao portão deste desgraçado quartel”.

Totalmente desorientado, conclui:

“Amanhã, às 9 horas, retornarei aqui e eu quero esse processo pronto. Vocês entenderam, ou eu falei grego?”

À hora prevista, cheguei à Diretoria de Finanças da PM. Os cálculos estavam feitos, e só faltava levá-lo ao Tribunal de Contas. Pedi para eu mesmo conduzi-lo. Dei entrada no tribunal, aonde falei com um funcionário humilde encarregado pelo andamento do expediente diretamente nas sessões, o qual me prometeu colocar o processo, urgente, em pauta. Dez dias se passaram, e procurei o mesmo funcionário, que me entregou o processo já devidamente aprovado.

Eu teria que retornar à Diretoria de Finanças da PM. Ora, dessa vez foi tudo muito rápido! E no mesmo dia levei-o para o setor de implantação da Secretaria de Administração. Era no final da segunda semana do mês de março. O funcionário encarregado pelo serviço informou-me que sairiam os 3 meses num só contracheque no dia do meu pagamento - 6 de abril de 1994.

Fiquei mais aliviado. Com água e luz cortadas, ouvindo choros e palavras de revolta, inclusive com o meu filho mais novo doente, indo freqüentemente ao pronto socorro dos hospitais, procurei o presidente do Clube Tiradentes, e até de maneira humilhante, pedi a sua ajuda  enquanto eu receberia o pagamento. Ele, porém, negou-me.

Telefonei ao cabo Sobrinho, presidente da Associação de Cabos e Soldados, ao qual contei a minha terrível situação, com água e luz cortadas, há 5  dias  comendo pão, com o meu filho gravemente doente, que se contorcia em dores. Solicitei que ele me desse uns vales refeições, que eu os pagaria no dia 6 de abril. O cabo, que  era leitor da cartilha do comandante Altamiro,  negou-me ajuda.

Chegou o dia 6. Fui pegar o meu contracheque no Serviço do Pessoal Inativo. Grande foi, todavia, a minha revolta porque o meu nome não estava na listagem, nem existia nenhum contracheque.

Irado, disparei a soltar palavrões para todo lado contra o comandante. Só não o chamei de santo, porque ele não o era. Mas, o resto!... Na  ocasião  se aproximava o coronel da reserva José Francisco Pereira, o qual assustado com tanto desaforo que ouvira, procurou me acalmar.

Não deu nem tempo para conversar direito com o coronel, e sai correndo  para a Secretaria de Administração que ficava bem distante do serviço inativo. Fui a pé. Cheguei arrasado e cansado. Entrecortando as palavras falei com o mesmo funcionário que me garantira o recebimento dos 3 meses, que providenciou, na hora, a confecção do meu contracheque.

Fui ao banco e retirei o meu pagamento. Abasteci a casa. Paguei água e luz que estavam cortadas. Comprei os medicamentos de Aparecida e do meu filho.

Capitulo 137

Fui para Mato Grosso do Sul

           As torturas emocionais continuavam. Antes, como derrotado. E naquela fase, como vitorioso. Todos queriam me dar os parabéns, mas faziam comentários que me torturavam demasiadamente.

Os policiais militares que me chamavam de herói e me deram as costas quando fui expulso, batiam no ombro e diziam:

“Parabéns! Você é um herói. Você merece”.

Quanta covardia!...

À tarde daquele dia 6 de abril, dirigi-me à rodoviária, e comprei uma passagem para Campo Grande, Capital do Estado do Mato de Grosso do Sul, onde morava meu filho mais velho que era sargento do Exército.

Eu queria esquecer todas as humilhações miseráveis das quais fomos vítimas. Mas, não me foi fácil, pois,  durante  dois meses eu ainda chorava e não evitava as lágrimas.

Vi que seria necessário me manter ocupado, razão que me levou à filial da mesma empresa que eu havia perdido o emprego de promotor de vendas, na qual reiniciei minhas atividades profissionais, tendo o mercado local com boas oportunidades de negócios. Lá, eu passei a ter uma vida totalmente diferente, em um novo mundo. Bem longe daquelas fisionomias monstruosas e asquerosas que me causavam repúdio.

Em Campo Grande, com o aval da empresa, recuperei cartão de crédito e abri conta bancária. Naquela  cidade  me  demorei  6 meses. Já bem recuperado de todo aquele trauma desastroso, retornei à Natal, no final do mês de setembro de 1994.     

Capítulo 138

Mais massacre contra minha família

           Meus perversos  algozes se aproveitaram do meu afastamento de casa, patrocinaram mais um ato mesquinho e safado  contra minha família. É que um dos meus filhos foi ao Serviço dos Inativos, a fim de apanhar o meu contracheque no dia de pagamento, o qual lá não se encontrava. A informação que prestaram ao meu filho foi que o meu salário havia ficado retido, com o objetivo de pagar uma conta que eu estava devendo à Associação de Cabos e Soldados, e que só terminaria no mês seguinte.

Aquela informação mentirosa e descarada causou profunda revolta à minha esposa e aos meus filhos.

Aparecida, minha mulher, telefonou ao cabo Sobrinho, presidente daquela entidade, - aquele mesmo cabo Sobrinho que me negara os vales refeição -, cujo cidadão ainda tentou contestar a informação dela de que eu não havia efetuado nenhuma compra por lá, de onde eu não era sócio.

Pela conversa, o presidente da Associação de Cabos e Soldados queria estender o sofrimento de minha família, razão que me fez telefonar ao subtenente José Matias do Nascimento, ao qual solicitei que fosse procurar o dito cabo Sobrinho  e o aconselhasse a devolver o que me pertencia. 

Capítulo139

Ação de danos morais

          No início do mês de outubro, procurei o doutor José de Ribamar de Aguiar e de passe de toda a documentação necessária, ele entrou com uma ação de indenização por perdas e danos morais em meu nome e de minha esposa, contra o Estado do Rio Grande do Norte. Na ação, o advogado argumentou que nós fomos vítimas de arbitrariedade e abuso de poder, tendo como responsável o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte. E pedimos o equivalente a 18.532 salários mínimos.

A indenização pedida não chegava nem a amenizar os sofrimentos, com rios de lágrimas que afogavam as faces entristecidas dos nossos filhos. E o mais cruel:  o  meu filho mais novo com a sua saúde seriamente comprometida, que a ciência não conseguiu diagnosticar, nem tampouco administrar uma medicação eficaz que o curasse, senão o poder de Jesus.

O ato cruel e irresponsável que destruiu parte das nossas vidas foi praticado com tamanha perversidade, que nos parecia vivermos na idade da pedra lascada, sem levar em consideração a justiça e a lei. Mas esta era a lei da ira insaciável dos coronéis.

Vítimas de tantas amarguras, não existia dinheiro neste mundo que pagasse os nossos sofrimentos que nos foram impostos por atos tão bárbaros praticados pelos irresponsáveis das estrelas, deixando profundas seqüelas no nosso lar. Mas os tais coronéis foram beneficiados com os mesmos direitos conquistados por mim e meus companheiros, tais como gratificação de função de 30% para 67.33%, auxílio de moradia de 10% para 30% e reajuste nos soldos. Quanta falta de dignidade!...

Nós tivemos a primeira vitória no processo, que foi o parecer do Representante do Ministério Público. Em outubro de 2000, o processo completou 6 anos de existência em uma das Varas da Fazenda Pública de Natal. Enquanto isto, as cicatrizes permaneciam nos causando profundas dores.

Capítulo 140

Mais uma decepção

         Diante da primeira ingratidão dos policiais, que não me elegeram a vereador em 1992, eu não pretendia mais me candidatar acreditando neles, pois, a maioria não era confiável.

Entusiasmado pelo incentivo de alguns amigos, resolvi me candidatar a vereador à Câmara Municipal de Natal nas eleições de 1996. Eles mesmos fizeram questão de levar-me à presença da professora Wilma de Faria, presidente do PSB, e candidata a prefeita de Natal, que garantiu a minha candidatura, salientando:

“Eu conheço o seu trabalho, Júlio. Pode ficar tranqüilo que a sua vaga está garantida”.

Deixei o PDT e ingressei no PSB a 15 dias do prazo de filiação para quem iria se candidatar. À época, o partido não contava com nenhum vereador. Eu fiquei colocado no oitavo lugar.

A aceitação do nome da professora Wilma crescia de maneira impressionante e atraiu alguns vereadores  candidatos a reeleição, que se filiaram ao partido da candidata Wilma. Com o ingresso de fortes aliados, naturalmente, o meu nome seria empurrado para o final da fila, e comecei me preocupar, pois, corriam especulações sobre uma possível coligação majoritária e proporcional do PMDB com o partido da professora Wilma. E vendo a minha posição, fatalmente, não me restaria vez.

Justamente, em meio às dúvidas, com  dois dias para terminar o prazo para mudança de partido, fui procurado pelo professor Pinheiro, que fundara o PSD que não dera certo, o qual se filiara ao partido da professora Wilma e estava querendo deixá-lo. Pinheiro cientificou-me de que o PSB estava fechando coligação com o PMDB e que o seu presidente, senhor Aluízio Alves, só deixaria 8 vagas para o partido aliado, e eu não teria nenhuma chance. Continuando, ele me convidou para me filiar ao PMN, e foi logo me convidando para ir falar com o seu presidente, senhor Eliomar. Este, jeitoso, calmo que tinha até preguiça de falar, dizia:

“É mesmo... É mesmo... Pinheiro tem razão! Com esta coligação, o senhor não tem chance no partido da professora Wilma”.

Não tive nem tempo  de procurar os amigos que me levaram para o PSB, preenchi a ficha me filiando ao PMN. Foi o meu primeiro grande erro. E com Pinheiro, fui à sede do PSB entregar uma carta comunicando que estaria deixando o partido, cuja secretária, dona Marilene, não aceitou, orientando-me que antes daquela medida eu fosse falar com a professora Wilma, que se encontrava em seu apartamento, no Tirol. Fui, inclusive, com um dos membros do PSB e Pinheiro. Ela estava apanhando o seu veículo com destino à Capital do Recife, todavia, desceu e foi me receber. Ciente do que se tratava, retirou os seus óculos escuros, e, gentilmente, disse-me:

“O senhor olhe bem nos meus olhos para o que eu vou lhe dizer: A sua vaga está garantida”.

O professor Pinheiro, contudo, continuava insistindo. Com ele, fui ao PMN a fim de comunicar a Eliomar que eu ficaria mesmo no partido da professora. Mas, que nada! Bom de conversa, Eliomar convenceu-me a ficar com o PMN. Foi o meu segundo pior erro que pratiquei naquele dia, pois, são perigosas as atitudes tomadas no fogo da emoção. E para encurtar a conversa, o partido da Professora Wilma não fez coligação nenhuma com o PMDB.

O PMN fez coligação na majoritária com o professor João Faustino para prefeito, que também era o candidato do PMDB e PSDB. Eliomar, periodicamente, fazia reuniões na sede do partido ou no seu apartamento no bairro Nova Parnamirim com parte dos 23 candidatos do partido. Ele subestimava os ausentes, dizendo:

“Fulano é fraco!!... Ele é candidato de 100 votos!!...”

E o mesmo comportamento era adotado com as outras turmas em relação aos que haviam se reunido com ele. Eu não via, praticamente, confiança nas atitudes do senhor Eliomar, que, em conjunto adotava um comportamento, mas na verdade, seguia outro.

Os partidos fortes repassaram ajuda financeira aos pequenos. A municipal do PMN, de posse do dinheiro, fez  uma distribuição, no mínimo, desastrosa. Para uns, deu 10 mil reais; para outros, 5 mil reais. E, segundo comentários - depois confirmado pelo próprio Eliomar - 10 mil reais para gente da Regional do PMN, que não era candidato. Para mim, tão somente, 350 reais. Para muitos, cartazes com retratos majestosos super coloridos. Para mim, em preto e branco, que mal se via minha cara, e um tampão no olho esquerdo, que serviu de gozação. Parecia até uma piada! Joguei-os no lixo.

Na  Polícia  Militar,  não  foi  diferente  da  primeira vez. Eles - os meus malfeitores - estavam sempre à solta fazendo campanhas sujas para me derrubar. Muitos diziam que todos os votos da família eram meus, mas a estória mudava com a minha saída. O sargento Floriano fez terrível comentário na presença das praças, no corpo da guarda da Assembléia Legislativa, quando estive lá a fim de pedir votos, e haver me afastado:

“Um porqueira deste, quer ser vereador!...”

Na Companhia de Choque, às 07:30 horas, quando fazia uma visita e pedia votos, fui expulso de lá, por seu comandante, capitão Arcanjo, o qual utilizou a sua própria força física, porém, livrei-me de suas garras.  

A única diferença da campanha anterior era que o Comandante Geral, coronel Mesquita, não me fazia oposição, e cumprimentava-me com floreada fidalguia. Mas,  em compensação, fazia a campanha para vereador do seu cunhado Urubatan Maia, e os birôs da corporação foram transformados em comitês políticos prol candidatura Urubatan.

Consegui os endereços dos policiais, e visitei 2 mil residências da família policial militar. Só, e a pé, eu chegava à residência. Batia à porta; cumprimentava a pessoa que me atendia, geralmente a esposa, e perguntava:

  • Fulano de tal mora aqui?
  • Ele está?
  • Não.
  • Eu sou o subtenente Júlio. Sou candidato a vereador. Ele falou para a família que eu sou candidato!?...
  • Não!!... Falou não.
  • Ele falou que sou eu quem defende os direitos dos policiais militares?
  • Não!!...

Conduzir a campanha daquela maneira era a pior coisa que eu estava enfrentando. E acima de tudo, até uma humilhação. Dezenas de vezes, os policiais que se encontravam em suas casas, atendiam-me por entre as grades das residências, em cujas paredes estavam retratos de outros candidatos que nunca haviam lutado pelos direitos deles.

Outros me encaravam, friamente, perguntando:

“O senhor quer o quê?”

Eu, todo sem jeito, não encontrava clima para uma boa conversa. Desculpava-me e seguia minha caminhada. Por ironia do destino, tive um voto a menos que na eleição de 1992. E, mais uma vez, quem menos me confiou o voto foi o policial militar.

Enquanto eles não elegeram o seu representante, uma prostituta numa cidade, no Estado do Rio Grande do Sul, foi eleita por suas colegas prostitutas, à Câmara Municipal local, com mais de 6 mil votos.

Capítulo 141

Retornei à caminhada do RMS

        O Recurso em Mandado de Segurança estava estacionado na Procuradoria Geral da República há mais de 3 anos.

Eu sempre dizia a alguns policiais que a nossa única esperança estava no mandado, mas não houve interesse por parte de quem estava na presidência do Clube Tiradentes para agilizar o seu andamento. Em razão desse descaso, resolvi mandar uma carta, datada de 18 de agosto de 1996, ao Procurador Geral da República, à qual juntei cópias de contracheques de policiais militares, a fim de provar que nós estávamos ganhando uma miséria, e solicitei urgência na apreciação do processo.

Em 18 de outubro de 1996, nós obtivemos a primeira vitória. A Subprocuradoria da República deu parecer favorável ao nosso pleito e devolveu o RMS ao Superior Tribunal de Justiça.

Reacendia-se a chama e não me acomodei. No final de janeiro de 1997, remeti carta ao Ministro Cid Flaquer Scartezzini, relator do mandado. Na carta, eu relatei a real situação, inclusive juntando documentos. No STJ, as coisas correram rápidas, e no dia 4 de fevereiro de 1997, aquela corte, à unanimidade, julgou procedente o nosso mandado. Logo que a notícia chegou, quase ninguém acreditava.

Capítulo 142

  • O Estado passou batido

           O acórdão do STJ foi publicado no Diário Oficial da União em 14 de abril de 1997. O governo do estado teria 30 dias de prazo para interpor recurso ao Supremo Tribunal Federal, e terminaria no dia 13 de maio.

A tropa começou a se animar com a notícia que corria de boca em boca dentro da caserna, sem haver divulgação através dos meios de comunicação, pois eu e o doutor Ribamar queríamos que o estado passasse batido.

Restavam poucos dias para terminar o prazo. Tiveram início as notícias mentirosas dentro da corporação de que a Procuradoria Geral teria entrado com recurso. Faltando 48 horas para esgotar o tempo, fui àquela repartição, com a finalidade de conseguir informação sobre o processo. A funcionária que me atendeu - responsável pelo setor de tramitação dos expedientes - revirou tudo e não encontrou nada. Ela procurava no Diário da União, e corria o dedo bem junto à publicação do acórdão e não via. Já sem paciência, disse:

  • O procurador há dias que mandou eu procurar esse acórdão, mas, não encontrei. Como é que o senhor prova que foi publicado?
  • Eu tenho cópia.
  • O senhor me dá uma cópia?
  • Não está aqui. Está em casa.
  • O senhor traz uma cópia para mim, agora?
  • Voltarei já - respondi.

Lá não retornei. Ora, eu tinha uma cópia da publicação dentro da pasta, e até havia distribuído cópias para alguns policiais. Era mesmo que entregar o ouro ao bandido.

Os policiais ativos e inativos estavam eufóricos. Um grupo de coronéis da reserva remunerada, no desejo de colaborar e pensando que o Governador Garibaldi honraria a sentença judicial, procuraram o coronel médico José Carlos Passos - Zeca Passos -  que era Secretário de Saúde, ao qual entregaram uma cópia com a publicação do acórdão, colocando-o como mediador junto ao governador, com quem o doutor José Carlos Passos iriam almoçar.

No almoço, Zeca Passos perguntou ao doutor Garibaldi se ele iria pagar o escalonamento. Ele, que de nada sabia sobre a sentença judicial, ou se fazendo..., perguntou que escalonamento era esse. E Zeca Passos esclareceu que o STJ havia sido favorável à ação impetrada pelos sargentos, mostrando, inclusive uma cópia da publicação no Diário Oficial da União. E o governador deu calado por resposta, não recorrendo ao Supremo Tribunal Federal porque não dava mais tempo;  o prazo se esgotava naquele dia, sendo o processo transitado em julgado.

   Capítulo 143

O RMS retorna à Justiça/RN

           Transitado em julgado, o processo foi remetido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, ao qual cabia citar o governador do estado a cumprir a sentença proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.

O clima de expectativa  crescia dentro dos quartéis da Polícia Militar. Os policiais estavam convictos de que o Governador  Garibaldi Alves Filho, até então admirado pela tropa, cumpriria a sentença judicial.

Ocorre, contudo, que o presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador  Caio  Alencar,  mandou  ofício ao doutor Garibaldi Alves Filho, em 9 de junho de 1997, apenas, comunicando sobre a decisão do STJ, não estipulando prazo para o seu cumprimento. Para muitos, tratava-se de uma fragilidade da justiça,  para outros, teria sido uma falha burocrática, mas para alguns nem uma, nem outra. Nada de falhas!!... Era uma atitude muita boazinha!!... E bota boazinha!

Tudo nos fazia crer que o governador se prevaleceu daquela situação e se fez de desentendido no assunto e não deu qualquer satisfação.

Era incrível a posição assumida pelo governador Geribaldi, o qual quando candidato havia visitado os quartéis da corporação e prometido aos policiais que, ao chegar ao governo, daria o que eles tinham direito e não precisava continuar brigando na justiça.

          Capítulo 144

Comissão mista

            No Clube Tiradentes estava ocorrendo o processo de transição de cargos, tendo como presidente eleito o sargento Edson Siqueira de Lima - o sargento Siqueira da Assembléia Legislativa - eleito com o apoio do vereador Adão Eridan, do PSB, que foi o candidato daquele policial militar, nas eleições de 1996, cujo vereador votou contra o direito do policial militar não pagar transportes coletivos na Capital.

Ciente de que aquela briga jurídica estaria, ainda, no seu começo, e temendo   que   não   houvesse   interesse   dos   dirigentes  do  Clube Tiradentes, a exemplo do que ocorrera nas gestões anteriores, solicitei ao presidente do Clube Tiradentes, sargento José Esmeraldo Cavalcante, que convocasse uma Assembléia Geral, a fim de comunicar aos companheiros sobre os acontecimentos jurídicos referentes ao nosso mandado. Na assembléia, solicitei que fosse eleita uma comissão formada por praças e oficiais, que ficaria responsável pelo  acompanhamento da causa, bem como tudo que a envolvesse.

Escolhida a comissão composta pelo coronel Pádua, sargento Juzemar, Cabo Aurélio, subtenente Guanabara. Para ficar à frente da comissão, a assembléia elegeu-me o seu presidente.

A minha indicação deixou algumas pessoas insatisfeitas, as quais jamais teriam erguido a voz defendendo a questão salarial dos policiais militares. Gente que só me criticava. Mas, só havia um motivo que as invejava: O crescimento do meu nome.

Capítulo 145

Boatos e calúnias

           A vitória conquistada junto ao STJ estava causando dores de cabeça a outros segmentos da corporação que de direito não entendiam nada, isto porque o autor da ação fora um subtenente, e imagine quem!!?... O subtenente Júlio! E tinha gente mais do que incomodada a despeito de nossa grande vitória.

Tanto do seio da oficialidade quanto das praças, surgiram pessoas más ou desinformadas espalhando boatos sem fundamento, com o objetivo de deturpar a inteligência dos policiais incautos.

Por sinal, o primeiro que me veio com “lero-lero” foi um tenente-coronel que estava sendo transferido para a reserva remunerada, o qual me fez uma interpelação, no mínimo, ridícula:

  • Oh, Júlio! Eu pensei que você estava no meio dos sem terras.
  • Não senhor coronel!... O senhor está enganado. O meu lugar é aqui defendendo os direitos dos senhores. O Senhor está sabendo que nós ganhamos aquela ação no STJ!?
  • Não! Estou não!!...
  • Apois é!...
  • Mas o governador não paga!
  • Paga não, coronel!?
  • Paga nada.
  • O senhor diz isto por quê?
  • Por que não paga.
  • O senhor sabe quanto é que o senhor fica recebendo sem o cala boca?
  • Sei não!!...
  • Sabe não!... São 3 mil e 400 reais. Quebra o galho, coronel?
  • É. Se vier!...

Um outro coronel, também da ativa, que recebia gordas gratificações como comandante  de um dos segmentos operacionais, saia dizendo:

“O governo não paga! Só é dizer que não tem dinheiro e estamos conversados”.

Ainda outro coronel saiu dizendo nas unidades:

“O Escalonamento não existe, não. Quem manda na polícia são os coronéis...”

Se eles não recebessem as malditas gratificações, andariam correndo à procura de informações, interessados na questão, porém,  preferiram levar para o lado do deboche.

E foram aumentando os comentários absurdos:

“Júlio é um imbecil... Ele está perdendo o tempo...”

“Júlio é um mentiroso. Estes papéis nunca saíram daqui!..."

Diante de tanta campanha contra, muitos policiais passaram a acreditar nas mentiras que tinham patrocínio de gente que jamais fizera a menor ação em defesa dos policiais.

Eles não eram capazes de calar a boca, preferindo atacar de todo jeito, quando deviam ter um pingo de sensatez e de vergonha, se é que eles alguma vez as tiveram, já que não se uniam à luta do nosso direito conquistado na justiça, que também era o direito deles!

Não se contentaram em só espalhar boatos ridículos. Passaram a me caluniar dizendo que eu teria recebido 50 mil reais para abandonar a causa. Esta notícia rodou os quatro cantos dos quartéis. Faziam de tudo para as coisas darem erradas. Eles estavam contra o próprio direito deles. Que tanta maldade! Que povo ruim!...

Capítulo 146

Guerra psicológica

             Com a chegada do mandado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, estávamos precisando tirar cópias xerográficas e autenticar todo o processo. E para tal recorri à direção do Clube Tiradentes,  ainda em transição,  porém, o seu presidente se negou  fazê-lo alegando:

“O dinheiro só poderá ser retirado da conta bancária para fins virtuais e depois da posse do novo presidente”.

Expliquei ao nobre presidente, que aquelas providências exigiam urgência, mas em vão tentei. Entendi que o sargento Esmeraldo estava sendo precionado pelo sargento Siqueira para não me atender.

Minutos após a minha tentativa frustrada recebi um telefonema de um sargento representando os companheiros na cidade de Caicó, no interior do Rio Grande do Norte, que gostaria de saber sobre o andamento da ação, ao qual fiz ciente sobre a falta de apoio do clube. 

O mesmo sargento de Caicó telefonou para os sargentos Esmeraldo e Siqueira exigindo, urgente, a presença deles naquela cidade para uma reunião com os subtenentes e  sargentos  da região, que foi marcada para a sexta feira da mesma semana. E em seguida telefonou-me exigindo, também, a minha presença. Expliquei-lhe que, por questão financeira, não poderia comparecer, mas ele insistiu e assegurou-me que eles - os subtenentes e sargentos -, custeariam minhas despesas, incluindo conta telefônica que se encontrava estourada só com os telefonemas que eu os dava ao STJ, a fim de colher as informações necessárias sobre o mandado de segurança, enquanto ninguém não movia uma palha.

Resolvi atender ao convite. E para viajar, contei com o apoio dos sargentos Luiz Antônio Soares e Azemil, que estavam preocupados com a minha segurança, em virtude de haver surgido boatos de que um grupo de policiais não identificado havia dito que me mataria, caso eu recuasse na ação judicial, isto porque continuavam os boatos de que eu teria recebido 50 mil reais para abandonar a causa.

Pela tarde da quinta-feira daquela semana, fui ao Clube Tiradentes em companhia do sargento Luiz Antônio Soares, onde acabava de chegar o  sargento  Pereira  que  estando  preocupado  com  as  ameaças  que  me  estavam  fazendo,  colocou  o  seu  carro  à minha disposição  para a viagem à cidade de Caicó, tendo como ponto de partida a sede do Tiradentes, às 4 horas da manhã do dia seguinte.

Na hora marcada, houve atraso do sargento Siqueira que nos acompanharia em outro veículo. Esperamos cerca de 20 minutos, e como Siqueira não chegava, e com 6 pessoas no carro do sargento Pereira seria impossível viajarmos, rezão pela qual eu e os dois sargentos resolvemos ir de ônibus.

Ao passarmos pela cidade de Acari, o sargento Soares mandou um policial militar telefonar para o Centro de Operações do Batalhão da PM, em Caicó, avisando que nós estaríamos chegando à rodoviária, às 9 horas.

O sargento Siqueira, que fora com a sua diretoria e o cabo Aurélio, este, presidente da Associação de Cabos e Soldados, chegou cedo, e informou aos policiais que eu não iria, mandando-os ir para o local da reunião, os quais nem se mexeram e responderam que só iriam comigo, pois, eu estaria chegando.

Na rodoviária, o sargento Manoel Anísio, da reserva remunerada da Polícia Militar, residente naquela cidade, estava nos esperando, levando-nos ao batalhão.

Ao descer do veículo, sai cumprimentando, pessoalmente, todos os policiais  militares e seus familiares até chegar ao gabinete do major Reinaldo - o então capitão Reinaldo do Conselho de Disciplina instaurado contra mim -, ao qual falei sobre a nossa ida àquela organização policial.

Acompanhado pelo major, fui ao local da reunião, cujo salão estava supercheio de policiais ativos, inativos e seus familiares. Todos ansiosos por notícias sobre a ação judicial.

Nós nos aproximávamos da porta, quando o sargento Itamar, um dos diretores do sargento Siqueira me abordou, dizendo:

“Subtenente Júlio, a segunda seção telefonou agora mesmo para o senhor, e quer falar com o senhor, com urgência. A ordem é para prender todo mundo. A gente queria que o senhor não aparecesse aqui”.

Aquela afirmativa que acabara de ouvir, abalou-me, profundamente. Parecia até que estaria retornando aos amargos tempos dos anos 91/94.

Eu fui o primeiro a falar explicando tudo sobre o mandado de segurança. E comecei muito nervoso, todo desajeitado com uma gagueira terrível. E só melhorei do meio para o fim. O segundo a se pronunciar foi o sargento Siqueira, o qual, dentre outras, disse:

“O subtenente Júlio está amadurecendo e os clubes estão amadurecidos”.

E continuando, falou... falou... e quis dar ênfase ao seu discurso:

“O Mandado de Segurança foi impetrado em 1991, na presidência do subtenente Júlio, mas, poderia ter sido na presidência de qualquer um...”

Pegou mal o pronunciamento do mencionado sargento, e diversos companheiros tomaram a palavra e fizeram a minha defesa, dentre os quais os subtenentes Modesto e De Lima, aquele, bacharel em direito. Seguiram-se os sargentos  Dari e  Pessoa, este último, da reserva remunerada, residente na cidade de  Florânia, no Rio Grande do Norte. Todos, com veemência condenaram a posição assumida pelo presidente eleito do Clube Tiradentes – o sargento Siqueira.

Naquela oportunidade eu era o herói para quem estava na reunião, coisa, aliás, que encomodava muita o sargento Siqueira que, o todo custo, queria ser o centro das atenções. A estrela maior. O tal!

Ao deixar o recinto, concedi entrevista a dois repórteres da Rádio Rural de Caicó e Rádio Caicó. Um dos entrevistadores perguntou-me:

  • Subtenente Júlio, o que se comenta aqui é que o senhor vai se candidatar a deputado estadual, é verdade?
  • Não. Nem pretendo, salvo se as bases me lançarem - respondi.

Eu e os dois sargentos não nos demoramos naquele recinto, cujo clima tornara-se desfavorável, haja vista o que fora provocado pelo presidente eleito do Clube Tiradentes. De imediato, retornamos à capital potiguar, enquanto a comitiva do sargento Siqueira ficara no batalhão.

No sábado - dia seguinte -, houve uma assembléia geral unificada na sede do clube dos sargentos. À hora da reunião, o coronel Mesquita, Comandante Geral da corporação, havia marcado uma reunião em seu gabinete com os presidentes dos Clubes dos Oficiais, Subtenentes e Sargentos, e Cabos e Soldados. Justamente para desestabilizar o movimento. Na reunião, o presidente da Associação de Cabos e Soldados também tentou me dar uma rasteira, dizendo:

  • Comandante, tem gente aproveitando o escalonamento para dizer que é candidato!...
  • É!... Eu estou sabendo!... - concluiu o comandante.

Capítulo 147

Incoerência do procurador

             O doutor Garibaldi Alves Filho, Governador do Estado do Rio Grande do Norte, às 18:00 horas, do dia 09 de junho de 1997, recebeu o famigerado ofício do presidente do Tribunal de Justiça, ao qual estava anexada a sentença do Superior Tribunal de Justiça. Mas, o que deveria ser uma citação, não passou de uma comunicação, vez que não existia prazo para o seu cumprimento.

Na semana seguinte, o Procurador Geral do Estado, doutor Francisco de   Sousa Nunes, que da Polícia Militar foi coronel, deu entrevista ao Jornal de Natal, em data de 13 daquele mês, e com todo o vigor da hermenêutica, disse que:

“...o governo vai ser obrigado a acatar a decisão judicial Só não vai ser implantado este mês por uma questão administrativa...”

Por fim, concluiu:

“...que não há como o governo deixar de cumprir uma decisão da justiça transitada em julgado...”

O procurador, apesar de reconhecer que não existia saída para o governo, disse que iria tentar um socorro jurídico.

Que ex-companheiro hein!!?

         Capítulo 148

General contra

               Há 5 dias que o governador recebera a citação da justiça, o Secretário de Segurança Publica, general José Carlos Leite, que havia assumido aquela posta há l0 dias, foi entrevistado pelo Jornalista Max Fonseca, no seu programa Abrindo o Jogo, da Televisão Potengi. Um policial militar que estava assistindo a entrevista, e sem ter embasamento sobre quem poderia falar pelos PMs, telefonou para o programa perguntando ao general o que ele poderia fazer junto ao governador pelo cumprimento do escalonamento que havia sido conquistado na justiça.

O general, que sobre a nossa questão não entendia de nada, tentou fugir à resposta, porém, o jornalista insistiu.

Resolvendo, porém, falar sobre o assunto, deixando bem claro que entender de direito não era bem o seu forte, e deu uma resposta, que passou a ser o estandarte ostentado pelo governador Geribaldi para não cumprir a decisão judicial. E assim se expressou o secretário:

“Decisão judicial não se discute, cumpre-se! Como a constituição diz  que  ninguém  pode  ganhar  menos  do  que o salário mínimo, o aluno soldado vai ficar com 120 reais de soldo, o soldado, 121 reais e o cabo com 123 reais.”

A interferência do secretário José Carlos Leite era para acabar com um direito conquistado há 30, pois, o soldo do soldado correspondia a duas vezes o soldo do aluno soldado; o cabo um soldo e meio do soldado; mas pela proposta do secretário o soldado ficaria com um real de diferença do aluno; e o cabo um real do soldado.

O secretário passou a tomar a defesa do estado contra os policiais militares. E entrava numa questão pela porta errada, pois, de acordo com a Constituição Estadual do Rio Grande do Norte, a Polícia Militar era comandada por um oficial da ativa da mesma corporação, do último posto. E a Lei Complementar nº 090/91, ia mais além ao determinar que a Polícia Militar era subordinada, administrativamente e para efeito de mobilização de tropas, ao Comando Geral da mesma  corporação. Mas, os comandantes que não se valorizavam, não tinham prestígio para nada, só sabiam balançar a cabeça. Com efeito,  o general passou a “ser o dono da bola” mandando em tudo, transformando os coronéis do alto comando em fantoches.

Capítulo149

O governador não cumpriu

             O prazo para o cumprimento do mandado não foi obedecido. Enquanto isto o Secretário de Segurança Pública continuava com as suas entrevistas se posicionando contra, colocando a sua colher no prato errado. Ele numa entrevistas que deu ao jornal Correio de Natal, dizia:

“O que será do trabalhador de 120, enquanto o soldado ganha 257 reais?”

Dava para entender que o secretário queria jogar outras categorias contra os policiais militares. E era uma comparação estranha e absurda, uma vez que o trabalhador de 120 reais, num turno ininterrupto, cumpre 6 horas  de trabalho por dia, enquanto o policial militar, 24 por 48 ou 24 por 24, portanto, mais de 90 horas semanais; e o trabalhador, em turno normal, penas, 44 horas semanais.

O secretário devia comparar o soldado PM com um soldado engajado do Exército, que ganhava 540 reais, à época. E levando-se   em consideração a função deste em tempo de paz, com à do policial militar, perigosa não o era.

O secretário, com aquela desastrosa posição, deixava bem claro as razões de sua presença na segurança pública.

Foi colocado pelo governo como testa de ferrro, com ordens para “dar nó em pingo d’água” na questão vitoriosa dos policiais militares. E deu ao aproveitar-se de fraqueza dos coronéis

As posições do governador e do general serviram para fortalecer a onda de descrédito dentro da corporação, virando voz corrente na boca das más línguas:

“Eu não disse - dizia eles - manda quem está no poder. Ninguém pode contra o governo”.

Davam a entender que seria uma grande vitória para eles.

Que coisa!...

Que mesquinhez infernal!

 Contudo, aumentava o número de policiais insatisfeitos desejando que as associações tomassem uma providência mais enérgica. Mas, como? Se todas estavam sendo controladas pelo Comando Geral!

Capítulo 150

Cobrança dos 5 anos do atrasado

                Com a primeiro vitória junto ao Superior Tribunal de Justiça, que reconhecia o nosso direito, a comissão sob a minha presidência que estava à frente a fim de administrar os conflitos, convocou os presidentes das entidades representativas de classe da instituição para uma reunião no escritório do advogado José de Ribamar de Aquiar, cujo objetivo era entrar com uma ação de cobrança  dos 5 anos de atrasado, considerando que o nosso direito retroagia 5 anos.

Na primeira reunião, eles lá não foram. Na segunda reunião, compareceu o soldado José Luiz, o novo presidente da Associação de Cabos e Soldados. Na terceira reunião, compareceu o soldado José Luiz, enquanto o sargento Siqueira procurou o advogado no dia seguinte, quando assinou a procuração, que já estava assinada pelo soldado José Luiz.  No dia 20 de agosto de 1997, eu e o doutor José de Ribamar fomos ao Cartório Distribuidor, e lá demos entrada na Ação de Cobrança Cumulada com pedido parcial de antecipação de tutela. A Associação de Cabos e Soldados pagou as custas do processo que lhe tocava, mas o Clube Tiradentes jamais pagou.

Na ação, o advogado requereu que o doutor Juiz solicitasse ao Comando Geral da Polícia Militar a listagem dos praças. O Departamento de Pessoal, que era o órgão responsável pelo fornecimento do documento, extraviou o ofício da justiça.  Tudo levando a crer que foi de propósito, razão que me levou ao escritório de Ribamar ao qual solicitei que fizesse petição ao doutor Juiz da vara competente, dando 10 dias de prazo ao Comandante Geral da PM, para a remessa da tal listagem sob pena de punição. E assim, o decretou o doutor Juiz.  De repente a Polícia Militar cumpriu a determinação judicial.  

Capítulo 151

Revolta da tropa

           Os policiais militares do Rio Grande do Norte, desde a sua criação, nunca tiveram uma chance de ganhar vencimentos dignos. Eles sempre estiveram à mercê da boa vontade dos governantes, que nunca a tiveram.  E pelo que se sabe nenhum governador é doido para sair perguntando:

“Policiais, vocês querem reajuste nos seus soldos?...”

Esta tarefa, evidentemente, seria de quem assume o comando da corporação.  Mas,  nenhum  coronel,  estando  num maldito   cargo de confiança - Comandante Geral -, com gordo e invejável salário que jamais pensaria receber, mais mordomia e “status”, em dias de ser transferido para a reserva remunerada, com salário de secretário de estado, nem por vislumbre fantasia, tomaria a defesa de sua tropa em benefício de melhores salários ou algo que lhes proporcionasse melhor qualidade de vida. No entanto, muitos batiam nos peitos e diziam:

“Eu sou coronel!... Eu quero, posso e mando”.

E foi assim que se expressou um dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça,  ao  anular  o ato de expulsão do soldado PM Rossine, que em sua brilhante sentença, deu destaque:

“...o comandante da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, utilizando-se do “EU QUERO, POSSO E MANDO”, expulsou o recorrente das fileiras daquela corporação...”

Chocante!

Se os coronéis refletissem um pouquinho, não teriam praticado mais injustiça contra os seus subordinados. Conduto, nem se ressentiram e continuaram cada vez mais contumazes às mesmas arbitrariedades.

A onda de boatos e o descaso do governador Garibaldi diante da decisão judicial, mais tantas decepções, causava revolta aos policiais militares, os quais insistiam que se tomassem atitudes mais radicais.

Foram realizadas inúmeras assembléias, e a palavra de ordem de muitos era aquartelar a tropa, faltando, apenas, um grito, mas tudo esfriava quando se ouviam os presidente das 3 grandes entidades representativas - dos Oficiais, dos subtenentes e sargentos, e dos cabos e soldados -, que eram teleguiados pelo comandante, diziam antes que alguém falasse do assunto:

“Greve, não! Greve, não!”

Existia um forte controle do comando sobre os presidentes, haja vista  que,  antes  das assembléias, na mesma hora da convocação, o coronel Mesquita mandava chamá-los ao seu gabinete. Este mantinha os presidentes sob controle e nada fazia para colaborar na solução de nossa causa, pois, como Comandante Geral, que era secretário de governo, reunia todas as condições para convocar os líderes do movimento, levando-os ao governador e convencê-lo de que seria melhor uma negociação com os policiais.

Todavia, ele não o fez. O qual não foi em nada diferente daqueles que não se interessaram por sua tropa. Ele tinha tudo para resolver. Já havia incorporado a  representação de secretário de estado, e nada tinha a perder, mas, era triste perceber que aquela maldita e almejada cadeira deixava os coronéis  amedrontados.

Capítulo 152

Uma decisão política

          Alguns companheiros da comissão e os presidentes das entidades queriam procurar o governo para negociar. O certo, todavia, seria o governo nos procurar, pois ele era perdedor.

Procuramos, inicialmente, o  deputado federal Henrique Eduardo Alves, primo do governador Garibaldi, que fez uma reunião conosco no auditório da Televisão Cabugi. O deputado, sensível à causa nos assegurou de que iria se empenhar junto ao governador, e até informou:

“Sei que a situação de vocês é difícil, pois diariamente recebo mais de 10 recados pela secretária eletrônica, os policiais dizendo: HENRIQUE, NÓS ESTAMOS PASSNANDO FOME!...”

Debalde, esperamos pela resposta do deputado. Procuramos, então, do doutor Fernando Freire, vice-governador, que nos recebeu educadamente em seu gabinete. E nenhum sucesso.

Na ocasião do encontro, o vice-governador entrou em contato telefônico com o coronel Câmara, Secretário Chefe do Gabinete Militar - o então major Câmara de 1992. Enquanto o vice-governador conversava com Câmara, escreveu algo num pedaço de papel. Findo o diálogo com o Chefe do Gabinete Militar, o doutor Fernando nos olhou, perguntando:

“Quem é o tenente Júlio?".

Respondi levantando a mão direita:

“Pronto, sou seu!!”

Ele não me disse nada. Mais uma vez matei a charada. Certamente, que surgiram algumas chuviscadas recomendações a meu respeito. Só Deus sabe!... Quando, na verdade, aquele coronel deveria ter se empenhado junto ao governador, a fim de receber a comissão que estava disposta a uma negociação, e evitar uma crise na Polícia Militar. Isto, contudo, não aconteceu, mesmo porque de traidor não se espera coisa boa.  Nem por mera ilusão!

Não tivemos sucesso através do vice-governador, razão que nos levou,  no dia 15 de julho de 1997, entregarmos um ofício ao Gabinete Civil, solicitando audiência com o governador Garibaldi. E para    deixar registrado o fato, convocamos o Diário de Natal - jornal de grande circulação no estado.

No dia seguinte -16 -, além da notícia sobre o pedido de audiência, o jornal publicou em manchete:

“Eventual greve deixa o Exército de prontidão”.

Na mesma página, saiu em destaque:

“O GOVERNADOR VEM EMPURRANDO O PROBLEMA COM A BARRIGA, SÓ QUE A BARRIGA DOS POLICIAIS PODE NÃO MAIS AGUENTAR ESTA SITUAÇÃO”.

Como se vê, enquanto nós, incessantemente, lutávamos a fim de receber um direito conquistado na justiça, as autoridades faziam ameaças. Não obstante, existia uma óbvia razão: Bons salários... carros de luxo... guarda-costas...gente até para lhes abrir a porta do carro...Taí, o porquê das malvadas atitudes!! Dos 120, 121 e 123!! E existia gente com aposentadorias astronômicas, mas, renitentemente,  lutava contra a causa dos policiais. Esta gente, porém, bem apojada nas tetas do governo, não queria perder aquela saborosíssima “boquinha”.

       Capítulo 153

Reunião com o general

            Tomando conhecimento pelo jornal sobre a entrega do ofício, a fim de marcar audiência com o governador, o secretário José Carlos Leite, também aposentado..., naquele mesmo dia 16, mandou chamar ao seu gabinete uma comissão de sargentos e outra de oficiais, que seriam atendidas no segundo expediente, separadamente.

Fui contra a reunião com o secretário, porquanto quem deveria se reunir conosco e buscar  uma solução era o coronel Mesquita, Comandante Geral da Polícia Militar. O secretário estava usando a mesma tática que empregara o general Omar Emy Chaves, em 1963. Nós, também, usamos a nossa, e constituímos uma única comissão com o doutor Ribamar, coronéis Balbino, Pádua, Mendonça e Teotônio,  o sargento Siqueira e o cabo Aurélio, para a dita reunião, às 16:00 horas, naquela data.

Sem medo de errar, assegurei à comissão que não haveria nenhum sucesso com o secretário. À hora marcada, o secretário recebeu a comissão que contou com a presença do coronel Mesquita. E começou o general:

  • Eu resolvi mandar chamar vocês aqui para dizer que o governador vai cumprir a decisão judicial. O aluno soldado é 120 reais, o soldado 121 e o cabo 123.
  • Mas, de onde o secretário tirou este índice? - perguntou um dos membros da comissão.

O secretário ficou, mas...,mas...,mas...  E nenhuma justificativa plausível.

Um coronel tomou a palavra e perguntou ao general:

“Por que o senhor não mexe no escalonamento do Exército?”

Ele fez que não havia entendido. Mas uma coisa o general não deixava dúvidas: Lutaria com todas as forças a fim de  prejudicar os policiais militares.

O doutor José de Ribamar passou mais de 30 minutos explicando ao secretário sobre os efeitos da ação, e lamentavelmente, sem êxito diante da desastrosa idéia fixa dos 120, 121, 123 reais. Um dos membros da comissão perguntou ao secretário:

  • Mas, o que nós vamos dizer para a tropa que está revoltada?
  • Armas se combate com armas - respondeu o general.
  • Ai, é!... É, né!!? Quer dizer que armas se combate com armas? - protestou o coronel Mendonça.

O clima esquentou para o lado do comandante Mesquita quando alguém falou em reunião na PM. E o secretário virado numa fera, decretou:

“Mesquita, se eu souber que está havendo reunião na polícia para esse fim, eu lhe demito”.

Patenteou-se, vulneravelmente, o perfil do comandante que sendo secretário de estado igual aos demais, sem existir nenhuma subordinação à Secretaria de Segurança Pública, não teve coragem para dizer que o general não tinha poderes para tal. E a sua única reação, foi baixar a cabeça.

Que tristeza!... Que comandante fraco!!?

Depois de longo tempo, o secretário encerrou a reunião, antes, porém, o advogado solicitou uma audiência com o governador, obtendo como resposta:

“Negativo! Eu sou o governo, e não vai haver reunião”.

Alguns oficiais antigos na Reserva Remunerada da corporação tentaram descobrir  a razão de tanta perseguição do general Carlos Leite contra a Polícia Militar, os quais chegaram a conclusão de que  um irmão do general, que também era oficial do Exército, havia comandado a Polícia Militar, por alguns meses, no governo Cortez Pereira, cujo oficial fora demitido sumariamente pelo governador porque queria punir, sem motivos, o coronel Edmilson, Chefe da Casa Militar. E, como vingança, o general fazia tudo para prejudicar os policiais.

Capítulo 154

A mensagem 141

             Baseando-se na gorada sugestão do secretário - aquela dos 120, 121, 123 reais - o governador mandou preparar a mensagem 141, que seria posteriormente enviada à Assembléia Legislativa, através da qual, simplesmente, arrasava com os impetrantes da ação. E o pior: A mensagem mudava parte do artigo que nos dera direito à impetração do mandado.

Mas, imagine que danosa afirmação do   governador, em sua mensagem, dizendo que estaria cumprindo a decisão judicial contida no Recurso em Mandado de Segurança - RMS 3056/RN.

  • A mensagem acabava com o abono que estava sendo pago aos alunos soldados, soldados, cabos e sargentos, transformando-o em soldo. Seria maravilhoso se ao transformá-lo em soldo, houvesse elevado o percentual que fora de 35.40% para os demais segmentos hierárquicos.
  • Que nada!...
  • Desastrosamente, mudava o índice escalonado do aluno soldado ao subtenente, e enquanto aumentava 91 reais para o soldado, o subtenente teve direito a 20 reais. Do ponto de vista da sargentada existia um objetivo: Massacrar os impetrante da ação. E foi.

Mais uma vez faltou interesse do Comandante Geral, coronel Mesquita, vez que ele poderia ter ido ao governador e solicitado que não mudasse o escalonamento vertical e estendesse aquele índice para o resto da tropa. Ele, entretanto, não queria nem ouvir falar sobre a ação judicial. Ser-lhe-ia mais proveitoso enfrentar a fúria do secretário José Carlos Leite. 

Capítulo 155

Audiência com o Governador

          Ciente de que nós queríamos dialogar com ele, o governador suspendeu o envio da mensagem ao Poder Legislativo, e marcou a audiência para a segunda-feira da semana seguinte.

Um fato que chamou à atenção de muita gente é que nós estávamos brigando por melhores salários e passando fome e foi exigida - não se sabendo de quem partiu tal idéia - que a comissão fosse à  audiência, de terno, gravata e tudo mais...parecendo até que se nadava em dinheiro.

Foi constituída a comissão composta pelos coronéis Pádua e Mendonça, sargento Siqueira, cabo Aurélio e o doutor Ribamar. Entretanto,  ao gabinete do governador só tiveram acesso o advogado e os dois presidentes. Foi tudo bem planejado, eles sabiam que os dois presidentes seguiam a orientação do comandante e não acompanhariam a tropa numa greve. Lá estava o Secretário de Segurança com a sua proposta, que tomando a palavra repetiu o que os policiais militares estavam detestando:

“É! O aluno soldado, 120, o soldado, 121 e o cabo, 123”.

O governador parecia não está gostando da interferência do seu general-secretário, ao dizer:

“Também aqui já tem jurista demais!!...”

Enquanto acontecia a reunião com o governador, os policiais militares aguardavam em assembléia geral unificada no Clube Tiradentes. Se o resultado fosse positivo, não haveria paralisação. Caso contrário, ninguém seguraria. E começaram os gritos de guerra, instigando a tropa que estava eufórica:

“Vamos parar!... Vamos parar!...”

Num clima de bastante tensão, chegaram os dois presidentes e os representantes da imprensa que estiveram presentes à reunião com o governador.

Quem deu a notícia sobre o resultado da conversa foi o sargento Siqueira, que informou:

“O governador disse que vai cumprir e marcou uma reunião conosco e a área econômica para a próximo sexta-feira”.

Os policiais explodiram de alegria, entretanto, o jornalista Paulo Francisco, representante do Diário de Natal e da revista Veja, dizia ao meu ouvido:

“Não ouvir o governador dizer isso. Eu o cerquei  de perguntas se iria cumprir a determinação judicial, ele pulava e não respondia”.

Preferi ficar calado a contestar a informação do sargento Siqueira, considerando que poderia me precipitar. Ou, quem sabe..., estaria havendo engano de interpretação. Levando-se em conta  que os presidentes das entidades não demonstravam interesse em aquartelar a tropa, porque seguiam a fio a orientação do Comandante Geral.

 

 

 

Capítulo 156

Com a área econômica

           Na sexta-feira foi realizada a reunião com as presenças dos doutores Jaime Mariz e Roberto Furtado, Secretários de Planejamento e Administração, simultaneamente. Fazia-se presente o Secretário de Segurança invés do Comandante da Polícia Militar.

O general, mais uma vez, tomou a defesa do estado, dizendo:

  • Mas, para dar aumento a vocês, o professor também vai querer.
  • Secretário, nós não estamos pedindo reajuste de vencimentos, não. Nós queremos, apenas, que a nossa legislação e a Constituição Estadual sejam respeitadas. E se o professor tem direito, vá à justiça - fez este esclarecimento um dos membros da comissão.

E o secretário ficou:

“Mas... mas.. mas...” E não saiu do mas...mas...

Não houve nenhum avanço na reunião, sendo marcada outra para a sexta-feira seguinte, que também foi sem sucesso. E marcaram uma terceira reunião. Nesta, eles disseram que só podiam dispor de 500 mil reais para distribuir nos contracheques dos policiais. Ora, aumentava perto de 3 milhões e 500 mil reais na folha de pagamento da corporação, portanto, não se via nenhuma possibilidade de fechar  uma negociação satisfatória, isto porque  retiraria, apenas, o abono e seguia-se a infeliz tabela do general: Aluno Soldado 120, Soldado 121, e o Cabo 123 reais de soldo, chegando ao subtenente, o ridículo percentual de  3%, com soldo de 195 reais. Todavia, pela ação judicial seria de soldo: Soldado PM - 240 reais, chegando ao subtenente um soldo de 540 reais. Mas, as línguas sujas andaram dizendo que a questão não foi resolvida porque eu e a comissão não aceitamos a proposta do governador.

Em razão da indisposição do governo, chegamos à conclusão que ele queria era ganhar tempo, não existindo nenhum interesse para resolver a nossa questão, especialmente, contando com o testa de ferro que colocara à frente da Secretaria de Segurança Pública, cuja presença nos quartéis deixava grande número de coronéis se tremendo de medo.

O governador - aquele bom candidato que prometeu resolver a questão salarial dos policiais sem precisar de continuar a luta na justiça - percebeu a fraqueza do alto comando, que para agradar aos gregos e troianos se posicionava literalmente contra à causa e evitava tocar no assunto.

À hora das assembléias, os comandantes, tanto Mesquita como Gadelha, convocavam os presidentes das 3 fortes associações ao Gabinete do Alto Comando, os quais retornavam ao Clube Tiradentes de cabeças totalmente manipuladas por seu comandante.

Capítulo 157

A reclamação ao STJ

              Certos de que o governador Garibaldi não iria cumprir a ação judicial, os policiais ficaram mais revoltados, e cresceu o número de exaltados que proferiam palavras agressivas contra o governo, e questionavam o poder da justiça, aumentando, paralelamente, as pessoas más que colocavam dúvidas na cabeça deles, dizendo:

“O que foi que eu disse!... Já foi todo mundo comprado!! Contra governo ninguém pode!...”

Os policiais passaram a dizer que não iriam mais às assembléias porque nada era resolvido, pois as conversas eram sempre as mesmas. Ao mesmo tempo, vários oficiais, que recebiam as famosas gratificações “o cala boca”, ameaçavam os praças com cadeia, espalhando terror, chegando a causar medo dentro da tropa, que aliás, eles eram especialistas uzeiros e vezeiros em tais ameaças.

O governo resolvera enviar a sua mensagem 141 à Assembléia Legislativa. Esta atitude levou o doutor Ribamar a entrar com uma reclamação junto ao Superior Tribunal de Justiça, à qual se juntou uma cópia  da  tal  mensagem.  Na  reclamação,  que recebeu o nº 491/97, foi requerido ao STJ que o senhor Garibaldi, governador do estado, fosse citado a cumprir de imediato.

Estando pronto o novo procedimento, fora convocada uma assembléia geral unificada com a finalidade de prestar todas as informações  possíveis  aos  policiais. Apesar das ameaças, o clube ficou superlotado, e naquele dia os policiais que compareceram à reunião - exceto os presidentes dos clubes - estavam dispostos a cruzar os braços, a fim de forçar o governador a cumprir a decisão judicial, pois, afinal de contas, se existia alguém errado, não seriam os policiais militares. Estes, com veemência, criticavam o slogan do governo:

“RIO GRANDE DO NORTE, AQUI SE GOVERNA DIREITO”.

Os policiais esperavam que alguém da comissão, com o apoio dos coronéis Mendonça, Pádua e Teotônio, desse o primeiro grito, mas dois   oradores praticaram uma  falha  de  estratégia. Com efeito, os  policiais  que estavam preparados para mobilizar a tropa tiveram uma grande decepção, e a partir daquela data, as demais assembléias foram sendo esvaziadas pelos policiais da ativa, que estavam se expondo sem haver uma posição definida que gerasse impacto junto ao governo e à sociedade.

Enquanto, no Rio Grande do Norte, os policiais militares lutavam para o governo cumprir uma decisão judicial, que restituía o que a sua política salarial perversa levara, em quase toda o Brasil, as Polícias Militares estavam rebeladas protestando contra os seus baixos salários, resultando até na morte de um policial militar em Belo Horizonte, Capital de Minas Gerais, derramamento de sangue em outras localidades, e até confronto com o Exército, como aconteceu em Maceió, no Estado de Alagoas.

De pirraça, o Governador do Rio Grande do Norte preferiu adotar atitudes cruéis, deixando os praças - do Soldado ao Subtenente - ganhando soldos miseráveis. E, preferiu estender as gratificações do “cala boca” até aos primeiros tenentes.

Capítulo 158

Lobby junto aos deputados

            A mensagem 141 começou a tramitar na Assembléia Legislativa. Com a sua aprovação, para muitos policiais, perdia-se um direito que eles haviam conquistado há 30 anos. Mas, não era bem assim, pois, para o governo cumprir a determinação judicial, não dependia de aprovar nenhuma lei, vez que a lei já existia. Na verdade, era uma mensagem  que fugia à realidade, nocauteando os policiais de maneira vergonhosa.

Resolvemos  formar uma comissão incluindo os coronéis Mendonça, Pádua e Teotônio, com o objetivo de conscientizar os deputados sobre o absurdo da mensagem, que afrontava a Polícia Militar, a qual tinha a finalidade de penalizar toda a categoria. Explicamos aos deputados que a lei já existia e não precisaria editar nenhuma lei. Era só cumprir a existente.

Mas, imagine só quem estava integrando a comissão de oficiais!!? O coronel Altamiro! Quem diria que aquele que perseguiu, humilhou e massacrou a quem teve coragem de defender os direitos de toda a tropa, incluindo o do dito Altamiro, poderia entrar naquela briga.

Não gostei da presença do dito coronel e reclamei ao coronel que o havia convidado, inclusive ameacei que me afastaria da comissão que estava tentando negociar com  os deputados.

Encontramos resistência de alguns deputados dentre eles o deputado Álvaro Dias, presidente daquela casa -  aquele mesmo Álvaro Dias que em 1992 estava ao lado dos PMs - o qual disse à comissão que ele votaria no que o governo mandasse, muito embora reconhecesse o direito dos policiais.

O lobby da comissão se concentrou mais junto às comissões. O deputado Valério Mesquita, presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, assegurou aos policiais que a sua comissão não aprovaria a mensagem.

Os deputados de aposição entraram na briga, destacando-se Fátima Bezerra, Getúlio Rego e Leonardo Arruda. O que, infelizmente, não foi o caso dos deputados governistas,  inclusive  do deputado Valério Mesquita, que através do parecer  nº 87/97, datado de 16 de setembro de 1997, votou favorável à mensagem, bem como os demais membros, deputados Neto Correia, Ivonete Dantas, Elias Fernandes e José Dias.

As pressões feitas pelos policiais e os deputados levaram o governador Garibaldi a recuar e suspender a mensagem.

Capítulo 159

A chance do comandante Geral

              O Comandante Geral, coronel Artur Mesquita, teve todas as chances do mundo para reverter aquela situação. Sendo ele profundo conhecedor sobre a legislação pecuniária da corporação, perdeu uma grande oportunidade de conquistar a simpatia de sua tropa. Ele reunia todas as condições para ir ao governador, convencendo-o a não mandar aquela mensagem danosa, passando os vencimentos do Soldado PM de 257 reais para 348 reis,  portanto um reajuste de 35.40%, mas, para o subtenente tão somente 3%, e que invés de mudar a lei estendesse  o mesmo percentual que dera ao Soldado ao resto da tropa, que ficaria um pouco aliviada, enquanto  o próprio  Mesquita  convocaria  os  policiais  que  estavam à frente do movimento solicitando o fim das pressões e deixassem que o processo tivesse o seu curso normal.

Mas, o coronel era refém de um cargo comissionado e de confiança. E, para se manter nele se submeteu à humilhação perante aos seus companheiros e subordinados, no gabinete do Secretário de Segurança Pública. Mesquita preferiu, lamentavelmente, desfilar na galeria dos comandantes que não lutaram por melhores vencimentos para a tropa.

O governador, de certo modo, estava mal assessorado, a começar pela Procuradoria Geral do Estado, cujo chefe,  de maneira consciente, dissera que o governo não tinha saída.

Capítulo 160

Fatos vergonhosos

          Com aquela guerra jurídica infernal, o telefone de minha residência não parava de chamar. Eu atendia cerca de 50 telefonemas por dia, de policiais da capital e das cidades do interior, os quais procuravam informações sobre o andamento da causa. Minha presença sempre estava sendo solicitada, razão que me levava a viajar para as principais cidades do interior potiguar.

Um  fato  estranho  acontecia  toda vez que eu me preparava para viajar. É que o comandante mandava me chamar. Uma dessas vezes, eu ia viajar ao meio-dia para Mossoró aonde chegaria às 17:00 horas. O coronel Mesquita mandou me chamar para falar com ele duas horas antes da viagem.

Apresentei-me ao comandante que me mandou conversar com o subcomandante, coronel Gadelha. Este, de bom “papo” e pouca ação, iniciou a sua conversa toda sem tirocínio fazendo muitos arrodeios como uma serpente que espera o melhor momento para dar o bote na sua vítima:

  • Você vai para Mossoró!?...
  • Vou, sim senhor.
  • É!!... é!!... é!!...
  • É... é... é... o que, coronel? Diga logo! Porque o senhor está me interrogando?
  • Você sabe!...
  • Você sabe!!? Eu não sei de nada!!... Vá logo direto ao assunto, coronel.
  • Você sabe, o general...
  • Sim! O general!...
  • O general recomendou que você evitasse ir às subunidades da Polícia Militar!...

Eu pensei em perguntar ao coronel se ele e o general não conheciam o dispositivo constitucional que assegurava a todo cidadão o direito de ir e vir, mas estava em cima da hora, e eu não queria complicação, mesmo por que as minhas reuniões eram feitas fora dos quartéis.

O coronel terminou a conversa, sem eu entender mesmo o motivo pelo qual o comandante havia me chamado. Faltava meia hora para apanhar o ônibus. Sai correndo e o apanhei já saindo da rodoviária.

Em outra data posterior, marquei nova reunião com os policiais em Mossoró, num sábado, ás 14:00 horas; na sexta-feira, o   comandante mandou me chamar ao seu gabinete. Lá não fui e antecipei minha viagem para a tarde daquela sexta. Fiz a reunião no sábado em uma sede nova do Clube Tiradentes naquela cidade, a qual seria inaugurada no domingo seguinte, com a presença da diretoria da matriz do Clube Tiradentes.

Descobri quem se interessava tanto pela minha ida ao gabinete do comandante, a fim de me manter sob forte pressão. Passaram-se 3 dias quando me encontrei com um sargento da reserva que teria ido com a diretoria para a inauguração do clube, o qual me disse:

“Fomos a Mossoró para a inauguração do clube. Você esteve lá no sábado conversando com o pessoal. Não foi!? O sargento Floriano preocupado com você, telefonou para o comando!...”

Casualmente, sem eu nem pensar, o cidadão descobriu o nome de quem não tinha um pingo de dignidade, e praticava aquela ação tão mesquinha contra mim - era o mesmo que me chamara de porqueira quando da minha candidatura a vereador.

Numa quarta-feira, pela manhã, recebi um telefonema do Programa Tropical Comunidade da Rede Tropical de Televisão, que me convidava para uma entrevista às 13:00 horas daquele mesmo dia. Só um subtenente e três soldados PMs tomaram conhecimento de que eu iria para a referida entrevista. Ocorreu que todo o programa fora ocupado pelo senhor Lindolfo Sales, Diretor do Detran, ficando minha entrevista transferida para sexta-feira da mesma semana.

No outro dia, quinta-feira, às 6 horas e 30 minutos, meu telefone tocou. Era um cidadão, o qual se identificou com um nome que eu jamais ouvira falar existir nas fileiras da corporação, e com a voz roca, perguntou:

“Júlio, cadê o escalonamento, Júlio?”

Pensando que não se tratava de nenhum pilantra, passei a prestar algumas informações, quando o tal elemento me interrompeu:

“Júlio, esse escalonamento vem de Ceará Mirim para Natal de bicicleta. Seu cabra sem-vergonha! Você não disse que ia dar entrevista. Seu mentiroso safado!”

Interrompi a comunicação, exclamando:

“Mas, que mal eu lhe fiz! Eu lutando por você e é o pagamento que estou recebendo!? Por que você não me diz isto ao vivo, hein!?”

O tal elemento rebateu:

“Eu estou na sua cola. Onde eu lhe encontrar lhe darei uns bofetes”.

Minha filha, que ouvia toda aquela conversa, pegou a extensão telefônica e protestou:

“Seu covarde, não diga isso com papai não!!”

Não foi difícil eu descobrir que o autor daquele infeliz telefonema teria sido um subtenente, o qual cruzou comigo a dois dias da ameaça, e muito cínico, cumprimentou-me e eu fiz de conta que nada tinha acontecido.

Enquanto nós brigávamos na justiça, numa busca desesperada para assegurar o nosso direito, os cabos e soldados fundaram mais duas entidades de classe -  um clube e um grêmio. Continuando, um grupo de praças através de uma ação na justiça, derrubou o cabo Aurélio, e assumiu uma junta interventora comandada pelo soldado José Luiz.

Na classe de subtenentes e sargentos, também, um grupo de sargentos moveu uma ação na justiça contra o sargento Siqueira, com o objetivo de destituí-lo do cargo. Outro grupo de sargentos foi ao comando solicitar a sua intervenção no Clube Tiradentes.

As autoridades, que eram contra ao nosso direito queriam, exatamente, que acontecesse todo aquele desentendimento no meio dos praças. Para aquela gente, tudo que estava acontecendo era maravilhoso.

Outro fato que, simplesmente, prejudicou um passível aquartelamento da tropa foi a doação de 600 metros de azulejos feita pelo coronel Gadelha, já como Comandante Geral, para as piscina do Clube Tiradentes, com o único objetivo: O presidente Siqueira segurar a tropa.

Em uma das assembléias, o presidente Siqueira anunciou a doação do comandante. Evidentemente, que ele não iria dizer a sua real finalidade, nem se pode afirmar, categoricamente, que este foi o real objetivo.

       Capítulo 161

Execução da sentença

           O doutor José de Ribamar de Aguiar resolveu entrar com um pedido junto ao presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, requerendo que fosse determinado ao governador Geribaldi a implantação dos valores resultantes da medida judicial nos contracheques dos 556 impetrantes do mandado.

O presidente do tribunal indeferiu o requerimento, porém, mostrava outro caminho que o advogado poderia seguir.

O doutor Ribamar, fundamentado no indeferimento, entrou com um pedido de expedição de mandado, através do qual o governo seria citado a cumprir a sentença do STJ. Contudo, mais uma vez, o presidente do tribunal indeferiu sob a alegação de que o governador já teria cumprido a ordem judicial através da mensagem 141. Mas, veja só!... Até os estudantes de direito sabiam que não se cumpre uma sentença judicial mudando-se a lei que deu estribo legal à impetração de uma ação. Imagine se tal moda pagasse, os advogados teriam que mudar  de  profissão.

Insistindo,  o  doutor  Ribamar  entrou,  junto   ao presidente do mesmo tribunal, com um pedido de embargo declaratório requerendo que ele explicasse de que maneira a ordem judicial teria sido cumprida. Estapafúrdia, no entanto, foi a nossa surpresa ao termos, pela terceira vez, o indeferimento do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Estas celeumas foram ótimas  para os patrocinadores dos boatos sujos. Eles diziam:

“Acabou-se! Contra governo ninguém pode. Taí, subtenente Júlio besta!!”

Capítulo 162

Sargento  Soares  faz greve de fome

          O sargento Luiz Antônio Soares - sargento Soares - estava se destacando nas assembléias e no seio da tropa. Ele batia forte contra a atitude do governador.

Certo dia, Soares me disse:

“Eu vou chamar o governador de fora da lei”.

A insatisfação gerada pela desobediência do governo transformava a vida dos policiais num infinito desalento. Quem não gostaria de dizer o que o sargento Soares ameaçava dizê-lo? Mas..., e coragem!?... Muito embora não fosse esse o caminho.

Tentei mudar a posição de Soares, esclarecendo-lhe:

“Soares, não diga assim. Eu utilizo palavras que  significam a mesma coisa, mas não são vistas como agressivas. Diga que o governador anda na contra mão do direito ou às margens do direito. Estas palavras dizem a mesma coisa, porém, são moderadas”.

Ele, obstinadamente, queria expressar os seus sentimentos de maneira mais profunda e que gerasse um grande impacto. E foi em frente...Numa assembléia no clube dos sargentos, ele efetivou o seu intento chamando o governador de fora da lei.

Soares me procurou e disse que estava se preparando para fazer uma greve de fome. Inicialmente, pensei que se tratava de uma brincadeira, mas, ele estava sempre repetindo e dizia:

“Vou fazer e não abro”.

Nas reuniões do Clube Tiradentes, ele fazia discursos contra o comportamento do sargento Siqueira que se posicionava contrário a um aquartelamento. E até fazendo referência a duas piscinas que estavam sendo construídas, dizia:

“Estas piscinas estão cheias de ratos!!...” 

O discurso do sargento Soares levara a tropa a reacender a chama. E, na semana seguinte surgiu um movimento de fora para dentro ao ser anunciado pelos meios de comunicação uma greve conjunta com a Polícia Civil.

O sargento Soares solicitou o meu apoio. Fomos ao Clube Tiradentes falar com o sargento Siqueira, que apresentou dificuldades numa determinada data, mas, marcou a assembléia para outra.

Só quem sabia daquela reunião era eu,  Soares e Siqueira. Ao sairmos do clube, eu disse para o sargento Soares:

“Soares, quer valer quanto que o comandante vai tomar conhecimento hoje mesmo sobre esta assembléia!?”

E não deu outra. No dia seguinte, o coronel Gadelha - já como Comandante Geral - mandou chamar o sargento Soares, a fim de pedir explicações sobre a convocação da assembléia.

Mais uma vez houve um erro de estratégia, e a oficialidade mantinha-se em alerta.  Tiveram início as ameaças de aplicar punições para quem atendesse à convocação. Apesar das pressões, a assembléia foi realizada no sábado. A freqüência não correspondeu, pois a tropa, que já não acreditava mais na ação das assembléias, estava temerosa com as ameaças, abortando o movimento.

Com televisões presentes à assembléia, depois de alguns discursos, deram início a um coro, simplesmente,  sui generis se referindo ao governador Garibaldi:

“Abaixo o faro da lei!... Abaixo o fora da lei!... Abaixo o fora da lei!...”

Na segunda-feira, o comandante ao tomar conhecimento mandou chamar o sargento Soares, fazendo-lhe várias indagações, e fê-lo prisioneiro, recolhendo-o à Academia de Polícia com 30 dias de cadeia.

Na mesma segunda-feira, o major Sérgio, Chefe da Segunda Seção, telefonou para minha residência informando-me que o comandante queria falar comigo naquele dia. Minha esposa, que assistia a conversa, começou a passar mal, razão que me levou a telefonar para o major, informando-lhe que só no dia seguinte eu poderia atender ao chamado do comando.

Inicialmente, fui me  apresentar ao major, que me levaria à presença do Comandante Geral, coronel Gadelha, mas não me atendeu, e retornei para casa, mandando o major que eu fosse no outro dia - quarta-feira.

Conhecendo o comportamento dos comandantes, eu acreditava que o coronel Gadelha iria me aplicar uma punição ou me pressionar. Ao invés de ir para o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, fui ao escritório do doutor Ribamar, o qual telefonou para o comandante,  que me convocou para as 15:00 horas daquele dia, justamente para coincidir com o horário da Assembléia dos Policiais Civis quando eu estaria presente.

Compareci ao seu gabinete acompanhado pelos advogados José de Ribamar de Aguiar e Ronaldo, este, do mesmo escritório. O coronel Gadelha nos recebeu maravilhosamente bem, com uma conversa  sem  nenhuma contumácia e destacada atenção. Mas, não deixou de se fazer ferrenho defensor dos cofres do estado, ao pegar um pincel e chegar até um quadro no qual rabiscou alguns números, e disse-nos:

“Se o governo cumprir a ação judicial, tem coronel que ficará ganhando mais de 12 mil reais”.

A preocupação do comandante era com o estado e em nada com a miséria da qual estavam sendo vítimas os humildes e espezinhados PMs.

Entrei na conversa do comandante ao expressar-me:

  • Mas, quantos coronéis tem na PM, nestas condições, comandante?
  • Ah!!... São poucos...
  • Mas, o impacto na folha, sobre tais coronéis é insignificante, comandante.
  • Isso aí é verdade - concluiu Gadelha.

Continuando, conclui:

“O Estado está arrecadando mais de 120 milhões de reais, e paga uma folha inferior a 50 milhões.  Portanto, menos de 50%, enquanto a lei Rita Camata autoriza 65%”.

Da conversa, que durou horas, o comandante prometeu que liberaria o sargento Soares, às 12 horas do dia seguinte - quinta-feira.

Demorei-me retornar para casa, mas não passava das 19 horas. Encontrei uma carta a manuscrito e assinada pelo sargento Soares, através da qual  ele  dizia  que  se encontrava em greve de fome há 48 horas, e que só suspenderia a greve quando o governador cumprisse a determinação judicial. Na carta, o sargento me acusava de havê-lo traído. Eu fiquei preocupado, pois, há uma semana, um sargento pertencente ao mesmo Batalhão havia tentado suicídio. E talvez, vendo-se abandonado ele tentaria o mesmo.

Como traidor nunca o fui, e jamais o serei, sem perder tempo, e em companhia  da  esposa  do  sargento Soares, procurei naquela mesma noite algumas emissoras de televisão a fim de comunicar sobre a tal greve de fome.

No outro dia, bem cedo eu e aquela  senhora distribuímos cópias da carta do sargento Soares para  os meios de comunicação. E, já pelo meio-dia  tivemos  uma reunião com o doutor Valério Marinho, Vice-Presidente da OAB/RN  e Presidente da Comissão de Direitos Humanos daquela instituição.

O doutor Valério fez um ofício dirigido ao coronel Gadelha, através do qual solicitava que o mesmo Gadelha removesse o sargento grevista para uma unidade hospitalar da Polícia Militar, a fim de receber os devidos cuidados médicos.

Também entregamos cópia do ofício aos meios de comunicação, que tomaram conta do assunto.

A pressão da mídia e da OAB fez o comandante recuar, mandando o seu motorista oficial ir à residência de dona Mariquinha, mãe do sargento Soares, com o objetivo de levá-la à presença dele - o comandante.

Totalmente desorientado, o comandante disse à dona Mariquinha:

“Mandei chamar a senhora aqui para dar uns conselhos ao seu filho, que está fazendo uma greve de fome. Eu vou mandar ele para casa”.

O sargento Soares foi colocado em liberdade, mas continuou com a sua greve de fone, e para lá mobilizamos toda a mídia. Os jornais e as televisões mostravam o estado em que se encontrava o sargento, inclusive o clamor da família.

Em uma das minhas visitas ao sargento Soares, eu disse:

“Soares, o comandante deu um fora muito grande. Eu no lugar dele teria lhe removido para o hospital da corporação a fim de receber os cuidados médicos, ficando fora dos jornais e das câmaras de televisão, depois de uns 10 dias, quando as coisas esfriassem eu lhe mandaria para casa”.

O sargento teimava em permanecer na sua greve de fome, e com o firme propósito de só suspendê-la quando o STJ mandasse alguém de Brasília a fim de obrigar  o  governador  cumprir a determinação judicial – o que seria impossível.  Naquela luta da greve de fome contra a insensata posição do governador, que não se sensibilizava nem um pouco, Soares, que, descontroladamente, só tomava café e fumava, estava tão debilitado que não reunia mais forças para ficar em pé. A família, vizinhos, amigos e seus companheiros de farda todo dia imploravam para ele suspender a greve de fome, mas sua teimosia era mais forte.

Decorriam-se 20 dias, gerando um clima de muita aflição não só para a família, mas também para quem foi visitá-lo. E arrancou lágrimas de milhares de pessoas que o assistiam pela televisão. Recebemos informação de Brasília de que a Subprocuradoria Geral da República havia dado parecer favorável ao nosso pedido constante na reclamação. Solicitamos, urgente, cópia do parecer. De fato, o procurador, doutor Jair Meira Brandão, num parecer inequívoco, foi favorável à nossa reclamação e rechaçou com veemência a posição do governo em mudar a lei com o obscuro objetivo de torpedear o direito que os subtenentes e sargentos haviam conquistado na justiça.

De posso da cópia, eu e o doutor José de Ribamar fomos à residência do sargento Soares, o qual, depois de vê o documento e aconselharmos a dar uma trégua à sua persistência, suspendeu a greve de fome, mas disse que retornaria a qualquer momento. E ameaçou ir à Capital Federal, a fim de fazer greve de fome em frente ao STJ.

Capítulo 163

Mais uma vitória no STJ

           A reclamação, depois de ficar um tempão na Subprocuradoria Geral da República, foi devolvida ao STJ.

Pouca gente acreditava que houvesse chance de vitória a nosso favor. Enquanto isto, o sargento Soares decidiu viajar a Brasília, e realizar a sua greve de fome.

A atitude do sargento Soares poderia prejudicar o andamento da reclamação, em virtude do Ministro Scartezzini haver sido eleito vice-presidente do STJ, estando o processo sem relator, e nós - eu e o doutor Ribamar - estávamos vendo a possibilidade de contratar um advogado em Brasília para agilizar o andamento da reclamação e outros procedimentos jurídicos.

O sargento Soares decidiu ir mesmo à Capital Federal e efetivar o seu protesto em frente ao Superior Tribunal de Justiça.

Fui obrigado a viajar com Soares, a fim de evitar que houvesse uma precipitação de sua parte. Dona Mariquinha, com a voz trêmula e os olhos cheios de lágrimas, pediu-me que não deixasse o seu filho fazer uma loucura daquela.

O doutor Ribamar viajara à Capital da República, dois dias antes, a fim de assistir a posse do Ministro Scartezzini, e juntos contratarmos o doutor Roberto Rosas - um dos melhores advogados de Brasília - que fora Ministro do  STJ e ficaria agilizando as coisas junto àquela corte.

O sargento Soares estava firme no seu propósito de fazer a dita greve de fome. Foi duro na Capital Federal, e ocupei muito tempo em conflito com Soares, que a todo custo queria fazer o seu protesto.  Expliquei-lhe  que as coisas haviam mudado no STJ, com a contratação do advogado, e estávamos no período quaresmal não havendo expediente, existindo, ainda, outra justificativa para não se manifestar de tal maneira: O novo relator, Ministro Fernando Gonçalves, não havia nem tomado posse, e, certamente, teria que conhecer todo o processo.

Com a presença do advogado, a reclamação andou rápida e logo foi colocada em pauta e julgada. O Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgou-a procedente.

Capítulo 164

Mais uma manobra do Comandante

           Ao retornarmos de Brasília, os presidentes das Associações de Subtenentes e Sargentos, de Cabos e Soldados convocaram os seus associados, a fim  de efetuarem  um desconto parcelado nos vencimentos dos sócios para pagar os honorários do advogado contratado em Brasília.

Muitos policiais, que não foram à assembléia, não gostaram do desconto. Elementos de má índole fizeram a cabeça de dezenas de policiais para não aceitarem o desconto, mandando-os telefonar ao advogado protestando o pagamento dos honorários sob a alegação de não haverem contratado nenhum advogado. Um subtenente da Reserva Remunerada, que fazia o jogo sujo de quem achatava as nádegas nos assentos almofadados do Alto Comando da PM, e seguindo fielmente o que lhe fora orientado, telefonou ao doutor José de Ribamar de Aguiar ao qual disse desaforos e lhe fez severas ameaças.

Tamanho absurdo motivou alguns amigos de Ribamar a aconselhá-lo abandonar a causa, ele, porém, não o fez.

O Comandante Geral, a quem caberia se aliar à questão judicial, preferiu, destarte convocar o  presidente da Associação de Cabos e Soldados, que representava a maioria dos praças, orientando-o pegar um abaixo-assinado dos policiais da capital e do interior, dirigindo-o ao Secretário de Administração, solicitando a suspensão do desconto.

À véspera do calendário de pagamento dos servidores do estado, não deu outra. O secretário mandou  suspender todos os descontos destinados aos  honorários advocatícios e fazer o estorno à conta bancária da tropa.

Sem a efetivação do recebimento, conseqüentemente, não teríamos como pagar ao advogado de Brasília, que, sem receber o que lhe era devido, abandonou a causa.

E era tudo quanto o comandante queria.

 

 

 

Capítulo 165

Manobra do governador Garibaldi

 O governador Garibaldi ao tomar conhecimento de que o STJ havia nos dado vitória, mandou, urgentíssimo, desengavetar a mensagem 141, a qual se encontrava na assembléia sendo lida na sessão de uma quinta-feira, à tarde, e na sexta-feira, pela manhã, aprovada. O incrível é que  os líderes dos partidos de oposição dispensaram as formalidades de praxe.

Os deputados Leonardo Arruda, Fátima Bezerra e Getúlio Rego, adversários do governador, insistiram para que o deputado Valério Mesquita, que se dizia o Tiradentes da Polícia Militar, obstruísse a votação. Ele, todavia, baixou a cabeça para não encarar os policiais militares que  assistiam a votação, e não atendeu ao pedido dos seus colegas.

Os deputados votaram conscientes de que estariam errados, inclusive diversos tinham nos seus gabinetes cópias do parecer do Subprocurador da República condenando a mudança no escalonamento. Eles, no entanto, como bem o disse o deputado Álvaro Dias - votavam no que o governo mandasse.

Naquela sexta-feira, antes da aprovação da mensagem, nós estávamos no gabinete da deputada Fátima Bezerra, do PT, quando ela telefonou ao presidente da Assembléia Legislativa, deputado Álvaro Dias, o qual disse que a urgência na aprovação da mensagem naquela manhã era uma exigência do general José Carlos Leite. Este estava verdadeiramente obstinado  a  lutar contra  a  nossa  causa, pois, na semana seguinte, em entrevista ao Programa Patrulha Policial, da Televisão Ponta Negra, disse que os policiais militares baseados numa decisão judicial equivocada exigiam um reajuste de 178%, o qual seria impossível, e com ênfase disse:

“Cadê que eles dizem que não é aumento!...”

O secretário tentava colocar as coisas de maneira diferente, pois nós já  estávamos cansados de esclarecer, através dos meios de comunicação, de que  não  havíamos  pedido  reajuste de soldo, e sim, o cumprimento da lei. E, inclusive, ele tinha uma cópia do mandado, porém, o seu bom salário como secretário de governo o impedia de enxergar a realidade jurídica que estavam vivendo os policiais militares, mesmo porque entender sobre direito não era bem sua seara.

Na Polícia Militar, o coronel Gadelha, que tentava manter os presidentes das entidades sob controle, prometeu doar 500 metros de azulejos para o Clube Tiradentes utilizar nas suas piscinas.

Foi o coronel Gadelha, que numa sexta-feira, no final do mês de julho de 1998, com a tropa em forma, disse aos seus comandados:

“Segunda-feira da próxima semana começa o pagamento do estado. O aumento que o governador deu vai sair. Um subtenente vai receber mil e quatrocentos reais e um soldado setecentos”.

Um dos coronéis que estavam ao seu lado, disse para outro:

  • Homem, diz aí ao comandante que não é esse valor, não!
  • Eu mesmo não!... Eu quero que ele se lasque - esclareceu o outro.

       Capítulo 166

A determinação do STJ

            No dia 2 de julho de 1998, às 17 horas e 26 minutos, o governador recebeu o telex nº 153/98, do STJ, com o seguinte teor:

“Comunico vossencia que a Egrégia Terceira Seção deste Tribunal, sessão realizada em 24/06/98, ao apreciar a reclamação NR 491/RN, registro NR 97/0058082-2 (Processo de origem: RMS 3056/RN), relator o Exmº Sr. Ministro Fernando Gonçalves, em que figura como reclamante: Associação dos Subtenentes  e Sargentos da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, decidiu, a unanimidade, julgar procedente a reclamação para determinar o mediato cumprimento da decisão, independentemente, de quaisquer outras providências, inclusive legislativas por parte da administração estadual, sob as penas da  lei (Art. 191 do RISTJ). Atenciosas saudações. Ministro Edson Vidigal, Presidente da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça".

Eita que determinação! Os policiais se animaram.

O governador Garibaldi, numa atitude injusta, tornou a desrespeitar a determinação judicial, e desta vez, da justiça brasileira. Como governador, ele estaria dando um péssimo exemplo aos mantenedores da ordem pública que, de maneira afrontadora, fez total descaso à miséria reinante na corporação, e o mais grave é que passava uma mensagem de bom governador divulgando em revistas, jornais, rádios e televisões que governava “direito”.

Mas, que direito, hein!?

Com a atitude governamental, houve uma grande insatisfação no meio dos praças. E  mais  do que isto! A soldadesca  estava mesmo decepcionada com a Justiça Brasileira.   Os PMs achavam que o STJ teria que tomar uma providência de imediato. Não se conseguia convencê-los de que a justiça só tomaria qualquer iniciativa se nós solicitássemos. E seria o pedido de intervenção que o doutor Ribamar estava preparando.  

 

 

 

Capítulo 167

Candidatei-me a deputado

             Eu não pretendia mais me candidatar a nenhum cargo eletivo, mas os próprios policiais passaram a me incentivar. Eu recebia dezenas de telefonemas diariamente, e grande número de PMs dava-me informações de que já estavam fazendo a minha campanha. Incentivado pelos companheiros, procurei o major da reserva da Polícia Militar,  José Cipriano Filho, o qual entrou na corporação como soldado e fora meu diretor no Clube Tiradentes, no meu primeiro mandato, convidando-o para se candidatar a deputado federal, fazendo uma dobradinha comigo para estadual. Em tempo hábil, procuramos nos filiar ao Partido Renovador Trabalhista   Brasileiro - PRTB, que  sendo fundado recentemente, tinha como presidente provisório o senhor Carlos Porto, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, homem de bons princípios, que nos assegurou    que  sairíamos   candidatos.

Dois meses após a nossa filiação, houve a convenção para escolher os novos dirigentes do partido. O senhor José Abílio Rodrigues, que deixara o PMDB há poucos dias, foi o único candidato a presidente.

Da direção anterior, permaneceu o secretário, que também garantira a nossa candidatura, contudo, depois da posse da nova diretoria, a conversa foi outra. Eles diziam que o partido não iria mais lançar candidatos, que só teria projeto para o ano 2000, ou, que só lançaria uns 6 candidatos, mas, não faria coligação na proporcional com outro partido.

Neste ínterim, descobrimos que o senhor Abílio continuava fiel às hastes do PMDB, o  qual dera uma tremenda jogada pegando a direção do partido, que teve o aval do senhor Gilberto - este, secretário do deputado estadual Frederico Rosado, do PMDB.

No meio dos lobos, descobri que o grande interesse deles era bloquear  a minha candidatura, e conseqüentemente, a do major Cipriano. Recebi  informações fidedignas de que os “manda chuvas” do PMDB haviam aconselhado aos dois cidadãos a expulsarem-me do partido, isto porque eu vivia freqüentemente usando a mídia contra as atitudes do Governador Geribaldi e seus vassalos. 

Neste espaço de tempo, fui levado pelo coronel da reserva remunerada da Polícia Militar, Salatiel Rufino dos Santos Filho, vereador por Parnamirim, para ir conversar com o médico Vivaldo Costa, que iria se candidatar a deputado federal.

Eu não conhecia, pessoalmente, Vivaldo. Homem simples, com aquela cativante e humilde maneira de sertanejo, mas de colorida polidez metropolitana.

Nossa conversa girou sobre a minha candidatura e a dele num apoio recíproco. Na oportunidade, esclareci a Vivaldo que eu e o major Cipriano queríamos fazer uma dobradinha na corporação, entretanto, se o major desistisse, nós  o apoiaríamos.

O major Cipriano retirou a sua candidatura, a fim de fortalecer a minha campanha e a de Vivaldo. Dentro da Polícia Militar seria fácil pedir votos para Vivaldo, pois, quando ele foi governador os policiais militares haviam sido favorecidos com um reajuste de suas gratificações. E, a corporação foi beneficiada com a doação do prédio da CIDA (empresa estatal) para instalar a Academia de Polícia.

Capítulo 168

Intervenção no partido

                 Da maneira como o processo político estava sendo conduzido pelos dirigentes do partido, eu iria enfrentar uma campanha e já estaria com a derrota sacramentada, pois, a minha pretensão era que fosse feita coligação com o PSB - partido da Prefeita Wilma de Faria -, contando com o apoio da nacional do PRTB, porém, a evidência dos fatos conduzia-me a um destino político adverso.

O partido tomava um rumo totalmente contrário à pretensão da nacional,  razão  que  me levou a pedir intervenção na sua Regional do Rio Grande do Norte. O tempo foi passando e nada da nacional tomar suas medidas, apesar do meu constante contato com o doutor José Felix Levi, presidente nacional.

Finalmente, veio à Natal, o doutor Sérgio Fialho, representante do doutor Levi, com tudo pronto para intervir no partido, todavia, tarde demais vez que no dia que ele chegou, estava acontecendo a convenção do partido, tendo-me como o único candidato a deputado estadual, não obstante, o partido poderia ter lançado 36 candidatos, coligando-se na proporcional com o PT do B, que contava com 19 candidatos, mas para governador fazia coligação com a unidade popular,  cujo  candidato a reeleição era o doutor Garibaldi Alves Filho, ferindo, destarte, todos os princípios éticos de uma agremiação partidária genuinamente oposicionista.

O partido da prefeita já havia fechado coligação com outros partidos, e não existia opção, tendo em vista que o PRTB, a fim de me golpear,  deixara para fazer a sua convenção nos  últimos dias.

Nós nos reunimos com o doutor Fialho, e achamos conveniente não concretizar a intervenção, pois, se a fizesse, eu não sairia nem candidato. E tive que aceitar aquela situação constrangedora.

Capítulo 169

Insultos contra o governador Garibaldi

            Alguns policiais militares que não iniciaram comigo a luta da ação judicial, mas, indignados com a posição assumida pelo governador Geribaldi, resolveram conquistar a simpatia da tropa, que vivia assanhada.

O Governador Garibaldi estava caindo nas pesquisas e José Agripino, o seu principal adversário, subindo. Soares havia chamado o governador de fora da lei e continuava chamando.

O sargento Siqueira, que mudara a sua postura, resolveu jogar duro com o governador. Ele foi entrevistado pelo repórter Salatiel, no programa Linha Dura, da Televisão Potengi, chamando o governador  de mazela. Ele foi explícito:

“GOVERNADOR, O SENHOR É A PIOR MAZELA QUE EXISTE NO RIO GRANDE DO NORTE”.

Não dava nem para acreditar que o governador preferiu toda aquela campanha e insultos contra ele a cumprir a determinação do STJ. E o que era pior: num ano de campanha eleitoral, candidato a reeleição, enfrentando uma ligeira  queda nas pesquisas.

Surpreendido, li no Diário de Natal uma nota sob a responsabilidade do Clube Tiradentes e da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar, com os nomes dos seus presidentes - sargento Edson Siqueira de Lima e o soldado José Luiz.

O título da nota era:

“PATRÃO RUIM, A GENTE DEMITE.”

O conteúdo da nota não era extenso, mas, o que nela estava escrito seria o suficiente para gerar muitas discussões. Botava para quebrar contra o governador.

Achei coragem dos dois presidentes em assinarem a nota. O sargento Siqueira vivia muito ligado ao comandante. E o soldado Luiz, prestava serviços ao Tribunal de Justiça, como motorista, o qual correria o risco de sofrer como punição o seu recolhimento à tropa. Na tarde daquele dia fui entrevistado pelo programa Tropical Comunidade, da Rede Tropical de Televisão. Antes de entrar para os estúdios, fui abordado por um cidadão perguntando-me:

  • Gostou da nota!?
  • Nós ainda vamos pegar a assinatura dos presidentes – esclareceu-me.

Dei minha entrevista, e de lá fui realizar visitas, retornando para casa perto das 21 horas, quando minha esposa me chamou para atender a um telefonema. Era o coronel Teotônio, da reserva da corporação, que me disse:

  • Você está sabendo da maior!?...
  • Não senhor.
  • Eu, coronel Balbino, major Cipriano, sargento Siqueira e o soldado Luiz fomos chamados para conversar com o Comandante Geral, coronel Gadelha. Depois de muita conversa, o comandante mandou os oficiais saírem dizendo que iria conversar com Siqueira e Luiz. Nós ficamos lá em baixo esperando que os dois saíssem do gabinete do comando. Quando Siqueira chegou informou para os oficiais de que o comandante havia forçado ele e Luiz a assinarem um documento para o jornal desmentindo a nota. Na hora, chegou um dos oficiais e perguntou: “E agora, Siqueira, você vai dizer o que para a tropa? Aí, Siqueira se apavorou e correu para o clube, e de lá telefonou ao comandante desautorizando-o publicar a nota, mas, o comandante já havia mandado por fax. Os oficiais foram para o clube dos sargentos, e quando chegaram lá, encontraram os deputados Nélter Queiroz e Raimundo Fernandes conversando com Siqueira e era sobre a nota. Os deputados só saíram do clube com o original da nota assinado por Siqueira e Luiz, a fim de resguardar a responsabilidade de alguém que havia publicado aquela nota, enquanto os dois presidentes de nada sabiam.”

A história da nota rendeu bastante. O soldado Luiz foi chamado ao gabinete do Comandante Geral, o qual, na presença da imprensa disse que houvera assinado a nota sob forte emoção porque fora pressionado pelos deputados. O fato é que “PADRÃO RUIM, A GENTE DEMITE” foi publicada outra vez no mesmo jornal, e desta vez com  autorização e assinatura de Siqueira e Luiz.

Para conversar com o soldado Luiz, o comandante convocou representantes da impressa, e na presença de todos, disse:

  • Mandei chamar este soldado aqui porque é muito correto e não mente. É um soldado honesto! Fale a verdade, soldado! Você sabia sobre aquela nota?
  • Sabia, não senhor.

Mas, com o publicação da nota, pela segunda vez com assinatura e tudo - de Luiz e Siqueira -, o comandante publicou em boletim um processo de licenciamento contra o sargento Siqueira, com a finalidade de colocá-lo fora da polícia; ao coronel Balbino deu uma punição de quatro dias de prisão,  ao soldado Luiz, uma repreensão, e ficou ameaçando de punir o major Cipriano, mas, retrocedeu.

Capítulo 170

Minha campanha para deputdo

              Para fazer minha campanha e a de Vivaldo, este, arranjou-me um carro emprestado, que o devolvi dois dias após o resultado do pleito na capital.

As miseráveis línguas ferinas começaram a funcionar. Inventando tudo quanto não prestava. Diziam até que eu havia recebido um carro para abandonar a causa.

Como cúmulo do azar, ao gravar a minha propaganda eleitoral, certo de que seria num programa com o PT do B, foi ao ar tudo junto com o da unidade popular, e ao fundo a propagando do governador Garibaldi. Ora, sendo adversário do governador numa guerra jurídica, e também seu adversário político, eu jamais poderia aceitar aquela propaganda desastrosa. De imediato, mandei retirá-la do horário eleitoral, mas os poucos dias que permaneceu no ar, foram suficientes para causar um horrível estrago na campanha, deixando dúvidas na cabeça de muita gente, inclusive civil, levando-me a perder centenas de  votos.

Na Polícia Militar fizeram uma campanha suja para me derrotar. Sem entender nada sobre coligação, muitos saiam me afrontando. E diziam olhando-me:

“Traidor!... Eu sabia!?... Recebeu quanto!?”

Eu procurava explicar que eu não tinha culpa; que as coligações eram feitas pelos dirigentes dos partidos, mas não adiantava, eles eram tapados naquele assunto. E aqueles que me tratavam daquela maneira não votavam em mim, mas influenciavam muita gente.

Os meus adversários aproveitaram a falta de conhecimento dos policiais para a todo custo me prejudicar. Eles me diziam:

“É, subtenente!!... Se o escalonamento sair!... A gente vota no senhor!!...”

Eu lhes explicava que os direitos que eles recebiam todo mês foram uma conquista minha e de meus companheiros, mas era desperdício de tempo. E reafirmavam:

“É!... Se o escalonamento sair!!...”

Andei em 120 municípios, por duas vezes. No começo da campanha, antes da maldita propaganda, a  maioria me recebia bem. E dizia que estava fazendo minha campanha. Mas, aquela mesma maioria mudou de cara depois da propaganda. Por onde eu ia passando só recebia crítica, ouvindo o mesmo assunto.

Dezenas deles levavam a minha propaganda dizendo que era para distribuir com os seus companheiros nos quartéis. Que nada!!... Jogavam-na no depósito de lixo. Foi horrível!

Mesmo com todo aquele desacerto infeliz, a campanha serviu para despertar a consciência de muitos policias militares. Dos PMs que me conheciam de perto e diversos oficiais vestiram a camisa da campanha e tentaram fazer a cabeça dos praças. Centenas de praças - subtenentes, sargentos, cabos e soldados - não mediram esforços pedindo votos para mim.

Não fiz uma única visita nas residências da família policial militar residente na Capital, pois concentrei a minha campanha dentro das unidades da PM.

O Comandante Geral, coronel Luiz Franklim Gadelha, que também era literalmente contra ao Mandado de Segurança Coletivo, baixou determinação no boletim da caserna proibindo propaganda política dentro dos quartéis da Polícia Militar. Na verdade, a posição do comandante era só para me prejudicar, pois os candidatos do PMDB e PPB faziam reuniões com os oficiais dentro dos quartéis do comando e demais unidades, a fim de pedirem votos para Garibaldi e para eles, inclusive  no dia da eleição distribuíram, nos batalhões e companhias, as propagandas de Garibaldi, Henrique e Fernando Bezerra, coisa que, aliás, não se percebe em nenhuma corporação militar federal. Mas, na Polícia Militar  do  Rio   Grande   do  Norte,  é  uma  praxe  secular  a troca de favores, com todo o cinismo que a cara não consegue esconder.

Perseguiram-me de tal forma, que certa manhã eu estava fazendo minha propaganda na rua Ceará-Mirim, próximo ao portão lateral do Quartel do Comando Geral, quando fui procurado pelo major Sérgio, Chefe da Segunda Seção, proibindo-me ficar ali. Contestei dizendo que eu estava fora da área do comando, o qual insistiu querendo que eu fosse fazer minha campanha onde ninguém me visse, quando indaguei para o dito oficial:

“O senhor acha que eu sou  fantasma!!... Acha!?”

        Capítulo 171

Intervenção federal no RN

            Estava pronto o pedido de Intervenção Federal junto ao Superior Tribunal de Justiça. E os boatos caluniosos continuavam.

Em 28 de setembro de 1998, o advogado José de Ribamar de Aguiar, deu entrada no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, no pedido de intervenção federal contra o Estado do Rio Grande do Norte.

Na noite daquele dia, 5 pessoas da polícia telefonaram-me dizendo que existiam boatos  de que o governo havia dado 180 mil reais ao doutor Ribamar para abandonar a causa

Às vésperas da viagem de Ribamar, convocamos a imprensa ao seu escritório. Na oportunidade eu disse ao sargento Siqueira que eu daria as entrevistas, pois sendo candidato a deputado, aquele momento seria muito interessante para a minha campanha. O sargento Siqueira, todavia, não me deu chance. E quem deu a entrevista foi ele, a qual gravei em fita.

Infelizmente, existia gente dentro da corporação, inclusive do mais elevado posto, que não fazia mais nada, senão inventar boatos mentirosos com intuito de jogar os policiais contra o advogado e as pessoas que lutavam pelo cumprimento da sentença.

O pedido que recebeu o número IF 47 (Intervenção Federal 47) foi ao gabinete do Ministro Presidente do STJ, no dia 1º de outubro, e no dia 2 deixava aquele gabinete com o despacho do ministro dando 30 dias de prazo para o governador Garibaldi apresentar defesa, que começou a contar de 19 de outubro a 18 de novembro.

Mais uma vez, os policiais indignados com a posição assumida pelo governo que não obedeceu à determinação do STJ, diziam que a justiça era desmoralizada e que o governo já havia comprado todo mundo  e mandava em tudo. De certo modo, eles estavam com a razão. Afinal de contas, dentro da corporação não se escutava uma mensagem positiva, que lhes transmitisse boa perspectiva  de vida, senão mensagens negativas. Só para destruir. Para machucar.  E, muitos viviam arquitetando ações diabólicas  contra o seu próximo. Ser feliz entre aqueles lobos seria quase impossível.

        Capítulo 172

Ingratidão dos  PMs

           Chegou o dia das eleições - 1º de outubro de 1998. Estudos feitos comprovaram que 70% dos policiais votaram em candidatos estranhos e desprezaram quem lutava tenazmente pelos direitos deles. Muitos venderam os votos. Mas, também... resistir à correnteza de um rio tenebroso de dinheiro pelo qual navegavam os poderosos caciques da política potiguar, precisaria ter muita consciência.

Teve oficial que não liberou os praças para votarem porque sabiam que elas me dariam os votos.

Consegui, ainda, 7.448 votos. Nas cidades que eles diziam que estavam fechados comigo, foi onde eu tive mais decepção.

De certo modo, houve uma mudança no comportamento de vários oficiais, vez que muitos comandantes de unidades incentivaram a sua tropa, dizendo:

“Vocês estão vendo a luta do subtenente Júlio. Vamos eleger o homem. Nós precisamos de representante”.

Das praças, quem votou no sub Júlio, também fez campanha pedindo votos no meio civil.

Os que não me deram o  voto foram-me ingratos pelo recebimento de tão pouco. Não obstante, o governo não dera reajuste para nenhum servidor público, mas o fizera para os praças, como já vimos em capítulo anterior, que foi fruto do meu esforço e dos meus diretores, porém, eu e minha família pagamos o preço de tudo. Ademais, existem em seus contracheques vários direitos que eu, com o apoio de outros companheiros, consegui. Eu sofri, fui humilhado e massacrado defendendo o direito deles. O que eu fiz não aparecera outro que o fizesse. Muitos se esqueceram de quem carrega consigo as cicatrizes de uma luta, que iniciou há mais de 30 anos defendendo os direitos da tropa.

Foram-me ingratos, profundamente. Eles, contudo, não me entenderam, mas eu entendia a eles. É um problema cultural que tem deformado a visão de muitos policiais e que chega aos altos postos.

Durante minha caminhada pelo interior, no início da campanha, fui lançar minha candidatura na filial do Clube Tiradentes, em Mossoró. Com bastante humildade, lá cheguei   acompanhado pelos subtenentes Rubens e Passos. Só fiz uso da palavra porque o cabo Ribeiro, meu grande colaborador naquela cidade, ficou todo tempo exigindo da diretoria que me facultasse a palavra, isto porque quem estava sendo homenageado com uma faixa bem grande era o Vereador por Natal, Enildo Alves, candidato a deputado estadual, que  juntamente com outros vereadores votou contra o direito do policial militar não pagar transporte coletivo. Para mim, contudo, não me causou surpresa posto que as associações nunca me apoiaram, as quais preferiam candidatos estranhos aos quadros da corporação.

      Capítulo 173

Levaram os meus votos

          Olhando o resultado geral do pleito, de acordo com a coligação, vi que os meus votos e os do PT do B haviam sido somados aos votos da Unidade Popular, a fim de eleger o 12º deputado daquela coligação.

Através do doutor José de Ribamar fui falar com o também advogado, doutor Armando Holanda, que já o conhecia há tempo, e  profundo conhecedor sobre legislação eleitoral. 

Passei procuração para o doutor Armando. Com ele, fomos ao Tribunal Regional Eleitoral, e requeremos uma cópia da ata, na qual dizia que o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro havia feito coligação para governador com a Unidade Popular, mas, para deputado fizera com o PT do B.

O doutor Armando entrou com uma petição requerendo a desvinculação dos votos da Unidade Popular. E, se julgada procedente sairia o último deputado eleito, que foi o deputado Valério Mesquita, o qual nem sabia desse detalhe.

Os meus votos não serviriam para ninguém, mas caindo Valério, a vaga seria do vereador Antônio Jácome, do partido da professora Wilma de Faria, prefeita de Natal, que obtivera perto de 15 mil votos para deputado naquelas eleições.

A Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte, que é muito regionalizada, julgou improcedente o pleito. Foram 4 votos a um. E, sendo assim, existia a fumaça do bom direito, levando o doutor Armando Holanda a interpor Recurso Especial junto ao Superior Tribunal Eleitoral.

O deputado Valério, não sei porque razão, passou a divulgar umas cartas taxando a minha candidatura de inconseqüente  e opaca.

O recurso especial foi julgado pelo Superior Tribunal Eleitoral, o qual reconheceu que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte havia errado na soma dos votos, levando Valério e recorrer da decisão, mas, não teve sucesso. 

 

 

Capítulo 174

Mais uma vitória no STJ

            A reclamação, depois de ficar um tempão na Subprocuradoria Geral da República, foi devolvida ao STJ. Pouca gente acreditava que houvesse chance de vitória a nosso favor. Enquanto isto, o sargento Soares decidiu viajar a Brasília, e realizar a sua greve de fome.

A atitude do sargento Soares poderia prejudicar o andamento da reclamação, em virtude do Ministro Scartezzini haver sido eleito vice-presidente do STJ, estando o processo sem relator, e nós - eu e o doutor Ribamar - estávamos vendo a possibilidade de contratar um advogado em Brasília para agilizar o andamento da reclamação e outros procedimentos jurídicos.

O sargento Soares decidiu ir mesmo à Capital Federal e efetivar o seu protesto em frente ao Superior Tribunal de Justiça.

Fui obrigado a viajar com Soares, a fim de evitar que houvesse uma precipitação de sua parte. Dona Mariquinha, com a voz trêmula e os olhos cheios de lágrimas, pediu-me que não deixasse o seu filho fazer uma loucura daquela.

O doutor Ribamar viajara à Capital da República, dois dias antes, a fim de assistir a posse do Ministro Scartezzini, e juntos contratarmos o doutor Roberto Rosas - um dos melhores advogados de Brasília - que fora Ministro do  STJ e ficaria agilizando as coisas junto àquela corte.

O sargento Soares estava firme no seu propósito de fazer a dita greve de fome. Foi duro na Capital Federal, e ocupei muito tempo em conflito com Soares, que a todo custo queria fazer o seu protesto.  Expliquei-lhe  que as coisas haviam mudado no STJ, com a contratação do advogado, e estávamos no período quaresmal não havendo expediente no STJ, existindo, ainda, outra justificativa para não se manifestar de tal maneira: O novo relator, Ministro Fernando Gonçalves, não havia nem tomado posse, e, certamente, teria que conhecer todo o processo.

Com a presença do advogado, a reclamação andou rápida e logo foi colocada em pauta e julgada. O Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgou-a procedente.

       Capítulo 175

A determinação do STJ

                No dia 2 de julho de 1998, às 17 horas e 26 minutos, o governador recebeu o telex nº 153/98, do STJ, com o seguinte teor:

“Comunico vossencia que a Egrégia Terceira Seção deste Tribunal, sessão realizada em 24/06/98, ao apreciar a reclamação NR 491/RN, registro NR 97/0058082-2 (Processo de origem: RMS 3056/RN), relator o Exmº Sr. Ministro Fernando Gonçalves, em que figura como reclamante: Associação dos Subtenentes  e Sargentos da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, decidiu, a unanimidade, julgar procedente a reclamação para determinar o mediato cumprimento da decisão, independentemente, de quaisquer outras providências, inclusive legislativas por parte da administração estadual, sob as penas da  lei (Art. 191 do RISTJ). Atenciosas saudações. Ministro Edson Vidigal, Presidente da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça”.

O governador Garibaldi, numa atitude injusta, tornou a desrespeitar a determinação judicial, e desta vez, da justiça brasileira. Como governador, ele estaria dando um péssimo exemplo aos mantenedores da ordem pública que, de maneira afrontadora, fez total descaso à miséria reinante na corporação, e o mais grave é que passava uma mensagem de bom governador divulgando em revistas, jornais, rádios e televisões que governava “direito”. Mas, que direito, hein!? Ele deixava bem claro que os policiais que tinham um governador igual a ele não precisavam ter inimigos.

Com a atitude governamental, houve uma grande insatisfação no meio das praças. E  mais  do que isto! A soldadesca  estava mesmo decepcionada com a Justiça Brasileira.   Os PMs achavam que o STJ teria que tomar uma providência de imediato. Não se conseguia convencê-los de que a justiça só tomaria qualquer iniciativa se nós solicitássemos. E seria o pedido de intervenção que o doutor Ribamar estava preparando.  

     Capítulo 176

  • Levaram os meus votos

          Olhando o resultado geral do pleito, de acordo com a coligação, vi que os meus votos e os do PT do B haviam sido somados aos votos da Unidade Popular, a fim de eleger o 12º deputado daquela coligação.

Através do doutor José de Ribamar fui falar com o também advogado, doutor Armando Holanda, que já o conhecia há tempo, e  profundo conhecedor sobre legislação eleitoral. 

Passei procuração para o doutor Armando. Comigo ele foi ao Tribunal Regional Eleitoral, e requereu uma cópia da ata, na qual dizia que o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro só havia feito coligação para governador com a Unidade Popular. E assim os votos do PRTB não somariam com a proporcional da Umidade Popular.

O doutor Armando entrou com uma petição requerendo a desvinculação dos votos da Unidade Popular. E, se julgada procedente sairia o último deputado eleito, que foi o deputado Valério Mesquita, o qual nem sabia desse detalhe.

Os meus votos não serviriam para ninguém, mas caindo Valério, a vaga seria do vereador Antônio Jácome, do partido da professora Wilma de Faria, prefeita de Natal, que obtivera perto de 15 mil votos para deputado naquelas eleições.

A Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte julgou o pedido improcedente. Foram 4 votos a um. E, sendo assim, existia a fumaça do bom direito, levando o doutor Armando Holanda a interpor Recurso Especial junto ao Superior Tribunal Eleitoral.

O deputado Valério, não sei porque razão, passou a divulgar umas cartas taxando a minha candidatura de inconseqüente  e opaca.

O recurso especial foi julgado pelo Superior Tribunal Eleitoral, o qual reconheceu que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte havia errado na soma dos votos, levando Valério e recorrer da decisão, mas, não teve sucesso. 

Capítulo 177

O voto da procuradora no IF 47

           Após alguns meses do pedido de Intervenção Federal, estive na Capital Federal, a fim de agilizar o andamento da ação e manter alguns contatos.

A minha primeira decepção foi com o parecer da doutora Delza Curvello Rocha, Subprocuradora Geral da República, que assumiu posição favorável ao Governo do Estado. Dizia no seu parecer, que o governador já teria efetivado o cumprimento da determinação judicial com a edição da lei que mudou o dispositivo legal que nos deu direito à impetração da causa. E requereu  que o Superior Tribunal de Justiça negasse  o nosso pleito.

Parecia até uma brincadeira aquele parecer. Ora, o seu colega, doutor Jair de Meira Brandão, no seu inequívoco parecer, dissera que a lei já existia e não estava sendo obedecida, E que não precisaria editar nova lei. Finalmente, condenou a demora do governo em cumprir a sentença judicial.

Diante de tanta demora no pedido de Intervenção Federal, os policiais militares cada vez mais não acreditavam na Justiça e diziam que a justiça não tinha poder de nada. E indagam:

“Cadê a Justiça!! Cadê!!? A Justiça é fraca!... Acabou mesmo!!...”

Eles tinham razão. O governo zombou do poder da justiça. E não se tem notícia que um governador tenha sido preso, em pleno mandato, porque não cumpriu determinação judicial.  Não é preso, nem antes, nem durante e nem depois.

O poder que manda, quando quer, é o político. Mas, também pode ser corrosivo. Devorador!

      Capítulo 178

Julgamento do pedido

            O processo entrou na pauta para ser julgado pela Corte Especial do STJ, no dia 18 de agosto de 1999.

            No dia 6 daquele mês, eu viajei à Capital Federal, onde contei com o total apoio do Senador José Agripino.

Na Capital da República, fui hóspede do Hotel de Trânsito do Clube dos Sargentos da Polícia Militar, durante os dias que lá permaneci.

Levei para apresentar àquele  tribunal  um  vasto  documentário sobre o quadro miserável ao qual estavam submetidos os policiais militares e suas famílias. Mostrei a polícia de antigamente e a de hoje. A Polícia Militar do Rio Grande do Norte. Polícia esta, que  foi considerada, várias décadas, como umas das polícias mais honestas do país.      Mas, o quadro atual era triste. Policiais invadindo casa para morar. Morando em favelas convivendo com marginais, assaltando, comandando quadrilhas, extorquindo, praticando suborno e mendigando.

Os alarmantes números de policiais envolvidos em crimes, levando a corporação ao descrédito total, deixando a população sem saber de que lado estaria segura.

O estarrecedor depoimento do Doutor Juiz Auditor Militar publicado no jornal O Poti, fornecendo dados incontestáveis com 82 processos em andamento.

Pela Vara de Execuções Penais  estavam tramitando 195 processos de policiais militares sub judíce, sem computar mais de 100 procedimentos investigatórios que estavam tramitando dentro da corporação, só no primeiro semestre de 1999. Tudo isto, levei em documentos ao STJ, falando, inicialmente, com o relator do pedido, Ministro Fontes de Alencar. E assim, durante os 13 dias que lá fiquei, entreguei a cada Ministro, pessoalmente, ou por intermédio de sua assessoria, cópia de toda a documentação.  

O doutor Ribamar não iria comparecer ao julgamento, porque ele havia bancado suas últimas despesas à Capital Federal, quando da entrada do pedido e não recebeu o ressarcimento  das despesas. Sem advogado,  consegui  junto ao Senador José Agripino o doutor Paulo de Tarso, advogado de notável saber jurídico, o qual fez a defesa no processo, mediante memorial.

Às 16:30 horas, após julgar alguns “habeas-corpus”, o senhor Relator, Ministro Fontes de  Alencar, fez lacônico relato, incluindo, é  óbvio,  o pedido de improcedência  da Subprocuradora. E, infelizmente, foi pela improcedência do nosso pedido de Intervenção Federal.

Os 5 ministros seguintes votaram com o relator, sem, contudo, conhecerem os detalhes do processo. O sétimo ministro, doutor Felix Fischer, pediu vistas no processo a fim de conhecê-lo melhor e formular o seu voto. A partir daquela oportunidade foi suspensa a votação e a Corte encerrou os trabalhos daquela tarde.

Os advogados do governo do Estado do Rio Grande do Norte, que lá estavam assistindo, dentre os quais, um fez a sustentação oral, e já contavam com a vitória do governo, enquanto o Governador Garibaldi, do Gabinete do Suplente de Senador em exercício, jornalista Agnelo Alves, no Senado Federal, aguardava o resultado do julgamento.

Com aquela posição do Ministro Felix Fischer, muitos  policiais diziam:

“Isto é manobra do governo. Ele manda em tudo”. 

Eu, que ainda acreditava, em 50% numa vitória, explicava que naquele caso o governo não teria interesse de prolongar, uma vez que ele estava ganhando, e a posição de Felix Fischer poderia nos favorecer, havendo possibilidade até de mudar os votos dos outros.

         Capítulo 179

Porque perdemos o MS

             A figura do aluno soldado constante do artigo 31, parágrafo 7º, da Constituição Estadual, sem deixar claro que aos demais seria aplicado o índice escalonado previsto na legislação, apesar desta figura ser parte integrante do escalonamento vertical, muitos a viam como  frágil.

No mandado de segurança requeremos o direito dos subtenentes e sargentos sócios do clube - os impetrantes. O STJ assegurou o direito de receber soldo  igual ao salário mínimo para  o  aluno  soldado,  não  obstante,  deixou omisso o nosso direito. Evidentemente, que julgando sem dizer exceto o índice dos impetrantes, é lógico, que ganhamos, mas deixava dúvidas para muitos. Para uns, nós requeremos um direito e o STJ concedeu o que não requeremos. Para outros, era uma sentença dúbia. Para nós, um direito líquido e certo.

Na verdade, o Superior Tribunal de Justiça não foi preciso no seu julgamento. Ficou aquela confusão no acórdão. Foi mesmo que atirar no que viu e matar o que não viu. Lamentavelmente, o direito que requeremos foi o dos impetrantes da causa, e não do aluno soldado, pois, não existia legitimidade para requerermos tal direito. 

A falta de união dos policiais militares através de suas entidades representativas de classe. A falta de apoio da maioria da oficialidade, bem como a absoluta falta de interesse do alto comando. Tudo isto, levou-nos a um caminho totalmente diferente.

A Justiça Brasileira deixou os policiais militares com muitas dúvidas, especialmente no que se referia à interpretação.  O Ministro Fernando Gonçalves, relator do Agravo Regimental na Ação Rescisória nº 779-RN, impetrada pelo governo, a fim de anular a decisão daquela corte, julgando-a improcedente, adotou dois comportamentos.

No relatório, ele disse:

“Declinam   as   razões   que   a   Associação  dos  Subtenentes  e Sargentos da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte, por falta de legitimidade, não impetrou mandado de segurança para postular a sujeição do aluno soldado ao salário mínimo, embora o acórdão a tenha assegurado, mas sim objetivava o escalonamento vertical”.

No voto, o senhor ministro mudou:

“É bem verdade que, de modo oblíquo, a Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte, ao pleitear (sem qualquer discussão acerca de sua legitimidade) a sujeição do vencimento-básico do aluno-soldado ao salário-mínimo, visou, ao que parece, a implantação do escalonamento vertical previsto na legislação estadual...”

Oh, que confusão!!... A Justiça Brasileira recuou e não teve força para julgar procedente o nosso pedido de  intervenção, a fim de assegurar o cumprimento de uma determinação que ela mesma dera. Juntou com as mãos e espalhou com os pés. Que justiça!... Forte para os fracos, e fraca para os fortes.

Capítulo 180

Ordem para me espancar

            Passaram-se vários anos. Certo dia um subtenente do Corpo de Bombeiros em conversa comigo, disse-me:“Júlio, eu tenho uma história para lhe contar. E tenho certeza que você nunca teve conhecimento sobre a revelação que eu vou lhe fazer. Ao meio-dia de 14 de dezembro de 1992, eu me encontrava no gabinete do coronel Afonso (nome fictício), quando chegou o coronel Paulo (nome fictício) que havia sido chamado urgente ao mesmo gabinete, ao qual o coronel Afonso disse: Coronel Paulo, vá prender aquele subtenente Júlio, hoje, à tarde. Aquele velho safado! Meta-lhe o pau e jogue-o no xadrez”.

Era difícil acreditar naquela informação. Mas, vindo daquele coronel carrosco tudo seria possível.

Meses depois, outro subtenente, também me contou quase a mesma  história, só que havia entrado em cena um novo personagem. E sem me pedir segredo, disse-me o subtenente:

“Naquele dia que você foi preso, eu fui atender a um chamado do coronel Afonso (nome fictício), pela manhã, quando ele recebeu um telefonema da Secretaria de Segurança Pública. E o coronel Afonso ficava: Sim, senhor, meu chefe!... Sim, senhor, meu chefe!... Vou mandar prender aquele velho safado, meter o pau e jogar no xadrez”.

O coronel Paulo, que sempre me deu atenção, não foi me prender, e sim o major Cavalcante, chefe segunda seção. Este, pela conversa, na hora que me procurou, não me deixou dúvida ao dizer que eu iria de qualquer maneira. Graças ao meu Deus, que nunca me abandonou, aquela ordem perversa não foi concretizada.

 

 

Capítulo 181

Eleições do Tiradentes/1999

      Vem as eleições do Clube Tiradentes para maio de 1999. O sargento Alberto, que me apoiou durante a minha campanha para deputado, candidatou-se a presidente, o qual solicitou o meu apoio,  cujo pedido eu jamais poderia negar.

O sargento Siqueira apresentou o seu genitor, Pedro Siqueira de Lima, sargento da Reserva Remunera da Polícia Militar, como o seu sucessor.

Siqueira ao invés de fazer campanha contra Alberto fazia contra mim. Numa assembléia da associação, ele, querendo apagar suas amiudadas e boas caminhadas aos gabinetes de  Mesquita e Gadelha, e deleitando-se com as idéias dos dois comandantes,  disse aos sócios:

“Querem encontrar o subtenente Júlio, vão aos gabinetes do comandante e do subcomandante, que ele está lá”. 

Outros candidatos passaram a divulgar as falhas da gestão de Siqueira. Este e sua diretoria divulgavam de que o clube estava em situação difícil porque havia bancado a minha campanha.

Eu fiquei indignado com aquela estória, pois a ajuda que o clube me deu não chegou a novecentos reais, pela qual fiquei agradecido, mas, se eu tivesse me elegido, ela teria um preço.

Afeito ao uso de frases de efeito, Siqueira fazia discursos para os subtens e sargentos da reserva, e enfatizava bem:

“Estes cabelinhos brancos, iguais aos cabelos do meu pai, que também é policial da reserva”.

Siqueira conquistou a simpatia dos companheiros antigos. Não obstante, o seu comportamento mudou numa manhã, às vésperas da eleição do seu pai, num salão da Guarda Patrimonial, e na presença justamente daqueles de cabelinhos brancos - como ele dizia. Na ocasião eu estava pedindo votos para o sargento Alberto, e apresentava as falhas da gestão atual. Eis que apareceu o dito Siqueira, o qual usou a palavra, e sem respeitar os cabelinhos brancos de ninguém, agrediu-me moralmente, dizendo:

“No dia que foi dado entrada ao pedido de intervenção, o subtenente Júlio disse: Siqueira, eu sou candidato e preciso aumentar o meu IBOP. Deixe que eu dou as entrevistas”. 

 E continuando, disse:

“Se o subtenente Júlio tiver vergonha na cara não dirá que é minha mentira!”

Aquela ofensa irresponsável deixou-me, mais uma vez, profundamente amargurado. Isto porque eu tinha a fita das entrevistas, e como já foi visto em capítulo anterior, quem deu as entrevistas fora o sargento Siqueira.

Diante de Pilatos, Jesus foi esbofeteado por um soldado, e Ele divinamente, replicou: “Se falei mal, prova-o, mas se falei bem, por que me bates?” ( João 19-23)

  Capítulo 182

Apesar de tudo, sou feliz

           Considero-me um homem extremamente feliz. Sou bem casado com boa filha, boa mãe e excelente esposa. Tenho quatro filhos que são uma benção de Deus.

Durante este tempo nunca surgiram fortes desarmonias entre eu e minha  Maria Aparecida.

Dedicada exclusivamente ao lar e acima de tudo honesta,  ela é o grande tesouro que Deus me deu.

Em todos em momentos de minha vida, ela foi e é uma grande companheira. Dela nunca reclamei de nada. Nem de comida, nem de roupa lavada ou passada.

Meus filhos e  Maria Aparecida,  que foram vítimas das amarguras que o leitor as conheceu durante a leitura desta obra, jamais procuraram me culpar. Souberam trilhar, com dignidade, pelo tempestuoso mundo  de humilhação  que nos atingira, cujos protagonistas bem que mereciam um justo castigo a fim de pagar pela crueldade que praticaram. Este castigo, contudo, sairá das mãos de Deus a quem cabe julgar, já que não recorremos à justiça da terra.

Existem bem vivas nas nossas vidas, como se houvessem acontecido agora, as profundas marcas que nos causam dores. Parte das nossas vidas foi destruída. Dinheiro nenhum do mundo apagará estas marcas.

Capítulo 183

Fomos vítimas de Terrorismo jurídico

          O processo de perdas e danos que eu a minha esposa impetramos contra o Estado do Rio Grande do Norte, no mês de outubro de 1994, a fim de reparar os danos que sofremos em decorrência dos atos arbitrários praticados pelo Comandante Geral da Polícia Militar, ficou 6 anos e 4 meses na Segunda Vara da Fazenda Pública, pela qual, no mesmo período, passaram 6 juizes. E lá estive 30 vezes a fim de colher informações sobre o seu andamento.

            Parece que ele teria sido preparado para não sair do conto.

 Finalmente, no mês de março de 2001, obtivemos a primeira vitória. O doutor juiz condenou o estado a nos indenizar em menos de quinze por cento do valor que havíamos pedido. O julgador condenou o Estado do Rio Grande do Norte a me indenizar em cem mil reais, mais os lucros cessantes do pecúlio da Capemi, e quarenta e cinco mil reais para minha Maria Aparecida.

Insatisfeitos, recorremos da setença ao Tribunal de Justiça do Estado. Naquele tribunal, depois de 2 anos e 3 meses, o processo que, há tempo perdera suas cores originais pela demora, foi julgado procedente. Todavia, para nossa decepção o tribunal confirmou a primeira sentença.

Ficamos indignados com a posição daquela corte ao manter a sentença do doutor Juiz. Era um valor extremamente baixo, levando-se em consideração tudo quanto sofremos.

Eu e Aparecida achamos conveniente aceitar a posição da justiça, pois fazia 8 anos e 7 meses, que, pacientemente, com fé em Deus, esperávamos chegar à vitória. Enfrentamos uma verdadeira via-crúcis.

A ação já estava quase morrendo de velhice.

Que justiça!!!!?.....

Do fato gerador à data do segundo julgamento, decorriam-se dez anos de sofrimento, com profundas seqüelas que se arrastavam conosco, que careciam de uma reparação.

O processo transitou em julgado e retornou à vara de origem -  Segunda Vara da Fazenda Pública.

José Ribamar de Aguiar, o nosso advogado, cuidou de elaborar as planilhas com juros de mora e correção monetária, que, pela sua vagarosa tramitação na justiça, o valor  incluindo os lucros cessantes da Capemi e a indenização de Aparecida, somou em setecentos e oitenta e um mil, seiscentos e vinte e um reais e cinqüenta e nove centavos, mais cento e dezessete mil, duzentos e quarenta e três reais e vinte e quatro centavos de honorários advocatícios.

Capítulo 184

Manifestação da Procuradoria

Geral do Estado

A Procuradoria Geral do Estado contestou o valor apresentado pelo advogado, só reconhecendo a indenização no valor de duzentos e oitenta e sete mil, oitocentos e trinta e seis reais e vinte e sete centavos, deixando fora os lucros cessantes do pecúlio, e os honorários advocatícios no valor de quarenta e três mil, cento e setenta e cinco reais e quarenta e quatro centavos. E requereu que o juiz nos multasse, bem como nos condenasse nos honorários advocatícios, cujos valores deveria ser depositado na canta da revista da Procuradoria Geral do Estado.

Coisa estranha, não?!

Apesar do embargo do nosso advogado, o doutor juiz preferiu, contudo, atender ao requerido da procuradoria. Condenou o estado a nos indenizar com o valor reconhecido pela procuradoria, como também o valor dos honorários do advogado José de Ribamar. Porém, finalizando tomou uma decisão, no mínimo cômica, senão trágica. O magistrado somou os dois valores, que deram um total de trezentos e trinta e um mil, onze reais e setenta e um centavos, subtraiu do valor apresentado pelo doutor Ribamar e nos aplicou quinze por cento de honorários advocatícios, que representava um total superior a oitenta e cinco mil reais, sem, todavia, citar que artigo ele se estribou e para quem seria destinado aquele valor.

Estranho, não? Muito estranho!...

Aquela decisão desastrosa do ilustre magistrado causou-nos muita indignação. Nós não nos conformamos. Sentimo-nos tremendamente injustiçados. Por 8 anos e 7 meses fomos vítimas da inexplicável demora da justiça. De deplorável demora!

E agora estávamos, mais uma vez, sendo vítima da própria justiça, na qual depositamos nossa esperança. Nossa confiança!

Revoltado, procurei os jornais da cidade e externei a minha revolta e de minha família.

O doutor juiz se defendendo explicou aos jornais que “não seria um caso isolado. Era regra geral”.

Ora, a explicação do magistrado não nos convenceu, pois regra geral não é lei. E doutor juiz continuava sem citar lei nenhuma, que o justificasse adotar uma decisão tão esdrúxula.  E lesiva.

 

 

 

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