Apesar da grande fartura, a corrida em busca de água era indispensável, pois o inverno daquele ano foi bom para a lavoura, mas não o foi para o açude local. Recomecei minha penitência acordando às altas horas da madrugada, indo buscar água em Vera Cruz.
Uma certa madrugada fui pegar a égua malhada que era ligeira e arisca aos estranhos, na qual eu iria buscar água naquela madrugada. O animal, que se encontrava amarrado, conseguira arrancar a corda e quando me viu saiu em disparada. Eu perseguia a égua, querendo pegar na ponta da corda, mas, nada! Lutei bastante tempo. Finalmente, consegui dominá-la. Coloquei-lhe a cangalha e os barris. Montei no meio da carga e segui, como sempre, sozinho.
Logo que a égua afastou-se de casa, começou a assustar-se. Fiquei com medo. Falavam de um juazeiro velho que cobria a estrada para Vera Cruz, onde diziam escutar vozes, gemidos e ventos fortes. Falavam de um foguinho azul que andava sobre as árvores, que depois descobri que aquele foguinho tinho o nome de fogo-fátuo. E ainda falavam de um corpo sem cabeça que aparecia à beira do olheiro em Vera Cruz, onde a gente apanhava água.
Com tanta conversa de mal-assombro, comecei a tremer de medo. Montado, parecia que eu estava sendo arrastado. E ia voando. Fechei os olhos e tapei os ouvidos ao passar por baixo do juazeiro. No olheiro, enchendo os barris, parecia está vendo o tal corpo sem cabeça.
Olhava para todos os lados. Olhava para a mata fechada que ficava bem próximo ao olheiro, só vi o pisca-pisca dos pirilampos, chega fervilhava. E a égua continuava assustada até retornar para casa, e ainda, escuro sem sinal do amanhecer. Só muito depois é que surgiu a aurora junto com o quebrar da barra.
No curral, nem uma vaca se mexia. Tudo calmo. Ouvia-se, apenas, o uivar das raposas que rondavam a casa querendo pegar as galinhas agasalhadas no poleiro, para a sua refeição matinal. Mas as galinhas, que não eram bobas, perceberam a presença das raposas e lançaram os seus pedidos de socorro carcarejando: “Coro-cocó!... Coro-cocó!... ”
Elas acordaram os perus, que gluginejaram bem alto: “gulú...gulú!... gulú...gulú...gulú!...”
As raposas, não querendo esperar por tempo ruim, saíram em retirada e ganharam refúgio dentro do roçado de mandioca.
Amarrei a égua no cercado. Corri para casa. Empurrei a porta da frente, que se encontrava encostada. Fui, mesmo no escuro; armei a rede e deitei-me, silenciosamente. Cobri-me dos pés à cabeça. Mas parecia está vivenciando toda aquela estória de assombração. Aos meus ouvidos escutava o ufar do animal assustado. Não dormi mais.
Com os olhos fixados à telha, vi que o dia estava chegando. Fui tomado de susto, ao escutar os gritos de padrinho João.
Levantei-me. Vi que padrinho João, com um lampião na mão esquerda, fora verificar. Quando se virou, viu-me bem perto dele. Sua face ficou pálida. Ele duvidara da minha palavra e ficara arrependido, todavia, por ser orgulhoso, não sabia pedir desculpas ou perdão, mas ficou estremecido por dentro.
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