O sargento Luiz Antônio Soares - sargento Soares - estava se destacando nas assembléias e no seio da tropa. Ele batia forte contra a atitude do governador.
Certo dia, Soares me disse:
“Eu vou chamar o governador de fora da lei”.
A insatisfação gerada pela desobediência do governo transformava a vida dos policiais num infinito desalento. Quem não gostaria de dizer o que o sargento Soares ameaçava dizê-lo? Mas..., e coragem!?... Muito embora não fosse esse o caminho.
Tentei mudar a posição de Soares, esclarecendo-lhe:
“Soares, não diga assim. Eu utilizo palavras que significam a mesma coisa, mas não são vistas como agressivas. Diga que o governador anda na contra mão do direito ou às margens do direito. Estas palavras dizem a mesma coisa, porém, são moderadas”.
Ele, obstinadamente, queria expressar os seus sentimentos de maneira mais profunda e que gerasse um grande impacto. E foi em frente...Numa assembléia no clube dos sargentos, ele efetivou o seu intento chamando o governador de fora da lei.
Soares me procurou e disse que estava se preparando para fazer uma greve de fome. Inicialmente, pensei que se tratava de uma brincadeira, mas, ele estava sempre repetindo e dizia:
“Vou fazer e não abro”.
Nas reuniões do Clube Tiradentes, ele fazia discursos contra o comportamento do sargento Siqueira que se posicionava contrário a um aquartelamento. E até fazendo referência a duas piscinas que estavam sendo construídas, dizia:
“Estas piscinas estão cheias de ratos!!...”
O discurso do sargento Soares levara a tropa a reacender a chama. E, na semana seguinte surgiu um movimento de fora para dentro ao ser anunciado pelos meios de comunicação uma greve conjunta com a Polícia Civil.
O sargento Soares solicitou o meu apoio. Fomos ao Clube Tiradentes falar com o sargento Siqueira, que apresentou dificuldades numa determinada data, mas, marcou a assembléia para outra.
Só quem sabia daquela reunião era eu, Soares e Siqueira. Ao sairmos do clube, eu disse para o sargento Soares:
“Soares, quer valer quanto que o comandante vai tomar conhecimento hoje mesmo sobre esta assembléia!?”
E não deu outra. No dia seguinte, o coronel Gadelha - já como Comandante Geral - mandou chamar o sargento Soares, a fim de pedir explicações sobre a convocação da assembléia.
Mais uma vez houve um erro de estratégia, e a oficialidade mantinha-se em alerta. Tiveram início as ameaças de aplicar punições para quem atendesse à convocação. Apesar das pressões, a assembléia foi realizada no sábado. A freqüência não correspondeu, pois a tropa, que já não acreditava mais na ação das assembléias, estava temerosa com as ameaças, abortando o movimento.
Com televisões presentes à assembléia, depois de alguns discursos, deram início a um coro, simplesmente, sui generis se referindo ao governador Garibaldi:
“Abaixo o faro da lei!... Abaixo o fora da lei!... Abaixo o fora da lei!...”
Na segunda-feira, o comandante ao tomar conhecimento mandou chamar o sargento Soares, fazendo-lhe várias indagações, e fê-lo prisioneiro, recolhendo-o à Academia de Polícia com 30 dias de cadeia.
Na mesma segunda-feira, o major Sérgio, Chefe da Segunda Seção, telefonou para minha residência informando-me que o comandante queria falar comigo naquele dia. Minha esposa, que assistia a conversa, começou a passar mal, razão que me levou a telefonar para o major, informando-lhe que só no dia seguinte eu poderia atender ao chamado do comando.
Inicialmente, fui me apresentar ao major, que me levaria à presença do Comandante Geral, coronel Gadelha, mas não me atendeu, e retornei para casa, mandando o major que eu fosse no outro dia - quarta-feira.
Conhecendo o comportamento dos comandantes, eu acreditava que o coronel Gadelha iria me aplicar uma punição ou me pressionar. Ao invés de ir para o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar, fui ao escritório do doutor Ribamar, o qual telefonou para o comandante, que me convocou para as 15:00 horas daquele dia, justamente para coincidir com o horário da Assembléia dos Policiais Civis quando eu estaria presente.
Compareci ao seu gabinete acompanhado pelos advogados José de Ribamar de Aguiar e Ronaldo, este, do mesmo escritório. O coronel Gadelha nos recebeu maravilhosamente bem, com uma conversa sem nenhuma contumácia e destacada atenção. Mas, não deixou de se fazer ferrenho defensor dos cofres do estado, ao pegar um pincel e chegar até um quadro no qual rabiscou alguns números, e disse-nos:
“Se o governo cumprir a ação judicial, tem coronel que ficará ganhando mais de 12 mil reais”.
A preocupação do comandante era com o estado e em nada com a miséria da qual estavam sendo vítimas os humildes e espezinhados PMs.
Entrei na conversa do comandante ao expressar-me:
Continuando, conclui:
“O Estado está arrecadando mais de 120 milhões de reais, e paga uma folha inferior a 50 milhões. Portanto, menos de 50%, enquanto a lei Rita Camata autoriza 65%”.
Da conversa, que durou horas, o comandante prometeu que liberaria o sargento Soares, às 12 horas do dia seguinte - quinta-feira.
Demorei-me retornar para casa, mas não passava das 19 horas. Encontrei uma carta a manuscrito e assinada pelo sargento Soares, através da qual ele dizia que se encontrava em greve de fome há 48 horas, e que só suspenderia a greve quando o governador cumprisse a determinação judicial. Na carta, o sargento me acusava de havê-lo traído. Eu fiquei preocupado, pois, há uma semana, um sargento pertencente ao mesmo Batalhão havia tentado suicídio. E talvez, vendo-se abandonado ele tentaria o mesmo.
Como traidor nunca o fui, e jamais o serei, sem perder tempo, e em companhia da esposa do sargento Soares, procurei naquela mesma noite algumas emissoras de televisão a fim de comunicar sobre a tal greve de fome.
No outro dia, bem cedo eu e aquela senhora distribuímos cópias da carta do sargento Soares para os meios de comunicação. E, já pelo meio-dia tivemos uma reunião com o doutor Valério Marinho, Vice-Presidente da OAB/RN e Presidente da Comissão de Direitos Humanos daquela instituição.
O doutor Valério fez um ofício dirigido ao coronel Gadelha, através do qual solicitava que o mesmo Gadelha removesse o sargento grevista para uma unidade hospitalar da Polícia Militar, a fim de receber os devidos cuidados médicos.
Também entregamos cópia do ofício aos meios de comunicação, que tomaram conta do assunto.
A pressão da mídia e da OAB fez o comandante recuar, mandando o seu motorista oficial ir à residência de dona Mariquinha, mãe do sargento Soares, com o objetivo de levá-la à presença dele - o comandante.
Totalmente desorientado, o comandante disse à dona Mariquinha:
“Mandei chamar a senhora aqui para dar uns conselhos ao seu filho, que está fazendo uma greve de fome. Eu vou mandar ele para casa”.
O sargento Soares foi colocado em liberdade, mas continuou com a sua greve de fone, e para lá mobilizamos toda a mídia. Os jornais e as televisões mostravam o estado em que se encontrava o sargento, inclusive o clamor da família.
Em uma das minhas visitas ao sargento Soares, eu disse:
“Soares, o comandante deu um fora muito grande. Eu no lugar dele teria lhe removido para o hospital da corporação a fim de receber os cuidados médicos, ficando fora dos jornais e das câmaras de televisão, depois de uns 10 dias, quando as coisas esfriassem eu lhe mandaria para casa”.
O sargento teimava em permanecer na sua greve de fome, e com o firme propósito de só suspendê-la quando o STJ mandasse alguém de Brasília a fim de obrigar o governador cumprir a determinação judicial – o que seria impossível. Naquela luta da greve de fome contra a insensata posição do governador, que não se sensibilizava nem um pouco, Soares, que, descontroladamente, só tomava café e fumava, estava tão debilitado que não reunia mais forças para ficar em pé. A família, vizinhos, amigos e seus companheiros de farda todo dia imploravam para ele suspender a greve de fome, mas sua teimosia era mais forte.
Decorriam-se 20 dias, gerando um clima de muita aflição não só para a família, mas também para quem foi visitá-lo. E arrancou lágrimas de milhares de pessoas que o assistiam pela televisão. Recebemos informação de Brasília de que a Subprocuradoria Geral da República havia dado parecer favorável ao nosso pedido constante na reclamação. Solicitamos, urgente, cópia do parecer. De fato, o procurador, doutor Jair Meira Brandão, num parecer inequívoco, foi favorável à nossa reclamação e rechaçou com veemência a posição do governo em mudar a lei com o obscuro objetivo de torpedear o direito que os subtenentes e sargentos haviam conquistado na justiça.
De posso da cópia, eu e o doutor José de Ribamar fomos à residência do sargento Soares, o qual, depois de vê o documento e aconselharmos a dar uma trégua à sua persistência, suspendeu a greve de fome, mas disse que retornaria a qualquer momento. E ameaçou ir à Capital Federal, a fim de fazer greve de fome em frente ao STJ.
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