Os dias iam se passando. Tudo permanecia calmo dentro dos quartéis. Desapareceram as ameaças e as opressões. Eu sempre desconfiei, pela experiência de outros fatos, que nem eu, nem o coronel Mendonça ficaríamos imunes à sanha do Alto Comando da PM do Rio Grande do Norte.
Realmente, o comandante esperava unicamente que se acalmassem os ânimos da tropa. E, assim, no boletim do dia 14 de maio de 1992, portanto, 14 dias após a assembléia, publicou 6 dias prisão para o coronel Mendonça, que seria cumprida em sua residência, e 4 dias de prisão para mim, para ser cumprida no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar.
Isto foi numa sexta-feira. Eu me encontrava no Clube Tiradentes, às 15:00 horas, quando chegou um dos meus filhos comunicando haver ido à minha residência uma guarnição da PM comandada pelo capitão Ricardo, à minha procura. Adiantou meu filho que antes de chegar ao clube, havia passado pela Capemi, onde eu trabalhava como corretor, e teria visto uma outra guarnição parada em frente àquela empresa. Certamente, a fim de prender-me. Ciente, telefonei para um amigo que se encontrava de serviço no Copom - Centro de Operações da Polícia Militar -, o qual me informou de que o comandante havia me punido com 4 dias de prisão, determinando o meu recolhimento ao Quartel do Comando Geral da Corporação.
Eu estava esperando viajar ao Recife no dia seguinte, 15 de maio, por conta da Capemi, onde, durante uma semana, faria um curso de reciclagem sobre promotoria de vendas junto com os promotores que haviam sido selecionados no Nordeste, e concluída a reciclagem seria contratado pela Capemi com um excelente salário.
Entrei, imediatamente, em contato com o meu advogado, doutor José de Ribamar de Aguiar, que me aconselhou a viajar e fazer o curso, pois, ele resolveria junto ao comando. Depois dessa conversa, retornei a casa, quando minha esposa informou de que teria ido outra guarnição me procurar. Minha esposa não se sentia bem. Apesar dos oficiais não lhe haver dito sobre o que se tratava, ela desconfiava que eles queriam me prender.
Eu precisava contar tudo a ela e aos meus filhos. Chamei-os e lhes comuniquei de que eu precisava viajar ao Recife, e não poderia me apresentar antes de realizar o curso. Minha família concordou, mas eu estava aguardando a liberação da empresa para viajar.
Na manhã do dia seguinte, bem cedo, fui à residência de um amigo. De lá telefonei para o Copom, e fui cientificado de que uma guarnição comandada pelo tenente Albuquerque, irmão do capitão Ricardo, acabara de deixar o Quartel do Comando Geral, com destino à minha residência, a fim de prender-me e conduzir-me ao Quartel do Corpo de Bombeiros.
Não me demorei na residência do amigo, e retornei para casa. Minha esposa não estava passando bem, a qual chorava bastante. Com a sua voz trêmula, ela queria que eu fosse realizar o curso no Recife, e ao mesmo tempo queria que eu me apresentasse para cumprir a punição.
Ela ficara indignada quando o tenente Albuquerque lhe dissera:
“Se ele não se apresentar hoje, até às 14:00 horas, no Corpo de Bombeiros, a prisão de 4 dias poderá agravar para 15 ou 30 dias. Ele sabe. Ele não é menino.”
Revoltada, minha esposa - Maria Aparecida - disse para o tenente:
“Enquanto vocês estão procurando meu marido como se fosse um marginal, mas, é ele quem luta pelos direitos de vocês, que não têm coragem”.
Vi-me numa situação delicada. Eu cheguei a conclusão que não poderia viajar deixando minha esposa sofrendo as amarguras patrocinadas pelas perversas estrelas da Polícia Militar. Estrelas estas, que humilhavam e massacravam quem tinha coragem de levantar a voz defendendo os direitos, não só dos praças, mas também de toda a oficialidade. Faltava-lhes respeito aos sentimentos da fome e da miséria, sem um só pouquinho de sensatez.
Aflito, deixei minha residência e fui ao Clube Tiradentes, isto porque eu tinha certeza de que o tenente fora lá me procurar. De fato, a guarnição acabara de sair, onde demorou uma hora, havendo o tenente repetido as mesmas palavras que dissera à minha esposa.
Do clube, telefonei para o doutor José de Ribamar, que me mandou viajar, mas, faltava a liberação da empresa. Porém, o estado de saúde de minha esposa deixava-me indeciso. Tive medo de viajar e ela ser molestada pelas ações do comando que mandava os oficiais me caçarem como se eu fosse um bandido. Telefonei para um amigo do Corpo de Bombeiros, que me informou sobre as determinações do coronel Dantas que não parava de telefonar para o oficial de dia perguntando se eu já tinha sido preso, e aos gritos pelo telefone, dizia:
“Eu quero esse subtenente preso! Eu quero esse subtenente preso”!
Muitas guarnições davam uma volta e retornavam ao seu ponto de origem, informando ao coronel Dantas que não me haviam localizado.
Aproximava-se do meio-dia. Eu continuava esperando autorização para viajar. E mais aumentava a minha preocupação com a saúde de Aparecida, minha esposa.
Do clube, fui à residência de um amigo da reserva remunerada da Marinha, que era promotor de vendas da mesma empresa, onde fiquei até às 15:00 horas. Telefonamos ao gerente da Capemi a fim de saber sobre a liberação, e nada!... Eu sabia que minha família estava sofrendo. Resolvi ir para casa, e em seguida me apresentar para cumprir a punição. O meu amigo concordou, levando-me no seu carro.
Comuniquei a Aparecida que eu iria cumprir a prisão, ela, contudo, respirou aliviada. Apanhei uma bolsa, na qual coloquei roupa e material de higiene pessoal, e fui com o meu amigo ao Corpo de Bombeiros, onde me apresentei ao oficial de dia, ao qual falei:
“Tenente, diga aos meus opressores que eu estou aqui.”
No Corpo de Bombeiros, fiquei no alojamento dos sargentos com direito a me locomover pelo interior daquela unidade militar. O doutor José de Ribamar ao tomar conhecimento sobre a minha decisão foi, de imediato, fazer-me uma visita. Ele, como advogado da associação, mobilizou os meios de comunicação, que não tardaram chegar ao Corpo de Bombeiros, inclusive alguns correspondentes da mídia Nacional.
Ao ser anunciado o local, as visitas e os telefonemas não pararam. Recebi visitas de políticos famosos, e de policiais militares importantes.
Nas entrevistas, protestei contra a minha prisão, que fora irregular, sem me darem o direito de defesa, ilegalidade esta, que se praticava, costumeiramente, na Polícia Militar aos arrepios do bom senso. Denunciei do alto comando que me odiava, porque eu havia criticado o recebimento ilícito das gratificações irregulares que engordavam os contracheques dos seus coronéis.
O que mais me causou indignação foi a guerra psicológica que o alto comando promoveu junto a minha família.
As punições que nos foram aplicadas teriam efeito moral sobre a tropa. Os coronéis pensavam deixar a tropa amedrontada, e não aconteceria nenhum movimento.
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