Como se viu, existia gente querendo a cabeça do coronel Luiz Pereira. E as pressões que eu recebia dos praças e dezenas de oficiais subalternos tiravam-me o sono.
Chegou o dia 9. Não havia mais espaço com tanta gente. Policiais e famílias lotavam as dependências do Clube Tiradentes. Televisão, rádios e jornais presentes.
Abertos os trabalhos e facultada a palavra, surgiram várias propostas; Quase todas eram sobre a paralisação das atividades profissionais dos PMs a partir daquele momento, indo até a segunda-feira seguinte, após o carnatal. Os policiais entenderam que uma parada antes do carnatal, cujo evento atraia turistas do Brasil inteiro e do exterior, forçaria o comandante ir ao governo e resolver a questão salarial da tropa logo no primeiro dia.
A proposta foi submetida à apreciação. Aprovada sem nenhuma rejeição. Minha posição, como presidente do clube, seria respeitar as decisões da maioria e administrá-las. Tentei mudar a cabeça dos policiais, explicando-lhes sobre os sérios riscos de uma paralisação. Deixei bem claro que iríamos pagar um preço alto porque eu já conhecia as conseqüências de uma decisão daquela, entretanto, fui rechaçado, à unanimidade, de maneira acintosa.
Houve, então, outra proposta que seria seguir em passeata ao palácio do governo, naquela tarde, a fim de entregar um documento reivindicatório ao Secretário Chefe do Gabinete Civil, com o objetivo de fazê-lo chegar às mãos do Governador do Estado. A sugestão foi aceita pela maioria. Já que eles haviam decidido cruzar os braços, a minha sugestão foi a de aquartelamento, com a finalidade de evitar tumultos e não perder o controle da tropa. Contrário à minha proposta, o soldado Gonzaga sugeriu que a tropa teria que ficar fazendo passeatas, não permanecendo dentro dos quartéis, indo à noite para casa, e ficando em assembléia permanente no Clube Tiradentes, durante o dia. Postas em votação foi aprovada a do soldado Gonzaga.
Os policiais elegerem uma comissão para ficar à frente do movimento paredista, a qual foi constituída por mim, cabo Sobrinho, o vice-presidente Alcides Pinheiro, o diretor financeiro José Matias do Nascimento e outros companheiros. Eles elegeram, ainda, uma segunda comissão de reserva para substituir alguns companheiros que, porventura, fossem presos, da qual participava o soldado Gonzaga.
Redigimos um documento à vista de todos, que entrando numa fila o assinaram.
Os policiais seguiram em passeata com destino ao Palácio Potengi, no centro da cidade. À frente ostentavam uma faixa bem grande com os dizeres:
“FAMÍLIA POLICIAL MILITAR UNIDA PELOS LAÇOS DA FOME”.
Com os contracheques nas mãos cantavam as músicas que foram feitas com antecedência, e quem sabe até maestradas pelos tramoieiros do alto comando que envenenaram a cabeça dos praças.
“Eu não vou pro carnatal
Porque tô passando mal.".
“A polícia está nas ruas, governo a culpa é sua...”
“Ê... Ô...Ê ...Ô... o governo é um terror!”
Ocupavam ruas e avenidas, causaram surpresa à população, que nunca tinha presenciado uma manifestação daquela natureza. Mas, nada restaria aos PMs, senão expressar os seus sentimentos de revolta e protestar, de público, contra o arrocho salarial imposto pelo governo do estado. Por onde eles iam passando, recebiam aplausos da população. Comerciantes, comerciários, médicos, advogados, donas de casas e o povo em geral manifestaram-se favoráveis ao movimento paredista dos policiais militares.
A passeata parou em frente ao Palácio Potengi. Eu e o cabo Sobrinho tentamos falar com o Secretário Chefe do Gabinete Civil, doutor Leônidas Ferreira, mas não foi uma pessoa nos receber. E como não apareceu ninguém, os policiais decidiram parar em frente ao Poder Legislativo. Fui com outros companheiros ao gabinete do líder do governo, deputado Getúlio Rego, a quem entregamos uma proposta na qual pedíamos a reposição dos valores que haviam desaparecido dos nossos vencimentos.
Em frente à Assembléia Legislativa foi cantado o Hino Nacional e vários policiais discursaram. Quase todos os deputados de oposição foram assistir à manifestação, enquanto os deputados do governo preferiram ficar dentro dos seus gabinetes.
Findos os discursos, os policiais decidiram retornar às residências, e no dia seguinte, às 7 horas, teriam que se reunir no Clube Tiradentes.
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