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Cap131 Fome e humilhação
Cap131 Fome e humilhação

 

             O último salário que eu recebi, como policial militar, foi o relativo ao mês de janeiro. Minha família foi submetida a momentos de amargura e desespero, além dos humilhantes cortes de água e luz. 

Faltaram medicamentos e alimentação para minha esposa, que teve agravado o seu estado de  saúde. Amanhecia e anoitecia sem nos alimentar. Meu filho mais novo, com 16 anos de idade, ficou desnutrido e apanhou uma ameaça de rompimento da flora intestinal.

O meu lar ficou pelo avesso.

Minha família nunca havia passado nenhum momento de desespero. Foi uma verdadeira catástrofe. Toda aquela situação  passou  a  ser o nosso cotidiano. Sem dinheiro, sem emprego, e não sabendo que destino tomaria nossas vidas, eu saia de casa, a fim de pedir ajuda aos poucos amigos que não me abandonaram, e muitas vezes retornava sem nada, encontrando esposa e filhos chorando, tal qual eu os havia deixado.

Eles choravam o dia inteiro. Foi a pior humilhação que eu e minha família passamos, não havendo nada neste mundo que apague aqueles meses horrorosos.

Eu continuei alguns dias na presidência do Clube Tiradentes, pois sendo uma entidade civil, de direito privado, só os sócios poderiam me tirar do cargo. O  clube tinha conta bancária e crédito na praça. Se eu quisesse, teria utilizado verbas que estavam ao meu alcance e não deixaria minha família  passar  terríveis dificuldades,  mas  não  tive coragem de meter a mão no que não me pertencia. Muitas vezes, fui ao clube a pé, e retornava a pé porque não tinha dinheiro para o ônibus, e não utilizava os recursos da entidade.

Minha filha cursava estatística na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, era estagiária de uma bolsa do PET - Programa Especial de Treinamento -, que representava uma boa ajuda financeira. Ela foi à faculdade, a fim de realizar uma prova deixando mãe e irmãos chorando. Sem condições emocionais, não conseguiu realizar boa prova e perdeu a bolsa.

Alguns sargentos, ligados ao alto estrelado, tentaram fazer um abaixo-assinado com a finalidade de expulsar-me do clube, mas o movimento  não  criou  corpo  porque  foram  rechaçados  pelos demais companheiros, os quais disseram:

“Mas, o subtenente foi expulso  da reserva, está sofrendo com a família e vocês ainda querem colocá-lo fora do clube”! 

No final do mês de abril de 1993, eu cheguei ao Clube Tiradentes, a fim de passar o cargo de presidente ao meu vice, subtenente Alcides Pinheiro. Naquela oportunidade se encontrava presente o subtnente José Lima da Silva, mais conhecido por J. Lima, que estava dando entrada num requerimento a fim de inscrever-se como candidato a presidente da entidade. Vendo-me com os olhos cheios de lágrimas, perguntou-me por que eu estava chorando. Solidário com a minha dor, J. Lima ausentou-se do local e retornou tempo depois levando uma doação em dinheiro referente a uma campanha que o mesmo fizera junto a alguns comerciantes próximos ao clube.

No dia seguinte, retornei ao referido clube, quando J. Lima solicitou-me apoiá-lo para presidente da entidade, pedido  este que jamais eu poderia recusá-lo.

Naquele mesmo dia, após a saída de J. Lima, eis que o sargento Edson Siqueira de Lima, também deu entrada num documento requerendo o registro de sua candidatura a presidente do clube.

 O sargento Siqueira  solicitou o meu apoio à sua candidatura ao qual fiz ciência de que estava com o subtenente J. Lima. Não se dando satisfeito com a minha recusa, Siqueira disse:

  • Se você não me apoiar, eu tenho um documento que, se eu soltar, lhe prejudico.
  • Apois solte, Siqueira!... Solte!!!... Que eu não tenho rabo de palha! Eu nunca fiz sujeira em lugar nenhum - protestei.

Na manhã do outro dia, eu me encontrei com       o sargento França, presidente da Associação dos Inativos da Polícia Militar, que estava numa rua por trás da Assembléia Legislativa, o qual lia um documento para o sargento Lavoisier, acusando-me de está utilizando o clube para interesse próprio e que eu era considerado morte.  Ouvi bem estas palavras. O sargento França mudou de cor quando me viu, e foi logo dizendo:

  • Olha, Júlio nós estávamos mesmo querendo falar com você para lhe dar uma cópia deste documento.
  • Mas, que documento é esse? - perguntei.
  • Nós estamos pedindo a intervenção do comandante no clube.
  • Mas, de quem é o clube!? É dos sargentos ou da PM?
  • É dos sargentos?
  • Então, quem manda no clube são os sócios, portanto vocês devem pedir uma assembléia, a quem cabe decidir. Por sinal, já estou passando a presidência da instituição ao meu vice.
  • É, mas nós vamos entregar ao comando assim mesmo.

Fui correndo até ao corpo da guarda da Assembléia Legislativa, aonde serviam os sargentos Lavoisier e Siqueira, este, porém, negou dizendo que não tinha nada com o que estava acontecendo, todavia, inútil tentava esconder, isto por que eu tinha certeza ser aquele o dito documento que o tal sargento me fizera ameaças.

Não tardou, contudo, chegar o sargento Lavoisier, que foi dizendo:

“Siqueira, entregamos o documento ao comando”!

O sargento Lavoisier, que posteriormente, provou ser um cidadão de bem, não gostou do recuo de Siqueira, e protestou afirmando o envolvimento do seu colega de farda.

Passaram-se dois dias, e fui ao clube aonde o tenente Washington Pontes me procurou, a fim de tomar o meu depoimento numa sindicância que o comandante mandara apurar atendendo às denúncias injuriosas do sargento França, o qual fora induzido por seus colegas Lavoisier e Siqueira.

Respondi ao tenente Washington que informasse ao comando que não daria depoimento nenhum, pois defunto não falava.

 O tenente deixou o clube sem obter sucesso nas suas investigações, porém, se comportou educadamente.

Um deputado estadual pelo Rio Grande do Norte, que eu o visitava constantemente e esteve presente às assembléia da greve, convidou-me para integrar a assessoria dele, na Assembléia Legislativa. Mandou anotar os meus dados, e disse:

“Eu faço parte da mesa da casa; vou preparar a resolução e levar para o presidente assinar”.

Uma comissão de esposas dos PMs liderada pôr Crizelda, esposa do sargento Gonçalo, foi ao gabinete do deputado ao qual  fez ciência de que eu estava sofrendo com minha família, estando com água e luz cartadas, e sem alimentos.

O deputado mandou me chamar e entregou um cheque, dizendo:

“Júlio, sei que você está passando necessidade. Tome este cheque, que será descontado do seu primeiro ordenado, no meu gabinete”.

Fiquei indo quase que diariamente ao gabinete do parlamentar,  que me dizia:

“Júlio, o presidente ainda não assinou. Ele está estudando. Ele vai assinar”.

Os meses foram se passando, até que certo dia, um dos policiais da assembléia, informou-me:

“Subtenente, o senhor desista! O sargento Floriano(*) procurou o deputado e disse: “Deputado, o senhor não confie no subtenente Júlio, não. Ele vai se candidatar a deputado, e lhe dará uma rasteira”.

Continuando, disse-me o mesmo policial:

“O sargento Floriano disse ao coronel Afonso(*) que o senhor estava no gabinete de um deputado, aqui na assembléia, ganhando um alto salário”.

De fato, a nomeação não aconteceu. Enquanto isto, o tal coronel  Afonso dizia à sua tropa nas formaturas gerais:

“O subtenente Júlio foi quem se deu bem com essa história toda. Ele está com um alto salário no gabinete de um deputado, na Assembléia Legislativa”.

Entramos para o 4º mês sem Aparecida receber a pensão. Os policiais   militares   não   se   sensibilizaram  com  o  nosso  sofrimento, preferindo darem-nos as costas e ignorar todo o nosso sofrimento. Os mesmos que eu lutei tanto defendendo seus direitos, sacrificando a minha própria liberdade além de ser submetido com minha família às cruéis ações de uns oficiais perversos e tão maus. Eu me conformaria com os 31 dias de prisão que já os havia cumprido. Mas me  excluir da reserva, sem nenhum dispositivo de lei que autorizasse fazê-lo, atingindo amargamente minha família, que foi brutalmente vítima da mais cruel das injustiças, foi uma ação imunda. Medida nojenta praticada pelo comandante e o seu subcomandante à margem da lei ao bel-prazer de sua terrível brutalidade, tudo isto em nome de um poder que não ultrapassava as fronteiras do quartel que comandavam. 

Sem receber salário e pelo atraso do IPE em pagar a pensão à minha esposa, perdi cartões de crédito,  conta  bancária  e  fui fichado no Serviço de Proteção ao Crédito. Horrorosas cicatrizes se abriam na minha vida e na de minha família. Choros e lágrimas transbordavam os quatro cantos do meu lar. Era o desespero de minha esposa e filhos, que passavam semanas se alimentando de pão e café, enquanto os meus algozes riam de mim. E ainda praticavam atos covardes contra mim, com todos os requintes de tirania.

Miseráveis!!..

Sai pedindo ajuda pelas residências dos poucos amigos. Daqueles que não me virariam as costas. Dentre os quase 8 mil homens, só encontrei ajuda dos seguintes companheiros: Sargento Antônio Luiz Soares, subtenentes da reserva Ivaldo Teixeira, Mário de Araújo Figueiredo, Severino Barbosa, Antônio Batista dos Santos e esposa - dona Almerinda -, Alcides Pinheiro, sargento Gonçalo e esposa – Crizelda -, sargento Edivan e mais uns 10 companheiros da ativa, Coronel Antônio Morais Neto, e major José Cipriano Filho.

No meio civil contei com a colaboração do Sindicato dos Policiais Federais, cujo presidente era o agente federal Sérgio. Também contei com o apoio do meu amigo Fernando, que naquela época era  representante do Cheque Cardápio, o qual  sensibilizado com minha dor, prestou-me  a sua colaboração.

Enquanto até pessoas que não eram da farda me prestaram solidariedade, as Associações de Subtenentes e Sargentos, Cabos e Soldados, cujos presidentes  viviam no auspicioso esquema do coronel Altamiro, já como Comandante Geral,  não me prestaram nenhum apoio.

O subtenente J. Lima, ao assumir a presidência do clube, mudara o seu comportamento logo por ocasião de sua posse,  inspirado no discurso do comandante Altamiro, que disse:

“O Clube dos Sargentos agora está entregue a um homem com a cabeça no lugar”.

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