Luiz, filho de compadre Zeca, que era afilhado do meu padrinho João Horário, foi me ajudar nas obrigações diárias. A rotina, porém, em nada mudou. Padrinho João Horácio chamou Zeca, ao qual ordenou:
Zeca, que aprendera com o seu compadre João Horácio a chegar antes da hora, levantou-se às três e meia e foi ao cercado apanhar a égua malhada e o jumento roxinho. Colocou as cangalhas e quatro barris nos animais, e foi até à porta da casa de padrinho João.
Desarmei minha rede e calcei as alpargatas de rabicho. Padrinho João, que já se encontrava na sala, conversava com Zeca enquanto acendia um candeeiro grande feito de zinco e pavio grosso de algodão. Aproximei-me dos dois.
Zeca montou-se no meio da carga da égua, e eu na do jumento. E seguimos dentro da mata, por uma vereda estreita chega os ramos do mato roçavam nos barris. Zeca não dava uma palavra. Não tardou, todavia, ouvirmos o cantar horroroso das corujas e o uivar das raposas, que não paravam de marcar presença, passando sem parar de um lado para outro. A mãe-da-lua também marcou presença, porém, não se atrevendo como os dois últimos e preferiu ficar de longe, com o seu arrastado cântico.
A barra ia quebrando, quando chegamos ao povoado de Vera Cruz. Seguimos a sua rua principal. Zeca entrou numa vereda, que lateralmente se limitava por duas cercas de arame farpado. Bem no pé de uma mata fechada e escura de arrepiar existia um grande poço com bastante água de vertente.
“É aqui” - disse Zeca.
Zeca saltou do animal. Aproximou-se do jumento querendo me tirar do meio da carga, mas pulei para a garupa do burro, e mais rapidamente para o chão, o qual nem me tocou. Cada um tirou os seus barris; Zeca com um funil e uma lata os encheu. Depois, com a minha ajuda, colocou-os nos animais. Foi tudo muito rádido!
Andando mais lento, retornamos. O clima era gostoso diferente daquele que estorricava qualquer vida no sertão. Com aquele aroma suave que fluía das flores dos cajueiros, das mangueiras e outras árvores nos dava uma sensação de bem-estar, num convívio tranqüilo, que nos proporcionava a natureza.
Ouvimos o sinal de que nos aproximávamos da casa de meu padrinho; foi o mugido da vaca asa branca no curral da casa grande, que todos as madrugadas, exatamente ao quebrar da barra, dava de dois ou três mugidos. Coisa de vaca!...
“Chegamos”! – disse Zeca.
Descarregamos os barris. Retiramos as cangalhas dos animais. E fui deixá-los no cercado de pastagem que ficava pertinho.
Padrinho João começara a tirar o leite das vacas, entretanto, não era bom tirador diante do seu compadre Zeca; este foi ao curral feito de catanduba e mourão de pau d’arco, que substituía os de mororó do sertão, e assumiu o seu lugar de tirador-mor, enquanto padrinho João deixava o seu lugar-tenente.
Na casa de farinha à manual, chegavam os forneiro, prenseiro, moedores, tiradeira de goma, raspadeiras de mandioca, peneradeira de massa e secadeira de crueira e goma. Bem perto dali, num imenso roçado, os arrancadores de mandioca davam início ao seu trabalho.
Eu e Luiz de compadre Zeca fomos ao cercado. Encabrestamos quatro jumentos, nos quais colocamos cangalhas e caçoais. Pronto! Os animais estavam equipados.
Nossa tarefa, a partir daquele dia, além das de rotina, era carregar mandioca para a casa de farinha no lombo dos animais.
Perto de uma hora da tarde a tarefa daquela manhã somava dez carregamentos. As raspadeiras, esparramadas ao redor daquela grande ruma de mandioca, não davam vencimento.
Escutei um grito:
“Ô, Jú...li...o!!...”
Era padrinho João. Ele só me chamava arrastando as sílabas. Mas eu nem gritava respondendo. Eu saia calado. E se estivesse longe, saia correndo. E ele gritando:
“Ô, Jú...li...o!!...”
Sai correndo da casa de farinha, e sem responder - como sempre. E ele gritando:
“Ô, Jú...li...o!!..."
E eu já por trás dele e bem pertinho, respondi:
“Inhô, pa...dim!!...”
Assustei-o! Virou-se para mim com uma cara de quem não gostara. Desculpei-me.
Àquela hora, Antônio forneiro - como o era conhecido Antônio de Chico Guedes - preparava a sua quarta fornalha de farinha de primeira qualidade, que ia sendo armazenada em grandes sacas de palha de carnaúba, guardadas num dos imemsos quartos da casa grande.
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